Epilepsia na Infância.
No
entendimento atual, o termo epilepsia refere-se a um distúrbio cerebral
cortical, caracterizado pela despolarização espontânea, sincronizada e
geralmente autolimitada de determinado grupo de neurônios, no caso das
epilepsias parciais, ou de amplas áreas de ambos os hemisférios
cerebrais, no caso das epilepsias generalizadas.
Neste conceito está
implícito que diferentes áreas corticais são capazes de originar crises
epilépticas, de modo que a sintomatologia ictal pode ser extremamente
variada. Fica implícito, também, que o conceito de epilepsia não diz
respeito a uma doença única, mas sim a um grande grupo de entidades
neurológicas que mantêm como ponto comum a presença de crises
epilépticas recorrentes não provocadas.
A
epilepsia parcial benigna da infância com paroxismos centroparietais
corresponde a mais freqüente epilepsia idiopática da infância, com
incidência estimada em torno de 21/100.000. A epilepsia rolândica
apresenta predisposição genética importante, ocorre em crianças
neurologicamente/cognitivamente saudáveis e as crises apresentam
remissão espontânea durante a adolescência, assim como as alterações
eletrencefalográficas. As crises epilépticas usualmente têm início na
infância, com pico entre 7 e 10 anos de idade, embora possam iniciar em
crianças mais velhas, no início da adolescência. Observa-se predomínio
no sexo masculino.
Embora possa haver algumas variações semiológicas, a
maior parte das crianças apresenta crises estereotipadas, caracterizadas
por parestesia e sensação de “agulhadas” em língua, lábios e
orofaringe, seguida por clonias em hemiface, desvio tônico do segmento
cefálico e dos olhos, podendo envolver o membro superior e inferior
ipsilateral. Pode ocorrer generalização secundária e as crises são mais
freqüentes durante o sono. O envolvimento precoce dos músculos da
faringe e da laringe provoca emissão de sons guturais no inicio da
crise.
Em alguns pacientes, a consciência pode ser totalmente ou
parcialmente preservada na presença de disartria, afasia e sialorréia
acentuada. A duração do evento é de, geralmente, menos 2 minutos e a
freqüência das crises é baixa, na maior parte das crianças.
Aproximadamente em 20% dos casos a freqüência das crises é elevada, com
recorrências diárias a despeito da utilização regular de drogas
antiepilépticas.
A
“síndrome de Panayiotopoulos” (Epilepsia occipital benigna da Infância
de Início Precoce) corresponde a uma epilepsia parcial benigna
geneticamente determinada e idade-dependente. As crises tendem a ser
pouco freqüentes, sendo que muito pacientes apresentam um único episódio
durante a vida. A idade de início das crises é ao redor dos cinco anos e
a freqüência entre os sexos é semelhante.
Corresponde a segunda mais
freqüente epilepsia focal benigna da infância, após a epilepsia
rolândica. Os episódios ictais são caracterizados por alterações
comportamentais (irritabilidade e/ou agressividade), distúrbios
autonômicos (palidez, sudorese, cianose), desvio tônico dos olhos
(geralmente acompanhando o desvio do segmento cefálico), náuseas,
vômitos, comprometimento parcial da consciência e freqüente evolução
para crises tônico-clônicas generalizadas ou crises hemigeneralizadas.
Alucinações visuais e cegueira ictal podem ocorrer em algumas crianças,
mas são consideradas raras.
O
comprometimento da consciência pode ser discreto, de modo que algumas
crianças podem permanecer emitindo palavras e até frases, mas geralmente
fora do contexto apropriado. A duração das crises é muito variável,
podendo durar segundos até mais de uma hora. Por se tratar de entidade
benigna e com baixa recorrência de crises na maior parte dos casos, o
tratamento com drogas antiepilépticas deve ser discutido com a família.
A
Epilepsia Occipital Benigna da Infância de Início Tardio ou também
chamada de Síndrome de Lennox-Gastaut ou to tipo Gastaut corresponde a
uma entidade bem menos freqüente, idade-relacionada e geneticamente
determinada. As crises geralmente têm início ao redor dos oito anos e
ambos os sexos são afetados na mesma freqüência.
A característica
fundamental da epilepsia occipital da infância de início tardio são as
crises caracterizadas por alucinações visuais elementares (sintoma mais
freqüente) e/ou cegueira ictal (segundo sintoma mais freqüente). Em
muitas crianças, as alucinações visuais representam a única
manifestação, embora outros sinais e sintomas de origem occipital possam
estar presentes tais como desvio tônico conjugado dos olhos, dor
ocular, fechamento forçado dos olhos e piscamentos repetidos.
Alucinações visuais complexas são raras e geralmente caracterizadas pela
visão de faces e ambientes. Os sinais e sintomas iniciais de caráter
visual podem evoluir para crises parciais motoras ou para crises
generalizadas tônico-clônicas.
Cefaléia de forte intensidade, com características
semelhantes à enxaqueca, pode ser observada após as crises occipitais de
alucinação visual, embora os mecanismos envolvidos na gênese desta
cefaléia não sejam ainda totalmente conhecidos. O tratamento deve ser
fortemente considerado neste tipo de epilepsia uma vez que, mesmo se
tratando de uma entidade benigna, a recorrência das crises é elevada nos
pacientes não medicados. A remissão da adolescência não ocorre em todos
os casos.
A
Epilepsia Ausência da Infância é uma epilepsia generalizada idiopática,
com forte componente genético, pico de início ao redor dos seis anos de
vida, mais freqüente no sexo feminino e com tendência a apresentar
diversas recorrências durante o dia. Corresponde a uma forma de
epilepsia que ocorre em crianças neurologicamente/cognitivamente
normais, sendo as crises caracterizadas por breve duração, geralmente
entre 5 e 20 segundos, súbito e acentuado comprometimento da
consciência, ocasionalmente acompanhado por automatismos simples.
O
comprometimento e a recuperação da consciência são abruptos, de modo que
ao final da crise a criança retorna imediatamente à atividade em curso.
Em alguns casos, pode-se observar amnésia retrógrada de curta duração. A
freqüência pode variar de dezenas a centenas de crises ao dia nas
crianças não tratadas. Os eventos podem ser espontâneos ou
desencadeados, principalmente por episódios de hiperventilação. Todas as
crianças com diagnóstico de epilepsia ausência da infância necessitam
ser tratadas com drogas antiepilépticas, uma vez que as crises são
recorrentes, podem comprometer o rendimento escolar e intelectual de
forma global.
A Síndrome
de West é caracterizada clinicamente por crises epilépticas do tipo
espasmos, que se manifestam através de contrações musculares súbitas, em
flexão ou extensão, geralmente acompanhadas pelo surgimento de atraso
no desenvolvimento neuropsicomotor em graus variados. Quando a crise
tipo espasmo é associada à hipsarritmia, mesmo na ausência de atraso de
desenvolvimento neuropsicomotor, constituem a Síndrome de West.
Os
casos sintomáticos tendem a apresentar pior prognóstico quanto ao
controle das crises e maior risco de seqüelas neurológicas permanentes,
quando comparados aos casos criptogênicos ou provavelmente sintomáticos.
Representando entre 1,4 a 2,5% das epilepsias da infância, é uma
entidade relativamente freqüente e cujo diagnóstico e tratamento
precoces mantêm relação estreita com melhor controle das crises e menor
morbidade neurológica. A despeito do tratamento adequado, a morbidade
neurológica da síndrome de West é elevada e a mortalidade em torno de
5%.
A
Epilepsia Mioclono-Astática ou Síndrome de Doose corresponde a uma
síndrome epiléptica generalizada com polimorfismo de crises,
destacando-se as crises mioclono-astáticas, crises generalizadas
tônico-clônicas, ausências e crises tônicas (menos freqüentes). A
presença de crises mioclônicas e/ou mioclono-astáticas é obrigatória
para o diagnóstico. As crises mioclono-astáticas são marcadas por
mioclonias, geralmente envolvendo os membros superiores de forma
marcante, seguidas de perda súbita do tônus muscular e queda ao solo.
A
síndrome ocorre em crianças que inicialmente são
neurologicamente/cognitivamente saudáveis, com idade entre três e quatro
anos, sendo mais freqüente no sexo masculino. Quanto ao tratamento
medicamentoso, podem ser utilizadas várias drogas antiepilépticas.
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