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quarta-feira, 23 de maio de 2012

Depressão na Infância

Estão completamente erradas as pessoas que dizem: “crianças não ficam deprimidas porque não têm problemas”. E quem disse que precisa de problemas para ter depressão? Os problemas trazem tristeza, ansiedade e angústia. É claro que as vivências podem agravar nosso estado de humor, mas depressão é outra coisa. É uma doença, um transtorno do afeto, é um desarranjo cerebral funcional e tem uma base bioquímica.
Existe sim depressão na criança, porém, trata-se de um quadro atípico. Dificilmente veremos uma criança queixando de angústia, um vazio dentro de si, um medo indefinido, insegurança, autoestima baixa, perda de prazer com as coisas, perspectivas futuras sombrias... Isso é discurso depressivo típico e de adultos. Na criança a depressão é completamente diferente.
O Transtorno Depressivo Infantil é um quadro sério e capaz de comprometer o desempenho, o desenvolvimento e a maturidade psicossocial. A maior dificuldade no diagnóstico, estudo e tratamento da depressão infantil é proporcionada pela descrença na existência da doença. Essa descrença foi influenciada fortemente pelo excesso de psicologismo dos autores que atribuíam à depressão uma origem exclusivamente vivencial, juntamente com o pouco conhecimento desses mesmos autores sobre os fatores biológios das depressões.
Mas isso não foi suficiente para fazer desaparecer a depressão infantil da realidade clínica. Ela existe, de verdade, e continua fazendo vítimas na mesma proporção em que profissionais que lidam com crianças, pais e, principalmente avós, teimam em achar que criança não fica deprimida.
Outro fator que compromete o entendimento da depressão infantil é a grande diferença entre seus sintomas e os sintomas da depressão do adulto. Enquanto o adulto deprimido consegue falar sobre seus sentimentos, deixando clara a tonalidade depressiva de seu afeto e, conseqüentemente, de seus sintomas depressivos, a criança não consegue ter essa consciência e sua depressão só pode ser indiretamente suspeitada através de seu comportamento. Nissen, em 1983, relacionou os principais comportamentos que caracterizavam a depressão infantil. Eram eles:
1 - Humor instável,
2 - Autodepreciação,
3 - Agressividade ou irritação,
4 - Distúrbios do sono,
5 - Queda no desempenho escolar,
6 - Diminuição da socialização,
7 - Modificação de atitudes em relação à escola,
8 - Perda da energia habitual, do apetite e/ou do peso.
Na criança e adolescente a forma atípica desse transtorno afetivo esconde os verdadeiros sentimentos depressivos sob uma máscara de irritabilidade, agressividade, hiperatividade e rebeldia. As crianças mais novas, devido a incapacidade para comunicar verbalmente seu verdadeiro estado emocional, manifestam a depressão de forma mais atípica ainda, notadamente com hiperatividade.
Entretanto, embora a maioria das crianças com depressão manifeste sintomatologia atípica, algumas delas podem apresentar sintomas clássicos, tais como tristeza, ansiedade, expectativa pessimista, mudanças do hábito alimentar e do sono, ou ainda problemas físicos, tais como dores inespecíficas, fraqueza, tonturas, mal estar geral, enfim, queixas que não respondem ao tratamento médico habitual.
Apesar da tamanha importância da Depressão da Infância e da Adolescência, em relação à qualidade da vida emocional, em relação ao desempenho escolar, ao ajuste interpessoal, ao sucesso no trabalho e em tantas outras áreas da atividade humana, esse quadro não tem sido devidamente valorizado por familiares e pediatras e nem adequadamente diagnosticado (Veja Depressão na Adolescência).
A depressão na criança pode ser inicialmente percebida como perda de interesse pelas atividades habitualmente interessantes, como uma espécie de aborrecimento constante diante dos jogos, brincadeiras, esportes, sair com os amigos, etc., além dessa apatia, preguiça e redução significativa da atividade, às vezes pode haver tristeza, mas essa não é a regra geral.
De forma complementar aparecem sintomas muito significativos, como por exemplo,  diminuição da atenção e da concentração, perda da confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade e baixa autoestima, idéias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do sono e da alimentação e, dependendo da gravidade do quadro, até ideação suicida.
Do ponto de vista biológico, a depressão é encarada como uma possível disfunção dos neurotransmissores e neuroreceptores, com fortes evidências de fatores genéticos ou falhas em áreas cerebrais específicas. Antigamente classificava-se esse tipo de depressão como sendo endógena, ou seja, de natureza constitucional. Embora as classificações não utilizem mais esses termos, o conceito de Depressão Endógena permanece verdadeiro e esse é o tipo de depressão que afeta as crianças com mais freqüência.
Além desse tipo de depressão existe aquela de natureza psicológica, associada às vivências e aspectos psicodinâmicos da personalidade. Na perspectiva social a depressão pode representar uma desadaptação, geralmente conseqüência de alteração dos mecanismos culturais, familiares, escolares, etc. Nesse caso, as variáveis psicológicas e sociais caracterizam um tipo de depressão anteriormente chamada de Depressão Exógena, ou seja, a depressão que representa uma reação a problemas psicológicos.
IncidênciaO reconhecimento do quadro depressivo infantil como transtorno capaz de afetar pessoas dessa faixa etária foi reivindicada pelo IV Congresso da União de Psiquiatras da Infância Europeus realizado em Estocolmo em 1971 (Annell, 1972). Isso resultou na elaboração de critérios de diagnóstico para o denominando Transtorno Depressivo da Infância e Adolescência (DSM-IV, 1994).
Os dados de prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência não são unânimes entre os pesquisadores, pois os métodos de pesquisa e de avaliação são bastante variados, assim como é grande a diversidade dos locais onde os estudos são realizados e das populações observadas.
Estudos norte-americanos revelam incidência de depressão em 0,9% das crianças pré-escolares, em 1,9% nas escolares e 4,7% em adolescentes (Kashani, 1988 e Weller, 1991). Mas esses números são demasiadamente otimistas, notadamente em nosso meio. E de fato, conforme constatou Rutter em 1986, os quadros depressivos são muito mais freqüentes na adolescência do que na infância.
Em 1995, Goodyar mostra uma prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência entre o 1,8% e 8,9%. Esses números são compatíveis com pesquisas mais recentes. Jose Luis Pedreira Massa (2003) assinala que na Espanha a média de transtornos depressivos na população infantil menor de 12 anos pode situar-se em torno de 9%, sendo algo superior na adolescência.
SintomasA Depressão Infantil não se traduz, invariavelmente, por tristeza e outros sintomas típicos dos adultos, como foi dito acima. É muito importante saber que existem momentos nos quais as crianças podem estar tristes, irritadas ou aborrecidas em resposta a vivências circunstanciais. Essas manifestações emocionais nada têm a ver com depressão, pois são fisiológicas, fugazes e passageiras. Entretanto, pode-se suspeitar de algum componente depressivo quando essas manifestações de aborrecimento, birra, irritação, inquietação ou outros rompantes são constantes e freqüentes, quase caracterizando uma maneira dessa criança ser e reagir.
Nas crianças e adolescentes é comum a depressão ser acompanhada também de sintomas físicos, tais como fadiga, perda de apetite, diminuição da atividade, queixas inespecíficas, tais como cefaléias, lombalgia, dor nas pernas, náuseas, vômitos, cólicas intestinais, vista escura, tonturas, etc. A Depressão na Infância e Adolescência costuma se manifestar ainda por insônia, choro, baixa concentração, irritabilidade, rebeldia, tiques, medos lentidão psicomotora, problemas de memória, desesperança, ideações e tentativas de suicídio. A tristeza pode ou não estar presente.
Na esfera do comportamento, a Depressão na Infância e Adolescência pode causar deterioração nas relações interpessoais, familiares e sociais, perda de interesse por pessoas e isolamento. As alterações cognitivas da Depressão Infantil, principalmente relacionadas à atenção, raciocínio e memória interferem sobremaneira no rendimento escolar.
A expressão clínica da depressão na infância é bastante variável e varia também em função das diversas faixas etárias, ambientes socioculturais, estruturas familiares. Baseando-se nas tabelas para diagnóstico, revistas por José Carlos Martins, podemos compor a seguinte listagem de critérios:
SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE DEPRESSÃO INFANTIL
1- Mudanças de humor significativa
2- Diminuição da atividade e do interesse
3- Queda no rendimento escolar, perda da atenção
4- Distúrbios do sono
5- Aparecimento de condutas agressivas
6- Auto-depreciação
7- Perda de energia física e mental
8- Queixas somáticas
9- Fobia escolar
10- Perda ou aumento de peso
11- Cansaço matinal
12- Aumento da sensibilidade (irritação ou choro fácil)
13- Negativismo e Pessimismo
14- Sentimento de rejeição
15- Idéias mórbidas sobre a vida
16- Enurese e encoprese (urina ou defeca na cama)
17- Condutas anti-sociais e destrutivas
18- Ansiedade e hipocondria

Evidentemente, como em todos manuais de diagnóstico, não é obrigatório a criança completar todos os critérios da lista acima para se diagnosticar a depressão infantil. Para sugerir a necessidade de atenção especial a criança deve satisfazer um número suficiente desses itens.
Dependendo da intensidade da depressão, pode haver substancial desinteresse pelas atividades rotineiras, queda no rendimento escolar, diminuição da atenção e hipersensibilidade emocional. Surgem ainda preocupações típicas de adultos e que não fazem parte das preocupações próprias dessa faixa etária, tais como, a respeito da economia doméstica, saúde, emprego e estabilidade dos pais, medo da separação e da morte e grande ansiedade.
Hoje em dia já se pode pensar que algumas patologias bem definidas da infância, como é o caso, por exemplo, do Déficit de Atenção por Hiperatividade, ou alguns casos de Distúrbios de Conduta, Ansiedade de Separação na Infância, entre outros, não seriam também formas atípicas de depressões na infância. A favor de tal idéia está o fato desses quadros responderem muito bem ao uso de antidepressivos.
Suspeita de Diagnóstico O exame psíquico da criança nem sempre mostra os sentimentos e emoções claramente leais ao verdadeiro estado emocional interno. Um esforço de bom senso e perspicácia deve ser dedicado ao exame clínico, aumentando assim a possibilidade da criança menor ter seus sentimentos compreendidos. Em muitos casos, o único item a chamar atenção é uma maior sensibilidade emocional, choro fácil, inquietação, rebeldia e irritabilidade.
As mudanças de comportamento na criança são de extrema importância, tão mais importantes quanto mais súbitas essas mudanças tiverem aparecido. Assim, diante da depressão, crianças antes bem adaptadas socialmente passam a apresentar condutas irritáveis, destrutivas, agressivas, com a violação de regras sociais anteriormente aceitas, oposição à autoridade, preocupações e questionamentos de adultos. Essas mudanças no comportamento podem ser decorrentes do desenvolvimento da depressão.
Tendo em vista a importância das mudanças de comportamento infantil, pais e professores devem ficar atentos para acontecimentos que chamam atenção, que sejam incomuns se comparadas estatisticamente à maioria das crianças na mesma situação etária e sociocultural.
Os sintomas iniciais de possível depressão na criança em idade escolar podem incluir, por exemplo, uma redução significativa do interesse e da atenção. Em não se tratando de uma depressão biológica ou com importante componente hereditário, algumas causas ambientais podem ser capazes de comprometer o interesse e a atenção da criança, como por exemplo, os problemas domésticos, bem como as dificuldades na adaptação ao ambiente escolar que acontecem em mudanças de escola.
O baixo rendimento escolar e as dificuldades de aprendizagem também estão presentes nos quadros depressivos da infância, seja da depressão biológica, seja das reações depressivas diante dos problemas vivenciais. Declínio no rendimento escolar, particularmente acompanhado de desinteresse geral, pode ser reflexo de ambiente escolar estressante, por conta de colegas ou professores. A falta de empatia com professores, eventuais situações vexatórias diante dos colegas ou bulling podem resultar em severo desinteresse (Veja Dificuldades de aprendizagem).
O sintoma de desinteresse proporcionado pela depressão é de origem emocional, é a perda do prazer ou gosto em fazer as coisas e acaba resultando em abandono de atividades antes prazerosas. A criança com tal desinteresse torna-se mais retraída, apática e isolada. O sintoma de desânimo, por sua vez, é físico, e surge como uma perda da energia global, geralmente confundida com preguiça e responsável por muitos exames de sangue em busca de uma anemia que não se confirma.
Na depressão infantil podem existir explosões emocionais desproporcionais aos estímulos, bem como rebeldia, birra, implicância, atitudes de oposição. Entretanto, é muito importante determinar se esses sintomas estão, de fato, relacionados com um quadro depressivo ou se são parte das ebulições emocionais normais do desenvolvimento infantil.
Para se estabelecer o diagnóstico de Depressão na criança é necessário avaliar sua situação familiar, existencial, o nível de maturidade emocional e, principalmente, a autoestima. Além das entrevistas com a criança, é importante observar sua conduta segundo informações dos pais, professores e outros colegas médicos ou psicólogos, atribuindo pesos adequados a cada uma dessas informações.
Disforia e DepressãoUma variação afetiva menos grave que a depressão, mas que também pode necessitar cuidados especiais, é a chamada Disforia. A Disforia é uma oscilação do humor comum e cotidiana sem conotação de doença depressiva franca. Trata-se de respostas afetivas bastante expressivas aos eventos diários e, embora sejam emocionalmente exuberantes, tais reações são breves e não comprometem significativamente a adaptação social, escolar e familiar. Se a preferência é chamar as crianças disfóricas de crianças sensíveis ou exageradamente sentimentais pode e não se vê diferença conceitual entre a Disforia das crianças com a Distimia dos adultos.
Fonte: Ballone GJ, Depressão Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2010.

Um comentário:

  1. Fiquei muito feliz por ter achado este blog "egolegal", parabens muito bom mesmo (?)

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