Estão completamente erradas as pessoas que dizem: “crianças não ficam deprimidas porque não têm problemas”.
E quem disse que precisa de problemas para ter depressão? Os problemas
trazem tristeza, ansiedade e angústia. É claro que as vivências podem
agravar nosso estado de humor, mas depressão é outra coisa. É uma
doença, um transtorno do afeto, é um desarranjo cerebral funcional e tem
uma base bioquímica.
Existe sim depressão na criança, porém, trata-se de um quadro
atípico. Dificilmente veremos uma criança queixando de angústia, um
vazio dentro de si, um medo indefinido, insegurança, autoestima baixa,
perda de prazer com as coisas, perspectivas futuras sombrias... Isso
é discurso depressivo típico e de adultos. Na criança a depressão é
completamente diferente.
O Transtorno Depressivo Infantil é um quadro sério e capaz
de comprometer o desempenho, o desenvolvimento e a maturidade
psicossocial. A maior dificuldade no diagnóstico, estudo e tratamento da
depressão infantil é proporcionada pela descrença na existência da
doença. Essa descrença foi influenciada fortemente pelo excesso de
psicologismo dos autores que atribuíam à depressão uma origem
exclusivamente vivencial, juntamente com o pouco conhecimento desses
mesmos autores sobre os fatores biológios das depressões.
Mas isso não foi suficiente para fazer desaparecer a depressão
infantil da realidade clínica. Ela existe, de verdade, e continua
fazendo vítimas na mesma proporção em que profissionais que lidam com
crianças, pais e, principalmente avós, teimam em achar que criança não fica deprimida.
Outro fator que compromete o entendimento da depressão infantil é a
grande diferença entre seus sintomas e os sintomas da depressão do
adulto. Enquanto o adulto deprimido consegue falar sobre seus
sentimentos, deixando clara a tonalidade depressiva de seu afeto e,
conseqüentemente, de seus sintomas depressivos, a criança não consegue
ter essa consciência e sua depressão só pode ser indiretamente
suspeitada através de seu comportamento. Nissen, em 1983, relacionou os principais comportamentos que caracterizavam a depressão infantil. Eram eles:
1 - Humor instável,
2 - Autodepreciação,
3 - Agressividade ou irritação,
4 - Distúrbios do sono,
5 - Queda no desempenho escolar,
6 - Diminuição da socialização,
7 - Modificação de atitudes em relação à escola,
8 - Perda da energia habitual, do apetite e/ou do peso.
Na criança e adolescente a forma atípica desse transtorno afetivo
esconde os verdadeiros sentimentos depressivos sob uma máscara de
irritabilidade, agressividade, hiperatividade e rebeldia. As crianças
mais novas, devido a incapacidade para comunicar verbalmente seu
verdadeiro estado emocional, manifestam a depressão de forma mais
atípica ainda, notadamente com hiperatividade.
Entretanto, embora a maioria das crianças com depressão manifeste
sintomatologia atípica, algumas delas podem apresentar sintomas
clássicos, tais como tristeza, ansiedade, expectativa pessimista,
mudanças do hábito alimentar e do sono, ou ainda problemas físicos, tais
como dores inespecíficas, fraqueza, tonturas, mal estar geral, enfim,
queixas que não respondem ao tratamento médico habitual.
Apesar da tamanha importância da Depressão da Infância e da Adolescência,
em relação à qualidade da vida emocional, em relação ao desempenho
escolar, ao ajuste interpessoal, ao sucesso no trabalho e em tantas
outras áreas da atividade humana, esse quadro não tem sido devidamente
valorizado por familiares e pediatras e nem adequadamente diagnosticado
(Veja Depressão na Adolescência).
A depressão na criança pode ser inicialmente percebida como perda de
interesse pelas atividades habitualmente interessantes, como uma espécie
de aborrecimento constante diante dos jogos, brincadeiras, esportes,
sair com os amigos, etc., além dessa apatia, preguiça e redução
significativa da atividade, às vezes pode haver tristeza, mas essa não é
a regra geral.
De forma complementar aparecem sintomas muito significativos, como
por exemplo, diminuição da atenção e da concentração, perda da
confiança em si mesmo, sentimentos de inferioridade e baixa autoestima,
idéias de culpa e inutilidade, tendência ao pessimismo, transtornos do
sono e da alimentação e, dependendo da gravidade do quadro, até ideação
suicida.
Do ponto de vista biológico, a depressão é encarada como uma
possível disfunção dos neurotransmissores e neuroreceptores, com fortes
evidências de fatores genéticos ou falhas em áreas cerebrais
específicas. Antigamente classificava-se esse tipo de depressão como
sendo endógena, ou seja, de natureza constitucional. Embora as classificações não utilizem mais esses termos, o conceito de Depressão Endógena permanece verdadeiro e esse é o tipo de depressão que afeta as crianças com mais freqüência.
Além desse tipo de depressão existe aquela de natureza psicológica,
associada às vivências e aspectos psicodinâmicos da personalidade. Na
perspectiva social a depressão pode representar uma desadaptação,
geralmente conseqüência de alteração dos mecanismos culturais,
familiares, escolares, etc. Nesse caso, as variáveis psicológicas e
sociais caracterizam um tipo de depressão anteriormente chamada de Depressão Exógena, ou seja, a depressão que representa uma reação a problemas psicológicos.
IncidênciaO reconhecimento do quadro depressivo infantil como transtorno capaz de afetar pessoas dessa faixa etária foi reivindicada pelo IV Congresso da União de Psiquiatras da Infância Europeus realizado em Estocolmo em 1971 (Annell, 1972). Isso resultou na elaboração de critérios de diagnóstico para o denominando Transtorno Depressivo da Infância e Adolescência (DSM-IV, 1994).
Os dados de prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência
não são unânimes entre os pesquisadores, pois os métodos de pesquisa e
de avaliação são bastante variados, assim como é grande a diversidade
dos locais onde os estudos são realizados e das populações observadas.
Estudos norte-americanos revelam incidência de depressão em 0,9% das
crianças pré-escolares, em 1,9% nas escolares e 4,7% em adolescentes (Kashani, 1988 e Weller, 1991). Mas esses números são demasiadamente otimistas, notadamente em nosso meio. E de fato, conforme constatou Rutter em 1986, os quadros depressivos são muito mais freqüentes na adolescência do que na infância.
Em 1995, Goodyar mostra uma prevalência do Transtorno Depressivo na Infância e Adolescência entre o 1,8% e 8,9%. Esses números são compatíveis com pesquisas mais recentes. Jose Luis Pedreira Massa
(2003) assinala que na Espanha a média de transtornos depressivos na
população infantil menor de 12 anos pode situar-se em torno de 9%, sendo
algo superior na adolescência.
SintomasA Depressão Infantil
não se traduz, invariavelmente, por tristeza e outros sintomas típicos
dos adultos, como foi dito acima. É muito importante saber que existem
momentos nos quais as crianças podem estar tristes, irritadas ou
aborrecidas em resposta a vivências circunstanciais. Essas manifestações
emocionais nada têm a ver com depressão, pois são fisiológicas, fugazes
e passageiras. Entretanto, pode-se suspeitar de algum componente
depressivo quando essas manifestações de aborrecimento, birra,
irritação, inquietação ou outros rompantes são constantes e freqüentes,
quase caracterizando uma maneira dessa criança ser e reagir.
Nas crianças e adolescentes é comum a depressão ser acompanhada
também de sintomas físicos, tais como fadiga, perda de apetite,
diminuição da atividade, queixas inespecíficas, tais como cefaléias,
lombalgia, dor nas pernas, náuseas, vômitos, cólicas intestinais, vista
escura, tonturas, etc. A Depressão na Infância e Adolescência
costuma se manifestar ainda por insônia, choro, baixa
concentração, irritabilidade, rebeldia, tiques, medos lentidão
psicomotora, problemas de memória, desesperança, ideações e tentativas
de suicídio. A tristeza pode ou não estar presente.
Na esfera do comportamento, a Depressão na Infância e Adolescência
pode causar deterioração nas relações interpessoais, familiares e
sociais, perda de interesse por pessoas e isolamento. As alterações
cognitivas da Depressão Infantil, principalmente relacionadas à atenção, raciocínio e memória interferem sobremaneira no rendimento escolar.
A expressão clínica da depressão na infância é bastante variável e
varia também em função das diversas faixas etárias, ambientes
socioculturais, estruturas familiares. Baseando-se nas tabelas para
diagnóstico, revistas por José Carlos Martins, podemos compor a seguinte listagem de critérios:
SINAIS E SINTOMAS SUGESTIVOS DE DEPRESSÃO INFANTIL
|
1- Mudanças de humor significativa
2- Diminuição da atividade e do interesse
3- Queda no rendimento escolar, perda da atenção
4- Distúrbios do sono
5- Aparecimento de condutas agressivas
6- Auto-depreciação
7- Perda de energia física e mental
8- Queixas somáticas
9- Fobia escolar
10- Perda ou aumento de peso
11- Cansaço matinal
12- Aumento da sensibilidade (irritação ou choro fácil)
13- Negativismo e Pessimismo
14- Sentimento de rejeição
15- Idéias mórbidas sobre a vida
16- Enurese e encoprese (urina ou defeca na cama)
17- Condutas anti-sociais e destrutivas
18- Ansiedade e hipocondria
|
Evidentemente, como em todos manuais de diagnóstico, não é obrigatório a criança completar todos os critérios da lista acima para se diagnosticar a depressão infantil. Para sugerir a necessidade de atenção especial a criança deve satisfazer um número suficiente desses itens.
Dependendo da intensidade da depressão, pode haver
substancial desinteresse pelas atividades rotineiras, queda no
rendimento escolar, diminuição da atenção e hipersensibilidade
emocional. Surgem ainda preocupações típicas de adultos e que não fazem
parte das preocupações próprias dessa faixa etária, tais como, a
respeito da economia doméstica, saúde, emprego e estabilidade dos pais,
medo da separação e da morte e grande ansiedade.
Hoje em dia já se pode pensar que algumas patologias bem definidas da infância, como é o caso, por exemplo, do Déficit de Atenção por Hiperatividade, ou alguns casos de Distúrbios de Conduta, Ansiedade de Separação na Infância,
entre outros, não seriam também formas atípicas de depressões na
infância. A favor de tal idéia está o fato desses quadros responderem
muito bem ao uso de antidepressivos.
Suspeita de Diagnóstico O
exame psíquico da criança nem sempre mostra os sentimentos e emoções
claramente leais ao verdadeiro estado emocional interno. Um esforço de
bom senso e perspicácia deve ser dedicado ao exame clínico, aumentando
assim a possibilidade da criança menor ter seus sentimentos
compreendidos. Em muitos casos, o único item a chamar atenção é uma
maior sensibilidade emocional, choro fácil, inquietação, rebeldia e
irritabilidade.
As mudanças de comportamento na criança são de extrema
importância, tão mais importantes quanto mais súbitas essas mudanças
tiverem aparecido. Assim, diante da depressão, crianças antes bem
adaptadas socialmente passam a apresentar condutas irritáveis,
destrutivas, agressivas, com a violação de regras sociais anteriormente
aceitas, oposição à autoridade, preocupações e questionamentos de
adultos. Essas mudanças no comportamento podem ser decorrentes do
desenvolvimento da depressão.
Tendo em vista a importância das mudanças de
comportamento infantil, pais e professores devem ficar atentos para
acontecimentos que chamam atenção, que sejam incomuns se comparadas
estatisticamente à maioria das crianças na mesma situação etária e
sociocultural.
Os sintomas iniciais de possível depressão na criança em
idade escolar podem incluir, por exemplo, uma redução significativa do
interesse e da atenção. Em não se tratando de uma depressão biológica ou
com importante componente hereditário, algumas causas ambientais podem
ser capazes de comprometer o interesse e a atenção da criança, como por
exemplo, os problemas domésticos, bem como as dificuldades na adaptação
ao ambiente escolar que acontecem em mudanças de escola.
O baixo rendimento escolar e as dificuldades de
aprendizagem também estão presentes nos quadros depressivos da infância,
seja da depressão biológica, seja das reações depressivas diante dos
problemas vivenciais. Declínio no rendimento escolar, particularmente
acompanhado de desinteresse geral, pode ser reflexo de ambiente escolar
estressante, por conta de colegas ou professores. A falta de empatia com
professores, eventuais situações vexatórias diante dos colegas ou
bulling podem resultar em severo desinteresse (Veja Dificuldades de aprendizagem).
O sintoma de desinteresse
proporcionado pela depressão é de origem emocional, é a perda do prazer
ou gosto em fazer as coisas e acaba resultando em abandono de atividades
antes prazerosas. A criança com tal desinteresse torna-se mais
retraída, apática e isolada. O sintoma de desânimo,
por sua vez, é físico, e surge como uma perda da energia global,
geralmente confundida com preguiça e responsável por muitos exames de
sangue em busca de uma anemia que não se confirma.
Na depressão infantil podem existir explosões emocionais desproporcionais aos estímulos, bem como rebeldia, birra, implicância, atitudes de oposição.
Entretanto, é muito importante determinar se esses sintomas estão, de
fato, relacionados com um quadro depressivo ou se são parte das
ebulições emocionais normais do desenvolvimento infantil.
Para se estabelecer o diagnóstico de Depressão
na criança é necessário avaliar sua situação familiar, existencial, o
nível de maturidade emocional e, principalmente, a autoestima. Além das
entrevistas com a criança, é importante observar sua conduta segundo
informações dos pais, professores e outros colegas médicos ou
psicólogos, atribuindo pesos adequados a cada uma dessas informações.
Disforia e DepressãoUma variação afetiva menos grave que a depressão, mas que também pode necessitar cuidados especiais, é a chamada Disforia. A Disforia
é uma oscilação do humor comum e cotidiana sem conotação de doença
depressiva franca. Trata-se de respostas afetivas bastante expressivas
aos eventos diários e, embora sejam emocionalmente exuberantes, tais
reações são breves e não comprometem significativamente a adaptação
social, escolar e familiar. Se a preferência é chamar as crianças
disfóricas de crianças sensíveis ou exageradamente sentimentais pode e
não se vê diferença conceitual entre a Disforia das crianças com a Distimia dos adultos.
Fonte: Ballone GJ, Depressão Infantil, in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, 2010.
Fiquei muito feliz por ter achado este blog "egolegal", parabens muito bom mesmo (?)
ResponderExcluir