O Transtorno de Personalidade Esquizóide (TPE) é definido como um transtorno de personalidade
primariamente caracterizado por falta de interesse em relações sociais,
tendência ao isolamento e à introspecção, e frieza emocional, e
simultaneamente por uma rica e elaborada actividade imaginária interior. Embora os termos sejam parecidos, o transtorno de personalidade esquizóide não é o mesmo que esquizofrenia (ainda que haja uma prevalência maior de pessoas com este transtorno em famílias com esquizofrenia e ambos compartilhem características como distanciamento ou embotamento afetivo).
O termo "esquizóide" foi criado em 1908 por Eugen Bleuler
para designar uma tendência para dirigir a atenção para a vida interior
em vez de para o mundo exterior, um conceito próximo da "introversão"
de Carl Jung. Bleuler também designou o exagero mórbido mas
não-psicótico dessa tendência como a "personalidade esquizóide".
Desde então, os estudos sobre a personalidade esquizóide têm seguido
dois caminhos distintos: por um lado, a tradição da psiquiatria
descritiva, que se foca no comportamento observável e nos sintomas
descritíveis, que é exposta nas descrições apresentadas no DSM e na CID;
por outro lado, a tradição da psiquiatria dinâmica, que inclui o estudo
das causas ocultas e/ou inconscientes da personalidade.
A tradição descritiva começa com a descrição que Ernst Kretschmer (1925)
faz do comportamento esquizóide, que ele catalogou em três tipos de
características: (1) insociabilidade, tranquilidade, reserva, seriedade e
excentricidade; (2) timidez, segredo sentimental, sensibilidade,
nervosismo, excitabilidade e gosto pela natureza e pelos livros; e (3)
docilidade, amabilidade, honestidade, indiferença, silêncio e atitudes
emocionais frias. Nessas características podemos ver as raízes da
divisão (no DSM-IV) do carácter esquizóide em três diferentes
transtornos de personalidade, embora o próprio Kretschmer não concebesse
a separação desses comportamentos até ao ponto do isolamento radical
entre eles, considerando, em vez disso, que eles se encontram
simultaneamente presentes nos indivíduos esquizóides. Para Kretschmer a
maioria dos esquizóides não são ou hipersensíveis ou frios, mas
hipersensíveis e frios "ao mesmo tempo" em diferentes proporções
relativas, com uma tendência para se moverem entre estas dimensões de um
comportamento para o outro.
O segundo caminho, da psiquiatria dinâmica, começou com a observação por Eugen Bleuler (1924)
de que a pessoa esquizóide e a patologia esquizóide não são entidades
que possam ser separadas. Em 1940, W.R.D.Fairbairn apresentou o seu
trabalho sobre a personalidade esquizóide,
onde a maior parte do que é hoje conhecido sobre o fenómeno esquizóide
pode ser encontrado. Aí Fairbairn referiu quatro temas esquizóides
centrais: primeiro, a necessidade de regular a distancia interpessoal
como um foco central de preocupação; segundo, a habilidade para
mobilizar as defesas de auto-preservação e autoconfiança; terceira, uma
difusa tensão entre a necessidade carregada de ansiedade de ligação e a
necessidade defensiva de distancia, que se manifesta exteriormente como
indiferença; e, em quarto, uma super-valorização do mundo interior face
ao mundo exterior.
Critérios de diagnóstico
O diagnóstico é baseado nas experiências reportadas pelo paciente,
como também marcadores do transtorno observados por um profissional da
saúde mental. A lista de critérios, que precisam ser alcançados para o
diagnóstico, está descrita no DSM-IV.
- Critérios do DSM-IV
A última versão do (Diagnostic and Statistical Manual of Mental)
Disorders (DSM) - o guia americano amplamente usado por médicos à
procura de um diagnóstico de doenças mentais – define o TPE
como: "um padrão invasivo de distanciamento das relações sociais e um
alcance restrito de expressão de emoções, que começa no início da idade
adulta e está presente em uma variedade de contextos".
Os critérios são (pelo menos quatro):
- Não deseja e nem aprecia relações íntimas, incluindo ser parte de uma família.
- Quase sempre escolhe atividades solitárias.
- Tem pouca, se alguma, vontade de ter relações sexuais com outra pessoa.
- Tem prazer em poucas atividades, se alguma.
- Falta de amigos íntimos ou confidentes que não sejam parentes de primeiro grau.
- É indiferente às críticas ou elogios.
- Mostra frieza emocional, distância ou afetividade limitada.
Para o DSM-V, está proposto que o T.P. Esquizoide deixe de ser
considerado como um tipo especifico, mas sim como uma combinação de
traços de personalidade patológicos (retraimento social, isolamento
social, fuga à intimidade, afetividade restrita, anedonia)
- Critérios do CID-10
O CID-10 da Organização Mundial de Saúde define o TPE de forma muito semelhante ao DSM-IV. Segundo o CID-10, são necessários pelo menos 4 destes sintomas:
- Tem prazer em poucas atividades, se alguma.
- Mostra frieza emocional, distância ou afetividade limitada.
- Capacidade limitada para expressar tanto sentimentos de calor e ternura como de ira para com outras pessoas
- Aparente indiferença às críticas ou elogios.
- Pouca vontade de ter relações sexuais com outra pessoa (atendendo à idade)
- Quase sempre escolhe atividades solitárias.
- Preocupação excessiva com fantasia e introspecção.
- Falta de amigos íntimos ou confidentes (ou apenas um) e de desejo de os ter
- Marcada insensibilidade às normas e convenções sociais estabelecidas
Exclui: Síndrome de Asperger, Transtorno Delirante, Transtorno Esquizóide da Infância, Esquizofrenia e Transtorno de personalidade esquizotípica
Perfil fenomenológico de Akhtar
Num artigo publicado no American Journal of Psychotherapy, Salman Akhtar, M.D.,
fornece uma descrição alargada do Transtorno de Personalidade
Esquizoide, sintetizando as descrições clássicas e contemporâneas com
obervações psicanaliticas.
Este perfil é sumarizado na tabela reproduzida abaixo, listando
manifestações clínicas em seis áreas de comportamento psicosocial e
designadas como "abertas" e "encobertas".
Note-se que tal não pretende significar que haja dois tipos de
esquizoides ("abertos" e "encobertos"), mas que cada indivíduo
esquizoide tende a ter uma faceta "aberta" que mostra ao mundo e uma
faceta "encoberta" que raramente revela.
Área | Características | |
---|---|---|
Aberto | Encoberto | |
Auto-conceito |
|
|
Relações interpessoais |
|
|
Adaptação social |
|
|
Amor e sexualidade |
|
|
ética, padrões e ideais |
|
|
Estilo cognitivo |
|
|
Relacionamentos com outros
As pessoas que tem TP Esquizóide são mais felizes quando estão num
relacionamento em que o parceiro coloca poucas exigências emocionais ou
íntimas nelas, já que não são as pessoas por si só que elas querem evitar, mas ambas as emoções negativas e positivas, intimidade emocional, e auto-revelação.
Isso significa que é possível para indivíduos esquizóides
formar relacionamentos com outros baseados em atividades intelectuais,
físicas, familiares, ocupacionais e recreacionais, se esses modos de
relacionamento não exigirem ou forçarem a necessidade de intimidade
emocional, o que o indivíduo irá rejeitar.
Donald Winnicott resume a necessidade do esquizóide de modular interações emocionais com outros com seu comentário de que estes indivíduos "preferem formar relacionamentos nos seus próprios termos e não nos termos dos impulsos de outras pessoas", e se não puderem fazê-lo, preferem o isolamento.
Pessoas com TP Esquizóide são vistas como distantes, frias e
indiferentes, o que causa alguns problemas sociais. A maioria dos
indivíduos diagnosticados com TP Esquizóide tem dificuldade em
estabelecer relacionamentos sociais ou expressar seus sentimentos em uma
maneira significativa, e podem permanecer passivos em face de situações
desfavoráveis. A maneira destes se comunicarem com outras pessoas às
vezes pode ser indiferente e concisa. Por causa da carência de
comunicação com outras pessoas, aquelas que são diagnosticadas com TP
Esquizóide não são capazes de ter uma reflexão de si mesmas e o quanto
eles conseguem se dar bem com os outros. A reflexão é importante para
estes se tornarem mais conscientes de si mesmos e suas próprias ações em
ambientes sociais. R. D. Laing sugere que sem ser preenchido com
injeções interpessoais de realidade, ocorre um empobrecimento na própria
imagem pessoal que se tem, tornando-se mais e mais vazia e volátil,
fazendo o próprio indivíduo se sentir irreal.
Sexualidade Esquizóide
As pessoas com TP Esquizóide são às vezes sexualmente apáticas, embora não sofram normalmente de anorgasmia.
Muitos esquizóides tem uma vontade sexual normal mas alguns preferem a
masturbação ao invés de lidar com os aspectos sociais de buscar um
parceiro sexual. Por isso, as necessidades sexuais destes podem parecer
menores que aqueles que não tem TP Esquizóide, já que preferem
permanecer sozinhos e dissociados. Quando praticam sexo, indivíduos com
TP Esquizóide frequentemente sentem que seu espaço pessoal está sendo
violado, e normalmente acreditam que a masturbação ou abstinência sexual é preferível à proximidade emocional que eles precisam tolerar quando fazem sexo.[8][11]
Expandindo significativamente esse retrato, há notáveis exceções de
indivíduos com TP Esquizóide que se engajam em ocasionais ou mesmo
frequentes atividades sexuais com outros.
Harry Guntrip
descreve o "affair sexual secreto" introduzido por alguns indivíduos
esquizóides casados como uma tentativa de reduzir a quantidade de
intimidade emocional focada num único relacionamento, um sentimento
ecoado pela personalidade resignada descrita pela psicoanalista alemã Karen Horney que pode excluir o sexo como sendo "muito
íntimo para um relacionamento permanente, e no lugar satisfazer suas
necessidades sexuais com um estranho. Contrariamente, ele pode mais ou
menos restringir um relacionamento meramente a contactos sexuais e não
compartilhar outras experiências com o parceiro."
Mais recentemente, Jeffrey Seinfeld, professor de serviços sociais na
New York University, publicou um volume sobre o TP Esquizóide em que detalha exemplos de "fome esquizóide" que pode se manifestar
como promiscuidade sexual,dando o exemplo de uma mulher esquizóide que
ia sorrateiramente a vários bares se encontrar com outros homens pelo
propósito de gratificação sexual, mas impessoal, um ato que, segundo
Seinfeld, aliviava seus sentimentos de desejo e vazio.
Diagnóstico diferencial
O TP Esquizoide tem semelhanças com outras condições psicológicas, mas com importantes características distintivas:
- Depressão: Embora as pessoas com TP Esquizóide podem também sofrer de depressão, isto não é certamente sempre o caso. Ao contrário das pessoas deprimidas, o esquizoides geralmente não se consideram inferiores ao outros, embora provavelmente reconhecerão que são diferentes.
- Transtorno de personalidade esquiva: ao contrário destes, os esquizoides não evitam a interação social devido à ansiedade ou sentimentos de incompetência, mas porque são genuinamente indiferentes ao relacionamento social; no entanto, segundo um estudo ] "detectou-se que as personalidades esquizóide e esquiva demonstram níveis equivalentes de ansiedade, depressão e tendências psicóticas em comparação à outros pacientes controlados por psiquiatras. "Um paciente com TP esquizóide observou que o conhecimento prévio, as expectativas e suposições poderiam resultar nesses níveis elevados. Os pacientes podem mentalmente simular cenários ameaçadores para diluir os efeitos negativos, se um vier a ocorrer.".
- Transtorno de personalidade esquizotípica: O Transtorno Esquizóide distingue-se do Esquizotípico pela ausência de distorções cognitivas ou perceptivas, como ilusões ou delírios.
- Autismo de alta funcionalidade e Síndrome de Asperger: ao contrário destas Perturbações do Espectro do Autismo, o Transtorno Esquizóide não envolve déficit na comunicação não-verbal ou um padrão de interesses restritos e comportamentos repetitivos (como a adesão rígida a rotinas ou um interesse obsessivo por um tópico restrito). Comparado com a SA, o Transtorno Esquizóide é caracterizado por maior tendência a transtornos de conduta, melhor ajustamento na idade adulta, e um ligeiramente maior risco de esquizofrenia.
Problemas associados
Mediante stress, algumas pessoas com personalidade esquizóide podem
ocasionalmente experimentar breves instantes de reação psicótica
Indivíduos esquizóides também são propensos a desenvolver dependência
patológica de atividades fantasiosas concomitante ao seu afastamento do
mundo. Vista por essa ótica, a fantasia constitui um componente chave
do exílio pessoal
embora num exame mais próximo, fantasiar nos indivíduos esquizóides é
bem mais complicado que um meio de facilitar a reclusão. A fantasia é
também um relacionamento com o mundo e com outros por meio de uma
"procuração". É um relacionamento substituto, mas um relacionamento de
qualquer forma, caracterizado por mecanismos idealizados, defensivos e
compensatórios, livre das ameaças e ansiedades associadas com a conexão
emocional às pessoas e situações reais.
De acordo com Klein, "é uma expressão de si mesmo num esforço de
se conectar aos objetos, embora objetos internos. A fantasia permite aos
pacientes esquizóides se sentir conectados, e ao mesmo tempo livres do
aprisionamento dos relacionamentos. Em suma, em fantasia, alguém pode
ser apegado (aos objetos internos) e ainda assim ser livre."
Prevalência
As estimativas da prevalência do Transtorno Esquizoide são variadas, com valores entre os 0,5% e os 7% da população.
O T.P.Esquizóide é raro em contextos clínicos, embora tal possa ser
devido aos indivíduos afectados raramente procurarem auxilio
psiquiátrico - Philip Manfield, no livro Split Self, Split Object (1992), comenta sobre a baixa prevalência de portadores desta desordem: "Eu
acredito que a condição esquizóide é bem mais comum, compreendendo
provavelmente em torno de 40% de todas as desordens de personalidade.
Esta grande discrepância se deve muito provavelmente ao fato de que
indivíduos com a desordem esquizóide são menos propensos a buscar
tratamento que os demais com outras desordens do Eixo II."
Manfield suporta este entendimento com um estudo de Valliant & Drake (1985) que descobriu que aproximadamente 40% de um grupo particular avaliado de homens da área central de uma cidade eram esquizóides.
FONTE:http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_esquizoide
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