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quinta-feira, 5 de julho de 2012

Transtorno de Personalidade Esquizóide

O Transtorno de Personalidade Esquizóide (TPE) é definido como um transtorno de personalidade primariamente caracterizado por falta de interesse em relações sociais, tendência ao isolamento e à introspecção, e frieza emocional, e simultaneamente por uma rica e elaborada actividade imaginária interior. Embora os termos sejam parecidos, o transtorno de personalidade esquizóide não é o mesmo que esquizofrenia (ainda que haja uma prevalência maior de pessoas com este transtorno em famílias com esquizofrenia e ambos compartilhem características como distanciamento ou embotamento afetivo).
O termo "esquizóide" foi criado em 1908 por Eugen Bleuler para designar uma tendência para dirigir a atenção para a vida interior em vez de para o mundo exterior, um conceito próximo da "introversão" de Carl Jung. Bleuler também designou o exagero mórbido mas não-psicótico dessa tendência como a "personalidade esquizóide".
Desde então, os estudos sobre a personalidade esquizóide têm seguido dois caminhos distintos: por um lado, a tradição da psiquiatria descritiva, que se foca no comportamento observável e nos sintomas descritíveis, que é exposta nas descrições apresentadas no DSM e na CID; por outro lado, a tradição da psiquiatria dinâmica, que inclui o estudo das causas ocultas e/ou inconscientes da personalidade.
A tradição descritiva começa com a descrição que Ernst Kretschmer (1925) faz do comportamento esquizóide, que ele catalogou em três tipos de características: (1) insociabilidade, tranquilidade, reserva, seriedade e excentricidade; (2) timidez, segredo sentimental, sensibilidade, nervosismo, excitabilidade e gosto pela natureza e pelos livros; e (3) docilidade, amabilidade, honestidade, indiferença, silêncio e atitudes emocionais frias. Nessas características podemos ver as raízes da divisão (no DSM-IV) do carácter esquizóide em três diferentes transtornos de personalidade, embora o próprio Kretschmer não concebesse a separação desses comportamentos até ao ponto do isolamento radical entre eles, considerando, em vez disso, que eles se encontram simultaneamente presentes nos indivíduos esquizóides. Para Kretschmer a maioria dos esquizóides não são ou hipersensíveis ou frios, mas hipersensíveis e frios "ao mesmo tempo" em diferentes proporções relativas, com uma tendência para se moverem entre estas dimensões de um comportamento para o outro.
O segundo caminho, da psiquiatria dinâmica, começou com a observação por Eugen Bleuler (1924) de que a pessoa esquizóide e a patologia esquizóide não são entidades que possam ser separadas. Em 1940, W.R.D.Fairbairn apresentou o seu trabalho sobre a personalidade esquizóide, onde a maior parte do que é hoje conhecido sobre o fenómeno esquizóide pode ser encontrado. Aí Fairbairn referiu quatro temas esquizóides centrais: primeiro, a necessidade de regular a distancia interpessoal como um foco central de preocupação; segundo, a habilidade para mobilizar as defesas de auto-preservação e autoconfiança; terceira, uma difusa tensão entre a necessidade carregada de ansiedade de ligação e a necessidade defensiva de distancia, que se manifesta exteriormente como indiferença; e, em quarto, uma super-valorização do mundo interior face ao mundo exterior. 

Critérios de diagnóstico

O diagnóstico é baseado nas experiências reportadas pelo paciente, como também marcadores do transtorno observados por um profissional da saúde mental. A lista de critérios, que precisam ser alcançados para o diagnóstico, está descrita no DSM-IV.
Critérios do DSM-IV
A última versão do (Diagnostic and Statistical Manual of Mental) Disorders (DSM) - o guia americano amplamente usado por médicos à procura de um diagnóstico de doenças mentais – define o TPE como: "um padrão invasivo de distanciamento das relações sociais e um alcance restrito de expressão de emoções, que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos".
Os critérios são (pelo menos quatro):
  1. Não deseja e nem aprecia relações íntimas, incluindo ser parte de uma família.
  2. Quase sempre escolhe atividades solitárias.
  3. Tem pouca, se alguma, vontade de ter relações sexuais com outra pessoa.
  4. Tem prazer em poucas atividades, se alguma.
  5. Falta de amigos íntimos ou confidentes que não sejam parentes de primeiro grau.
  6. É indiferente às críticas ou elogios.
  7. Mostra frieza emocional, distância ou afetividade limitada.
Para o DSM-V, está proposto que o T.P. Esquizoide deixe de ser considerado como um tipo especifico, mas sim como uma combinação de traços de personalidade patológicos (retraimento social, isolamento social, fuga à intimidade, afetividade restrita, anedonia)
Critérios do CID-10
O CID-10 da Organização Mundial de Saúde define o TPE de forma muito semelhante ao DSM-IV. Segundo o CID-10, são necessários pelo menos 4 destes sintomas:
  1. Tem prazer em poucas atividades, se alguma.
  2. Mostra frieza emocional, distância ou afetividade limitada.
  3. Capacidade limitada para expressar tanto sentimentos de calor e ternura como de ira para com outras pessoas
  4. Aparente indiferença às críticas ou elogios.
  5. Pouca vontade de ter relações sexuais com outra pessoa (atendendo à idade)
  6. Quase sempre escolhe atividades solitárias.
  7. Preocupação excessiva com fantasia e introspecção.
  8. Falta de amigos íntimos ou confidentes (ou apenas um) e de desejo de os ter
  9. Marcada insensibilidade às normas e convenções sociais estabelecidas

Perfil fenomenológico de Akhtar

Num artigo publicado no American Journal of Psychotherapy, Salman Akhtar, M.D., fornece uma descrição alargada do Transtorno de Personalidade Esquizoide, sintetizando as descrições clássicas e contemporâneas com obervações psicanaliticas.
Este perfil é sumarizado na tabela reproduzida abaixo, listando manifestações clínicas em seis áreas de comportamento psicosocial e designadas como "abertas" e "encobertas".
Note-se que tal não pretende significar que haja dois tipos de esquizoides ("abertos" e "encobertos"), mas que cada indivíduo esquizoide tende a ter uma faceta "aberta" que mostra ao mundo e uma faceta "encoberta" que raramente revela.
Características Clínicas do Transtorno de Personalidade Esquizoide
Área Características
Aberto Encoberto
Auto-conceito
  • complacente
  • estóico
  • não competitivo
  • autosuficiente
  • pouco assertivo
  • sentindo-se inferior e um "estranho" na vida
  • cínico
  • inautêntico
  • despersonalizado
  • alternativamente sentindo-se vazio ("como um robô") ou cheio de fantasias onipotentes e vingativas
  • grandiosidade oculta
Relações interpessoais
  • afastado
  • indiferente
  • poucos amigos chegados
  • impermeável às emoções dos outros
  • medo de intimidade
  • extremamente sensível
  • profundamente curioso
  • sedento de amor
  • invejoso da espontaneidade alheia
  • necessitando intensamente de envolvimento com os outros
  • capaz de excitação com amigos íntimos cuidadosamente escolhidos
Adaptação social
  • prefere actividades recreativas e ocupacionais solitárias
  • marginal ou ecleticamente sociável em grupos
  • vulnerável a movimentos esotéricos devido a uma forte necessidade de pertença
  • tendência à preguiça e indolência
  • falta de clareza nos objectivos
  • fraca afiliação étnica
  • usualmente capaz de regularidade no trabalho
  • por vezes bastante criativo, podendo fazer contribuições únicas e originais
  • capaz de persistência apaixonada em certas esferas de interesse
Amor e sexualidade
  • assexual, por vezes celibatário
  • sem interesse românticos
  • aversão a boatos e insinuações sexuais
ética, padrões e ideais
  • convicções morais e políticas idiossincráticas
  • tendência para interesses espirituais, místicos e para-psicológicos
  • instabilidade moral
  • ocasionalmente contundentemente amoral e vulnerável a crimes bizarros, outras vezes auto-sacrificando-se altruisticamente
Estilo cognitivo
  • distraído
  • absorto em fantasia
  • discurso vago e empolado
  • alternando entre a eloquência e o discurso pouco articulado
  • pensamento focado em si próprio
  • flutuações entre agudo contacto com a realidade exterior e a hiper-reflexão acerca de si
  • uso autocentrico da linguagem

Relacionamentos com outros

As pessoas que tem TP Esquizóide são mais felizes quando estão num relacionamento em que o parceiro coloca poucas exigências emocionais ou íntimas nelas, já que não são as pessoas por si só que elas querem evitar, mas ambas as emoções negativas e positivas, intimidade emocional, e auto-revelação.
Isso significa que é possível para indivíduos esquizóides formar relacionamentos com outros baseados em atividades intelectuais, físicas, familiares, ocupacionais e recreacionais, se esses modos de relacionamento não exigirem ou forçarem a necessidade de intimidade emocional, o que o indivíduo irá rejeitar.
Donald Winnicott resume a necessidade do esquizóide de modular interações emocionais com outros com seu comentário de que estes indivíduos "preferem formar relacionamentos nos seus próprios termos e não nos termos dos impulsos de outras pessoas", e se não puderem fazê-lo, preferem o isolamento.
Pessoas com TP Esquizóide são vistas como distantes, frias e indiferentes, o que causa alguns problemas sociais. A maioria dos indivíduos diagnosticados com TP Esquizóide tem dificuldade em estabelecer relacionamentos sociais ou expressar seus sentimentos em uma maneira significativa, e podem permanecer passivos em face de situações desfavoráveis. A maneira destes se comunicarem com outras pessoas às vezes pode ser indiferente e concisa. Por causa da carência de comunicação com outras pessoas, aquelas que são diagnosticadas com TP Esquizóide não são capazes de ter uma reflexão de si mesmas e o quanto eles conseguem se dar bem com os outros. A reflexão é importante para estes se tornarem mais conscientes de si mesmos e suas próprias ações em ambientes sociais. R. D. Laing sugere que sem ser preenchido com injeções interpessoais de realidade, ocorre um empobrecimento na própria imagem pessoal que se tem, tornando-se mais e mais vazia e volátil, fazendo o próprio indivíduo se sentir irreal.

Sexualidade Esquizóide

As pessoas com TP Esquizóide são às vezes sexualmente apáticas, embora não sofram normalmente de anorgasmia. Muitos esquizóides tem uma vontade sexual normal mas alguns preferem a masturbação ao invés de lidar com os aspectos sociais de buscar um parceiro sexual. Por isso, as necessidades sexuais destes podem parecer menores que aqueles que não tem TP Esquizóide, já que preferem permanecer sozinhos e dissociados. Quando praticam sexo, indivíduos com TP Esquizóide frequentemente sentem que seu espaço pessoal está sendo violado, e normalmente acreditam que a masturbação ou abstinência sexual é preferível à proximidade emocional que eles precisam tolerar quando fazem sexo.[8][11] Expandindo significativamente esse retrato, há notáveis exceções de indivíduos com TP Esquizóide que se engajam em ocasionais ou mesmo frequentes atividades sexuais com outros.
Harry Guntrip descreve o "affair sexual secreto" introduzido por alguns indivíduos esquizóides casados como uma tentativa de reduzir a quantidade de intimidade emocional focada num único relacionamento, um sentimento ecoado pela personalidade resignada descrita pela psicoanalista alemã Karen Horney que pode excluir o sexo como sendo "muito íntimo para um relacionamento permanente, e no lugar satisfazer suas necessidades sexuais com um estranho. Contrariamente, ele pode mais ou menos restringir um relacionamento meramente a contactos sexuais e não compartilhar outras experiências com o parceiro."
Mais recentemente, Jeffrey Seinfeld, professor de serviços sociais na New York University, publicou um volume sobre o TP Esquizóide em que detalha exemplos de "fome esquizóide" que pode se manifestar como promiscuidade sexual,dando o exemplo de uma mulher esquizóide que ia sorrateiramente a vários bares se encontrar com outros homens pelo propósito de gratificação sexual, mas impessoal, um ato que, segundo Seinfeld, aliviava seus sentimentos de desejo e vazio.

Diagnóstico diferencial

O TP Esquizoide tem semelhanças com outras condições psicológicas, mas com importantes características distintivas:
  • Depressão: Embora as pessoas com TP Esquizóide podem também sofrer de depressão, isto não é certamente sempre o caso. Ao contrário das pessoas deprimidas, o esquizoides geralmente não se consideram inferiores ao outros, embora provavelmente reconhecerão que são diferentes.
  • Transtorno de personalidade esquiva: ao contrário destes, os esquizoides não evitam a interação social devido à ansiedade ou sentimentos de incompetência, mas porque são genuinamente indiferentes ao relacionamento social; no entanto, segundo um estudo ] "detectou-se que as personalidades esquizóide e esquiva demonstram níveis equivalentes de ansiedade, depressão e tendências psicóticas em comparação à outros pacientes controlados por psiquiatras. "Um paciente com TP esquizóide observou que o conhecimento prévio, as expectativas e suposições poderiam resultar nesses níveis elevados. Os pacientes podem mentalmente simular cenários ameaçadores para diluir os efeitos negativos, se um vier a ocorrer.".
  • Autismo de alta funcionalidade e Síndrome de Asperger: ao contrário destas Perturbações do Espectro do Autismo, o Transtorno Esquizóide não envolve déficit na comunicação não-verbal ou um padrão de interesses restritos e comportamentos repetitivos (como a adesão rígida a rotinas ou um interesse obsessivo por um tópico restrito). Comparado com a SA, o Transtorno Esquizóide é caracterizado por maior tendência a transtornos de conduta, melhor ajustamento na idade adulta, e um ligeiramente maior risco de esquizofrenia.

Problemas associados

Mediante stress, algumas pessoas com personalidade esquizóide podem ocasionalmente experimentar breves instantes de reação psicótica
Indivíduos esquizóides também são propensos a desenvolver dependência patológica de atividades fantasiosas concomitante ao seu afastamento do mundo. Vista por essa ótica, a fantasia constitui um componente chave do exílio pessoal embora num exame mais próximo, fantasiar nos indivíduos esquizóides é bem mais complicado que um meio de facilitar a reclusão. A fantasia é também um relacionamento com o mundo e com outros por meio de uma "procuração". É um relacionamento substituto, mas um relacionamento de qualquer forma, caracterizado por mecanismos idealizados, defensivos e compensatórios, livre das ameaças e ansiedades associadas com a conexão emocional às pessoas e situações reais.
De acordo com Klein, "é uma expressão de si mesmo num esforço de se conectar aos objetos, embora objetos internos. A fantasia permite aos pacientes esquizóides se sentir conectados, e ao mesmo tempo livres do aprisionamento dos relacionamentos. Em suma, em fantasia, alguém pode ser apegado (aos objetos internos) e ainda assim ser livre."
Prevalência
As estimativas da prevalência do Transtorno Esquizoide são variadas, com valores entre os 0,5% e os 7% da população.
O T.P.Esquizóide é raro em contextos clínicos, embora tal possa ser devido aos indivíduos afectados raramente procurarem auxilio psiquiátrico - Philip Manfield, no livro Split Self, Split Object (1992), comenta sobre a baixa prevalência de portadores desta desordem: "Eu acredito que a condição esquizóide é bem mais comum, compreendendo provavelmente em torno de 40% de todas as desordens de personalidade. Esta grande discrepância se deve muito provavelmente ao fato de que indivíduos com a desordem esquizóide são menos propensos a buscar tratamento que os demais com outras desordens do Eixo II."
Manfield suporta este entendimento com um estudo de Valliant & Drake (1985) que descobriu que aproximadamente 40% de um grupo particular avaliado de homens da área central de uma cidade eram esquizóides.

FONTE:http://pt.wikipedia.org/wiki/Transtorno_de_personalidade_esquizoide

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