Por Monique Almeida
As doenças psicóticas abrangem diversas
rodas de estudo para discussão do seu surgimento e tratamento. Como
convencer alguém de que sua mente o está enganando? Para que haja um
diagnóstico pleno e eficaz, o médico deve ter um diálogo aberto com o
paciente e, com base nisso, o psiquiatra Rodrigo Bressan convidou seu
paciente, agora colaborador de um projeto, para escrever o livro “Entre a
Razão e a Ilusão” (Artmed Editora), em parceria à terapeuta Cecília
Cruz Villares, para relatar os transtornos do ponto de vista de Jorge,
que passou por cinco crises entre seus 21-49 anos.
A esquizofrenia em si consiste no
distúrbio da consciência do próprio eu, das relações afetivas, da
percepção e do pensamento. O termo significa “cisão das funções mentais”
e é estimado que menos de 1% da população mundial esteja classificada
como esquizofrênica.
A exata era de ocorrência desse tipo de
transtorno não é precisa, além de ser difícil definir por causa das
diferentes classificações criadas e modificadas ao decorrer da história.
Na Idade Média, por exemplo, um esquizofrênico provavelmente seria
apontado como alguém que está possuído por algum “demônio”, enquanto
atualmente, aquele que é classificado dessa forma, deve passar por
sessões de terapia e ser submetido a medicamentos. Podemos concluir,
portanto, que o fato da pessoa x ou y, que é muito parecida conosco, não
ser diagnosticada como esquizofrênica em 2005, não necessariamente
exclui a possibilidade de nós mesmos, em 2013, agora sermos “loucos” ou
apontados como portadores desse transtorno.
E também que, como citado por
Dostoiévski, a existência de “casa de loucos”, ou no caso: de
esquizofrênicos, não nos torna imunes apenas por estar do lado de fora.
Os médicos afirmam que a esquizofrenia
não é marcada por um período específico, mas que faz parte de uma
característica intrínseca do ser humano. Tal ponto é frisado ao
percebermos que as estatísticas são idênticas entre homens e mulheres de
diferentes etnias, culturas, condições socioeconômicas, entre outros
fatores ambientais que poderiam influenciar.
A única peculiaridade é o fato de a
mulher estar mais propensa a contrair o transtorno mais tarde (por volta
dos 30 anos, enquanto para o homem é aos 25) e os seus hormônios, como o
estrógeno, servirem como antipsicóticos naturais que inibem a evolução
da doença.
É bom realçar que o transtorno se divide
entre sintomas produtivos (delírios e alucinações, que são mais fáceis
de tratar) e negativos (diminuição de impulso de vontade e achatamento
afetivo, por consequência, mais difíceis) e que o acompanhamento
familiar é imprescindível para a real constatação da doença, afinal, às
vezes a pessoa somente está ansiosa para o vestibular, por exemplo, e ao
ir ao médico ele dá o diagnóstico de um transtorno psicótico, quando na
verdade é somente numa fase natural da vida.
Vale mencionar também que o corpo pode
desenvolver a esquizofrenia por uma simples estratégia de defesa contra
estados considerados mais graves, como aponta o psiquiatra Wagner
Gattaz:
“Como já mencionei, na fase inicial, a
sensação de que algo está acontecendo, mas o paciente não sabe o quê, é
caracterizada por muita tensão e ansiedade. Em determinado momento,
porém, ele fala – ‘Estou sem forças, porque estão tramando algo contra mim e colocaram veneno na minha comida’.
Essa explicação delirante é suficiente para diminuir o nível de tensão e
ansiedade. É como se a pessoa tivesse uma dor de causa desconhecida e,
de repente, chegasse a um diagnóstico que, de algum modo, a
tranquilizasse.”
Para quem se interessou pelo tema, há um blog completo com informações e matérias sobre esquizofrenia no link: aqui!
Jorge Cândido de Assis está na pequena
parcela da população que consegue perceber quando uma crise se inicia, e
descreve esses momentos no livro com um toque de suas impressões
pessoais.
Uma das primeiras foi durante a época de
vestibular. Ficou extremamente ansioso, não passou nas três tentativas,
quando entrou na universidade (USP e UFSCar) acabou desistindo por duas
vezes. Tentou cometer suicídio, por influência de “uma voz”, nos trilhos
do metrô, e perdeu uma perna. Outro motivo foi o stress ocorrido no
aeroporto: ele precisava de uma cadeira de rodas, demoraram para trazer
uma, ele arrancou a prótese e foi pulando até onde queria chegar. Enfim,
o ponto é que não é possível determinar de onde vem a esquizofrenia,
por isso é importante a percepção de si mesmo e realizar uma consulta o
quanto antes, para evitar um dano maior ao paciente, porque ninguém se
recupera totalmente de um transtorno psicótico.
Veja agora parte do depoimento de Jorge:
“Minha vida foi perdendo o sentido, vivia por viver. Me sentia vazio de emoções. (…)
Depois das crises, tenho que renascer das cinzas. Muitas pessoas desistem.
Precisa de uma grande dose de esforço
para reconstruir a vida. A medicação ajuda, mas não é garantia. Consigo
lidar com as demandas da vida, mas nunca sei se o que sinto é ou não da
doença.
Não ouço mais vozes, mas tenho
autorreferência. Penso que tudo ao meu redor tem a ver comigo. Se ouço
um barulhinho lá fora, acho que pode ter câmera escondida. Se as pessoas
estão conversando no corredor, acho que estão falando sobre mim.
O delírio é inquestionável, você
acredita nele, mas tenho clareza do que é autorreferência, deixo para
lá. Tenho que saber os meus limites. O referencial para a gente é o
mundo exterior, a relação das pessoas. Muitas vezes, o início das crises
não é percebido, por isso é importante dividir com o médico, com a
família.
O estigma também é muito prejudicial.
Ser apontado como o louco ou ser desacreditado só piora. A esquizofrenia
é uma doença crônica, que afeta as emoções, os relacionamentos, as
vontades.
Tenho sorte de ter uma família unida, que me apoia. Isso dá sentido à minha vida.
Olho para trás e confesso que me sinto
frustrado por ter começado duas vezes física, em duas das melhores
universidades, e não ter concluído. Mas fico feliz com o trabalho de
poder ajudar outras pessoas com a minha história. As pessoas sofrem no
Brasil pela falta de locais para a troca de informações.
Minha meta agora é construir uma rede de associações de apoio a pacientes com esquizofrenia.
Eu não sou só a doença, e a doença não
me define. Tenho que lidar com a esquizofrenia, mas ela não é a parte
mais fundamental da minha vida.”
Fonte: http://literatortura.com/2013/06/esquizofrenico-registra-em-livro-a-experiencia-de-enlouquecer/
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