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sábado, 29 de junho de 2013

Esquizofrênico registra em livro a experiência de enlouquecer


Por Monique Almeida
 
As doenças psicóticas abrangem diversas rodas de estudo para discussão do seu surgimento e tratamento. Como convencer alguém de que sua mente o está enganando? Para que haja um diagnóstico pleno e eficaz, o médico deve ter um diálogo aberto com o paciente e, com base nisso, o psiquiatra Rodrigo Bressan convidou seu paciente, agora colaborador de um projeto, para escrever o livro “Entre a Razão e a Ilusão” (Artmed Editora), em parceria à terapeuta Cecília Cruz Villares, para relatar os transtornos do ponto de vista de Jorge, que passou por cinco crises entre seus 21-49 anos.
A esquizofrenia em si consiste no distúrbio da consciência do próprio eu, das relações afetivas, da percepção e do pensamento. O termo significa “cisão das funções mentais” e é estimado que menos de 1% da população mundial esteja classificada como esquizofrênica.
A exata era de ocorrência desse tipo de transtorno não é precisa, além de ser difícil definir por causa das diferentes classificações criadas e modificadas ao decorrer da história. Na Idade Média, por exemplo, um esquizofrênico provavelmente seria apontado como alguém que está possuído por algum “demônio”, enquanto atualmente, aquele que é classificado dessa forma, deve passar por sessões de terapia e ser submetido a medicamentos. Podemos concluir, portanto, que o fato da pessoa x ou y, que é muito parecida conosco, não ser diagnosticada como esquizofrênica em 2005, não necessariamente exclui a possibilidade de nós mesmos, em 2013, agora sermos “loucos” ou apontados como portadores desse transtorno.
E também que, como citado por Dostoiévski, a existência de “casa de loucos”, ou no caso: de esquizofrênicos, não nos torna imunes apenas por estar do lado de fora.
Os médicos afirmam que a esquizofrenia não é marcada por um período específico, mas que faz parte de uma característica intrínseca do ser humano. Tal ponto é frisado ao percebermos que as estatísticas são idênticas entre homens e mulheres de diferentes etnias, culturas, condições socioeconômicas, entre outros fatores ambientais que poderiam influenciar.
A única peculiaridade é o fato de a mulher estar mais propensa a contrair o transtorno mais tarde (por volta dos 30 anos, enquanto para o homem é aos 25) e os seus hormônios, como o estrógeno, servirem como antipsicóticos naturais que inibem a evolução da doença.
É bom realçar que o transtorno se divide entre sintomas produtivos (delírios e alucinações, que são mais fáceis de tratar) e negativos (diminuição de impulso de vontade e achatamento afetivo, por consequência, mais difíceis) e que o acompanhamento familiar é imprescindível para a real constatação da doença, afinal, às vezes a pessoa somente está ansiosa para o vestibular, por exemplo, e ao ir ao médico ele dá o diagnóstico de um transtorno psicótico, quando na verdade é somente numa fase natural da vida.
 Vale mencionar também que o corpo pode desenvolver a esquizofrenia por uma simples estratégia de defesa contra estados considerados mais graves, como aponta o psiquiatra Wagner Gattaz:
“Como já mencionei, na fase inicial, a sensação de que algo está acontecendo, mas o paciente não sabe o quê, é caracterizada por muita tensão e ansiedade. Em determinado momento, porém, ele fala – ‘Estou sem forças, porque estão tramando algo contra mim e colocaram veneno na minha comida’.  Essa explicação delirante é suficiente para diminuir o nível de tensão e ansiedade. É como se a pessoa tivesse uma dor de causa desconhecida e, de repente, chegasse a um diagnóstico que, de algum modo, a tranquilizasse.”
Para quem se interessou pelo tema, há um blog completo com informações e matérias sobre esquizofrenia no link: aqui!
 Jorge Cândido de Assis está na pequena parcela da população que consegue perceber quando uma crise se inicia, e descreve esses momentos no livro com um toque de suas impressões pessoais.
Uma das primeiras foi durante a época de vestibular. Ficou extremamente ansioso, não passou nas três tentativas, quando entrou na universidade (USP e UFSCar) acabou desistindo por duas vezes. Tentou cometer suicídio, por influência de “uma voz”, nos trilhos do metrô, e perdeu uma perna. Outro motivo foi o stress ocorrido no aeroporto: ele precisava de uma cadeira de rodas, demoraram para trazer uma, ele arrancou a prótese e foi pulando até onde queria chegar. Enfim, o ponto é que não é possível determinar de onde vem a esquizofrenia, por isso é importante a percepção de si mesmo e realizar uma consulta o quanto antes, para evitar um dano maior ao paciente, porque ninguém se recupera totalmente de um transtorno psicótico.
Veja agora parte do depoimento de Jorge:
“Minha vida foi perdendo o sentido, vivia por viver. Me sentia vazio de emoções. (…)
Depois das crises, tenho que renascer das cinzas. Muitas pessoas desistem.
Precisa de uma grande dose de esforço para reconstruir a vida. A medicação ajuda, mas não é garantia. Consigo lidar com as demandas da vida, mas nunca sei se o que sinto é ou não da doença.
Não ouço mais vozes, mas tenho autorreferência. Penso que tudo ao meu redor tem a ver comigo. Se ouço um barulhinho lá fora, acho que pode ter câmera escondida. Se as pessoas estão conversando no corredor, acho que estão falando sobre mim.
O delírio é inquestionável, você acredita nele, mas tenho clareza do que é autorreferência, deixo para lá. Tenho que saber os meus limites. O referencial para a gente é o mundo exterior, a relação das pessoas. Muitas vezes, o início das crises não é percebido, por isso é importante dividir com o médico, com a família.
O estigma também é muito prejudicial. Ser apontado como o louco ou ser desacreditado só piora. A esquizofrenia é uma doença crônica, que afeta as emoções, os relacionamentos, as vontades.
Tenho sorte de ter uma família unida, que me apoia. Isso dá sentido à minha vida.
Olho para trás e confesso que me sinto frustrado por ter começado duas vezes física, em duas das melhores universidades, e não ter concluído. Mas fico feliz com o trabalho de poder ajudar outras pessoas com a minha história. As pessoas sofrem no Brasil pela falta de locais para a troca de informações.
Minha meta agora é construir uma rede de associações de apoio a pacientes com esquizofrenia.
Eu não sou só a doença, e a doença não me define. Tenho que lidar com a esquizofrenia, mas ela não é a parte mais fundamental da minha vida.”

Fonte: http://literatortura.com/2013/06/esquizofrenico-registra-em-livro-a-experiencia-de-enlouquecer/

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