O Retardo Mental
tem sido detectado em 2-3% de todas as crianças (Melis, Tranebjaerg) e,
embora os problemas genéticos sejam a causa da expressiva maioria dos
casos, atualmente não se consegue atribuir uma alteração genética
específica em mais de 50-70% dos casos. Entre as causas genéticas
especificamente associadas ao Retardo Mental, a Síndrome do X Frágil é a mais prevalente. Os autores divergem entre 6 e 25% entre todos os casos de Deficiência Mental que estariam associados à Síndrome do X Frágil. Essa incidência tem aumentado com o passar dos anos devido aos avanços da Citogenética Bioquímica e Molecular.
Apesar de enorme prevalência da Síndrome do X Frágil
entre os grandes transtornos do rendimento intelectual, parece que as
escolas especiais e os profissionais especialmente dedicados a essa
área, têm tido mais preparo (e/ou preferência) para lidar com crianças
com Síndrome de Down e com Autismo Infantil (York).
Descrição
Sob circunstâncias normais, cada célula do corpo
humano contém 46 cromossomos, ou seja, 23 pares de cromossomos. Esses
cromossomos consistem no material genético (DNA) necessário para a
produção de proteínas para o desenvolvimento do organismo, seja
desenvolvimento físico, mental, metabólico... enfim, são proteínas
responsáveis por todo funcionamento e estrutura da pessoa. Vinte e dois
desses 23 pares de cromossomos são iguais no homem e na mulher, mas o
outro par restante (portanto 2 cromossomos) são os chamados cromossomos
sexuais, denominados X e Y. Se o embrião tiver a constituição XY será
homem e se tiver a constituição XX será mulher.
A Síndrome do X Frágil
é uma condição genética herdada, produzida pela presença de uma
alteração molecular ou mesmo de uma quebra na cadeia do cromossomo X, no
ponto denominado q27.3 ou q28, condição esta associada a problemas de
conduta e de aprendizagem, bem como a diversos graus de deficiência
mental.
Apesar dessa condição cromossômica ter sido mais
precisamente elucidada em maio de 1991, quando se seqüenciou o gen
responsável pela anomalia, o mesmo ponto frágil do cromossomo X já havia
sido descrito em 1969 por Herbert Lubs, o qual descobriu a
alteração numa família de dois irmãos com retardo mental. No final da
década de 70 esta condição foi denominada Síndrome do X Frágil por Grant Sutherlan, enquanto as primeiras publicações científicas apareceram no final dos anos 70.
A
doença é muito mais freqüente em meninos que em meninas, talvez porque
nos homens há apenas 1 cromossomo X, portanto, sendo este X defeituoso,
não haveria outro X sadio para compensar como ocorre nas mulheres que
têm 2 cromossomos desse tipo.
A alteração molecular fundamental
desta síndrome se estabelece no gen denominado FMR1. A mutação consiste
na repetição de uma seqüência de DNA em maior número que nos indivíduos
normais, os quais apresentam de 6 a 54 copias. Nas pessoas apenas
portadoras dessa anomalia cromossômica mas sem a doença clinicamente
manifesta (normalmente mulheres), esta seqüência se repete de 55 a 230
vezes, e nas pessoas afetadas pela doença a amplificação aumenta até
4000 copias.
A mutação sendo completa, confere a este gen a
ausência de seu produto proteico, o FMRP. Esta proteína está presente em
muitos tecidos e, mais abundantemente, no citoplasma de neurônios. Ela é
também de primordial importância para a conexão sináptica. É muito
provável que a causa da deficiência mental produzida por essa doença
seja conseqüente à carência dessa proteína na junção sináptica.
Características clínicas.Os sinais da Síndrome do X Frágil
são algo diferentes entre portadores homens e mulheres, assim também
como é diferente a freqüência dessa ocorrência entre os dois sexos: 1 a
cada 660 nascimentos em homens e 1 para cada 1.250 nascimentos em
mulheres.
Nos homens:
1 - Região frontal algo protuberante.
2 - Fascie alongada
3 - Orelhas grandes e, freqüentemente, de implantação baixa.
4 - Leve prognatismo (projeção da mandíbula para frente).
5 - Macroorquidismo (aumento do tamanho dos testículos), em 80% dos casos.
6 - Retardo no aparecimento da linguagem.
7 - Severos problemas de atenção.
8 - Instabilidade de conduta, oscilando de amigável a violento.
9 - Pode coexistir um quadro de Autismo Infantil.
10 - Padrão de personalidade retraída, grave e que se evidencia logo na primeira infância
11 - Pode coexistir mutismo, indiferença interpessonal e atos repetitivos sem sentido.
12 - Pobre contato visual (olhar evasivo).
13 - Onicofagia (comer unhas), desde muito cedo.
14 - Hipotonia (flacidez muscular). Este costuma ser o que motiva a primeira consulta.
15 - Retardo intelectual de leve a profundo.
16 - Convulsões em 20% dos casos.
Nas mulheresConforme já tem observado alguns autores, é
freqüente encontrar meninas com a síndrome mas clinicamente normais ou
quase normais, sendo a causa da maior parte das consultas, as
dificuldades de aprendizagem e/ou de conduta. O prognóstico intelectual
depende da porcentagem de células afetadas. Se, por exemplo, apenas 4%
das células são afetadas a criança terá uma intelectualidade normal.
De um modo geral, pode-se dizer que a maioria das meninas são assintomáticas (dois terços). A importância no diagnóstico da Síndrome do X Frágil em mulheres, está mais relacionada ao planejamento genético e transtornos de conduta do que à intelectualidade.
Alguns
estudos apontam que 1 entre 259 mulheres de todas as raças é portadora
de cromossomo X frágil e, embora assintomáticas (sem sintomas), essas
mulheres podem passar esse gen aos filhos homens, os quais têm
probabilidade muito grande de manifestar a doença. Em Hones, as
estatísticas dos portadores falam em 1 entre 800. Esses números sugerem
que, embora a doença franca e manifesta seja muito mais freqüente em
homens, as mulheres são muito mais acometidas como portadoras (sem a
doença manifesta).
Outra ocorrência clínica associada à Síndrome do X Frágil
é a grande incidência de anormalidades eletroencefalográficas que esses
pacientes apresentam. Essa anormalidade elétrica já havia sido notada
há tempos nesses pacientes, entretanto, só recentemente se reconheceu
que a ocorrência simultânea de Síndrome do X Frágil e de epilepsia era muito maior apenas os portadores masculinos da doença (Singh), a mulher portadora dessa carga genética têm incidência de EEG anormal tal como na população geral.
Critérios de diagnóstico
- Começo antes dos 30 meses.
- Progressiva ausência de respostas às pessoas.
- Déficit grosseiro no desenvolvimento da linguagem.
- Se exite a linguagem, estão presentes alguns transtornos desta (ecolalia, p.ex.).
- Alguns sintomas semelhantes ao autismo, como por exemplo, respostas bizarras aos estímulos, resistência a mudanças, apego anormal a objetos inanimados...
Alterações da Fala e Linguagem
Muitas crianças portadoras de Síndrome do X Frágil
apresentam alterações da fala e da linguagem. A maioria delas não
consegue elaborar frases curtas antes dos 2 e meio anos de idade.
Normalmente a alteração da linguagem é detectada antes mesmo do
diagnóstico da Síndrome do X Frágil. As alterações comuns da fala incluem a ecolalia (repetição de fonemas).
Características da fala:1 - Fala rápida
2 - Rítmo desordenado
3 - Dispraxia oral
4 - Volume alto
5 - Habilidade sintática preservada
6 - Dificuldade na relação semântica (temporal, seqüencial conceitual, inferências)
7 - Boa capacidade imitativa de sons
8 - Bom senso de humor
9 - Uso freqüente de frases automáticas
Características CognitivasOs graus de deficiência das crianças portadoras da Síndrome do X Frágil
são muito variados, alguns casos podendo, inclusive, ser percebidos
como deficientes apenas por seus pais. Os graus mais leves são
compatíveis com boa habilidade verbal e apreensão rápida dos estímulos
ambientais, conseqüentemente a aprendizagem nesses casos é boa.
Normalmente as meninas com essa síndrome, como dissemos, podem ter um
funcionamento mental absolutamente normal.
O aprendizado dos portadores da Síndrome do X Frágil
com retardo mental dá-se, predominantemente por estimulação visual e a
maioria deles têm dificuldades variáveis para a solução de problemas. O
aprendizado está comprometido na maioria deles.
O teste de DNA para o diagnóstico da Síndrome do X Frágil foi desenvolvido a partir de 1992. Trata-se de um exame de sangue capaz de detectar a presença da síndrome na criança.
Tratamento da Síndrome do X FrágilHerman Bleiweiss é um dos autores que defendem tratamentos não apenas baseados na estimulação precoce dos portadores da Síndrome do X Frágil mas, principalmente baseados na utilização de neurotransmissores.
Bleiweiss diz
que para uma abordagem terapêutica eficaz o diagnóstico deve ser
completado, obrigatoriamente, com um estudo dos neurotransmissores. Isso
é imprescindível para saber que tipo de alteração bioquímica se deve
corrigir. Dependendo dos resultados desses estudos, inicia-se um
tratamento que se ajustará às particularidades de cada caso.
Já houve tentativas de tratamento da Síndrome do X Frágil
através de altas doses de ácido fólico, o qual melhorava sobremaneira o
aspecto proteico de tecidos in vitro. Entretanto, as alterações de
reparo cromossômico com ácido fólico eram apenas constatadas em
microscópios óticos mas, a nível molecular essas melhoras não
aconteciam.
Muitas dessas crianças (com convulsões ou eletroencefalograma positivos) são tratadas com anticonvulsivantes mas, no caso da Síndrome do X Frágil, os anticonvulsivantes podem agravar o quadro por diminuir ainda mais os níveis de ácido fólico.
O tratamento das psicopatologias que eventualmente estão junto com a Síndrome do X Frágil merece uma avaliação à parte, talvez pelo diferente metabolismo cerebral desses pacientes. Havendo Esquizofrenia, por exemplo, notadamente do tipo Esquizoafetivo, o tratamento mais eficiente é aquele que associa neurolépticos, valproato de sódio e lítio (Al Semaan).
Tanto os adultos quanto as crianças portadores da Síndrome do X Frágil
apresentam freqüentemente problemas comportamentais. Esses problemas
estariam relacionados à falta da proteína FMR1, proteína esta produzida
pelo gen também denominado FMR1 o qual é seriamente afetado nessa
doença. Essa proteína está normalmente presente em todos os neurônios e
na sua falta, podem ocorrer alterações na própria estrutura cerebral,
alterações nos níveis de AMP cíclico e alterações nos
neurotransmissores. Graças à essas últimas alterações é que se pode
pleitear o tratamento da maioria dos sintomas comportamentais desses
pacientes.
Por outro lado, não são todos os portadores da Síndrome do X Frágil que apresentam problemas comportamentais mas também não são todos que respondem ao tratamento da mesma forma.
Evidentemente
é importante lembrar que a medicação não é o único tratamento útil para
os portadores dessa síndrome, sendo desejável que se utilize também a
terapia psicomotora e da fala, bem como os recursos da pedagogia
especializada.
Afortunadamente a maioria dos sintomas
comportamentais, como por exemplo a hiperatividade, impulsividade,
oscilações do humor, alterações da atenção, agressividade, ansiedade e
comportamento obsessivo respondem bem ao tratamento medicamentoso.
Problemas de Atenção e HiperatividadeQuase um terço das meninas e quase todos os meninos afetados pela Síndrome do X Frágil
apresentam significativas alterações da atenção e hiperatividade. Na
Europa e EUA a medicação de escolha para esses quadros é na base de psicoestimulantes;
metilfenidato (Ritalina®), dextroamfetamina (Dexedrine®), or pemolina
(Cylert®). A eficácia desses produtos está na estimulação que produzem
nos sistemas noradrenérgico e dopaminérgico, melhorando assim a atenção e
a coordenação motora. Os psicoestimulantes fazem ainda com que a
criança tenha maior controle nos impulsos, controlem o comportamento e
melhorem a auto-estima.
Calcula-se que os psicoestimulantes tenham efeito benéfico em 60 a 70% dos casos de Síndrome do X Frágil em idade escolar (Hagerman).
Apesar das melhoras, os psicoestimulantes podem ter alguns efeitos
colaterais que devem ser bem observados, como é o caso do aumento da
pressão arterial, alterações do sono (insônia), tiques motores e mesmo
irritabilidade se as doses forem altas. Entre esses psicoestimulantes o
mais usado é o metilfenidato (Ritalina®) na dose de 0,2 a 0,3
mg/kg/dose, recomendando-se até 3 doses ao dia, dependendo de cada caso.
Uma
alternativa aos psicoestimulantes tem sido a clonidina, medicamento
usado também para o tratamento da hipertensão arterial. Esse medicamento
pode melhorar muito o comportamento hiperativo mas não é tão eficiente
quanto aos psicoestimulantes para os problemas de atenção. A clonidina
pode ser usada até em crianças pré escolares a partir dos 3 anos de
idade (Hagerman). Com a clonidina se elevam os níveis de
noradrenalina tanto no Sistema Nervoso Central (SNC) quanto a nível
periférico. Pode ainda ser usada em associação com psicoestimulantes,
notadamente com o metilfenidato (Ritalina®).
A segunda opção aos psicoestimulantes recai sobre os antidepressivos tricíclicos,
preferentemente a imipramina (Tofranil®), a qual acaba por controlar
também a enurese noturna desses pacientes, comumente associada à Síndrome do X Frágil.
Os antidepressivos tricíclicos só não são primeira escolha devido ao
aumento da agressividade registrada em alguns casos. A utilização de
ácido fólico nos portadores de Síndrome do X Frágil tem sido muito
controversa, resultando em benefícios de alguns casos e sendo
indiferente em outros.
Oscilações do Humor e Agressividade Oscilações do humor e rompantes agressivos são comuns em meninos com Síndrome do X Frágil.
A agressividade predomina nos pacientes adolescentes e adultos jovens,
incluindo aqui também as meninas. Os antipsicóticos e tranquilizantes
(benzodiazepínicos) prescritos para esses casos no passado mostraram-se
ineficazes.
Atualmente os estabilizadores do humor (não
anticonvulsivantes) são indicação formal para esses tipos de problemas
afetivos e do comportamento agressivo. Para tal tem-se usado a
carbamazepina (Tegretol®), o ácido valpróico (Depakote® ou Depakene®), a
oxcarbazepina (Trileptal®). Como primeira alternativa a esses
estabilizadores para problemas afetivos e do comportamento agressivo do
humor, pode ser tentada a fluoxetina (Prozac®) ou outros inibidores
seletivos da recaptação da serotonina, como por exemplo a sertralina
(Zoloft®, Novativ®, Tolrest®).
Ansiedade e Comportamento ObsessivoA ansiedade é também um problema comum nos pacientes com Síndrome do X Frágil,
manifestando-se particularmente quando eles se defrontam com situações
novas. Ataques de Pânico podem ocorrer tanto em pacientes meninos como
meninas.Para esses casos tem-se preferido o ansiolítico buspirona
(Ansilive®, Buspar®) aos benzodiazepínicos. Talvez devido ao seu efeito
(discreto) na recaptação da serotonina a buspirona tem tido um efeito
muito melhor que os benzodiazepínicos na ansiedade desses pacientes.
Igualmente
para a ansiedade, também se recomenda como alternativa da buspirona os
antidepressivos inibidores da recaptação da serotonina, como dissemos, a
fluoxetina (Prozac®) ou outros farmacologicamente similares, como por
exemplo a sertralina (Zoloft®, Novativ®, Tolrest®). A imipramina e a
clonidina podem ser úteis quando a ansiedade é conseqüência de
hiperatividade. Esses antidepressivos são também muito valiosos no
tratamento do comportamento obsessivo, notadamente a clomipramina
(Anafranil®).
para referir:
Ballone GJ - Síndrome do X Frágil - in. PsiqWeb, Internet, disponível em www.psiqweb.med.br, revisto em 2007
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