Translate

terça-feira, 23 de abril de 2013

A gestação e os transtornos mentais





A gestação é fator de risco para a recaída de uma condição psiquiátrica pré-existente ou para o início de um novo transtorno mental. Prova disso é a alta prevalência de transtornos de ansiedade e de humor em gestantes. Segundo Joel Rennó Júnior, diretor do Programa de Atenção à Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, um dos motivos que favorece tais recaídas é o aconselhamento, por parte de alguns obstetras, de descontinuar o uso de psicotrópicos antes da concepção.
“Mulheres com depressão crônica, mantidas com antidepressivo mas aconselhadas a descontinuá-los durante a gravidez têm chance de recaída elevada, em torno de 75%.”
Dependendo do diagnóstico psiquiátrico e do nível de gravidade dos sintomas, a falta de tratamento específico ou o abandono da medicação na gestação pode prejudicar o desenvolvimento do feto.
Os transtornos de ansiedade e depressão na gestação, explica o psiquiatra Rennó Júnior, estão entre os principais fatores de risco para depressão pós-parto, enquanto a ansiedade crônica não tratada na gestação pode levar a parto prematuro, baixo peso ao nascer e até ao abortamento espontâneo.
A falta de tratamento adequado da mãe, após o parto, também é prejudicial ao desenvolvimento dos filhos.
“Mulheres com depressão pós-parto não tratadas adequadamente podem levar a prejuízos do desenvolvimento cognitivo e de linguagem após o nascimento. Muitas crianças com transtornos depressivos têm este histórico. Psicoses no pós-parto com alterações de juízo e crítica, delírios e alucinações favorecem a auto-agressividade, suicídio e infanticídio”.
Segundo Rennó Júnior, investigar o início e o curso de doença psiquiátrica materna na gestação tem de ser uma prioridade de todo obstetra. “O tratamento farmacológico de tais pacientes requer ampla discussão dos riscos e benefícios de quaisquer psicotrópicos utilizados, em conjunto com o psiquiatra”.
Diagnóstico
Um grande estudo de coorte, desenvolvido por Evans e cols, em 2001, com 14.000 mulheres, sugere que a depressão pode ser até mais comum na gestação do que no pós-parto. “Cerca de um terço tem o primeiro episódio depressivo na gestação, apesar de sabermos que a história pessoal de doença afetiva aumenta o risco de depressão gestacional. Entre os fatores de risco, destaco a insatisfação pessoal, suporte psicossocial inadequado, eventos de vida adversos, baixo status sócio-econômico e gravidez indesejada”.
O especialista frisa que muitos sinais e sintomas neurovegetativos durante a gravidez, que ocorrem em mulheres não deprimidas, podem ser confundidos com sintomas depressivos característicos, como distúrbios do sono e apetite, diminuição da libido e baixa energia.
Tratamento
Os tratamentos dependem do diagnóstico específico, da gravidade dos sintomas, do histórico pessoal de transtorno mental e do curso da doença, explica Rennó Júnior. “Geralmente, há três períodos: fase aguda, até melhora total dos sintomas psíquicos; fase de continuação, para evitar recaída, que tem média de 4 a 9 meses; e fase de manutenção, para prevenir novo episódio, que dura ao menos um ano”.
O psiquiatra é o melhor profissional para elaborar um tratamento individualizado, com avaliação apurada de todos os riscos e benefícios. Rennó Júnior comenta que a depressão unipolar, a mais comum, é tratada com antidepressivos. A bipolar requer estabilizadores de humor e não é recomendável antidepressivos, pois podem até piorar o curso e provocar uma virada para o pólo ou fase de mania. 
Riscos
Todo médico deve estar ciente de que não existe medicamento psicotrópico sem riscos. Porém, é possível basear-se em evidências científicas e experiência clínica para avaliação adequada. “O trabalho interdisciplinar é importante. Já recebi pacientes de obstetras bem abertos a tais questões. 
Porém, infelizmente, há profissionais radicais que contra-indicam antidepressivos e outros psicotrópicos em qualquer gestação, sem avaliar todos os fatores envolvidos à luz da ciência. Involuntariamente, isso pode causar sérios prejuízos à mulher e ao bebê. Extremismos e irredutibilidade devem ser evitados a todo custo.”
Joel Rennó Júnior, diretor do Programa de Atenção à Saúde Mental da Mulher (ProMulher) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, é autor do Livro "Mentes Femininas", pela Ediouro.

Nenhum comentário:

Postar um comentário