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sábado, 21 de abril de 2012

Drogas e saúde mental.


Uma das perguntas mais comuns sobre dependência química é saber, afinal, se os usuários de drogas são mais vulneráveis às doenças mentais ou se algumas doenças mentais é que levam ao consumo da droga? Excluindo-se o próprio fato da dependência, que já é uma doença, a pergunta que se faz é saber se a pessoa que continua usando drogas apesar de saber todo mal que ela causou e causa em sua vida é normal psiquiatricamente.
Conforme afirma o DSM-IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais da Associação Norte-americana de Psiquiatria) o Transtorno por Uso de Substâncias, que engloba o abuso e a dependência a substâncias, encontra-se freqüentemente associado a outras patologias psiquiátricas. Assim diante de um paciente com uso problemático de drogas, seja dependência ou uso abusivo, devemos sempre investigar a existência de outra doença emocional; ou por baixo da dependência ou como conseqüência.
É provável até que a existência de outros transtornos emocionais co-mórbidos à dependência dificulte a adesão do paciente ao tratamento, proporcione resultados piores em termos de freqüência e quantidade da droga consumida, bem como do funcionamento psicossocial. É isso mesmo. Nem sempre é a droga em si a responsável exclusiva pela apatia ocupacional do dependente, pelos fracassos sociais e familiares. Muitas vezes sua própria personalidade se mostra algo inviável para a condução da vida.
São muitas as dúvidas sobre as causas, conseqüências e recusa ao tratamento da dependência. Seriam outros transtornos emocionais que causariam isso tudo? Quais patologias mentais estariam mais freqüentemente associadas ao uso de drogas? Tais doenças teriam uma evolução diferente por culpa das drogas? Quais os tratamentos e as prevenções mais apropriadas?
Muitos trabalhos de pesquisa têm mostrado uma elevada prevalência (13%) da associação de doença mental com uso abusivo de substâncias. Nas populações em tratamento psiquiátrico, tanto ambulatorial quanto em internação hospitalar, encontra-se 20 a 50% de co-morbidade entre as variadas doenças mentais com o alcoolismo e abuso de outras drogas (McCrady, 1999).
Observações inversas também ocorrem, pois nos centros especializados no atendimento ao dependente químico a co-morbidade com outros transtornos mentais também é maior, se comparada à população em geral.  Em relação às doenças mentais mais severas, como são a esquizofrenia e o transtorno bipolar do humor, em quase metade dos pacientes também aparece a associação com abuso ou dependência de substâncias psicoativas (Alverson, 2000).
Embora não haja evidências na literatura de determinados transtornos emocionais e de personalidade como sendo causas do comportamento aditivo, a presença de Transtorno de Conduta na infância, de diagnóstico de Transtorno Afetivo Bipolar na adolescência e Transtorno Anti-Social de Personalidade ou Borderline seriam fortes fatores de risco para uso de drogas no futuro (Glantz, 2000).
Não obstante, há evidencias de que a desinibição de comportamento e o temperamento considerado "difícil" na criança possam representar fatores de risco para o uso futuro de drogas (idem). Em outras palavras, embora sem critérios suficientes para se constituir em relação causa-efeito, as observações mostram sugestiva associação de determinadas patologias mentais e traços de personalidade com o uso de drogas.
Uma das hipóteses que tentam justificar a associação entre dependência química e transtornos emocionais seria uma espécie de vulnerabilidade da pessoa para a doença mental. Neste caso a droga apenas desencadearia e agravaria os sintomas mentais dormentes.
O segundo modelo sugere que essa associação se dá em função da pessoa que se sente mal por conta de algum transtorno emocional buscar a droga como uma espécie de “automedicação”. Ela aliviaria os sintomas de sua depressão, sua ansiedade, obsessão, angústia e assim por diante.
A terceira hipótese supõe uma causa (biológica?) comum que predisporia o sujeito ao uso de drogas e à doença mental simultaneamente. Um quarto e último modelo entende a associação droga-doença mental como a ocorrência independente das duas coisas, apenas uma concomitância. Nesse caso o uso de drogas pela pessoa com doença mental seria determinado por fatores independentes daqueles da doença mental (Serge, 2001).
Esses quatro modelos podem ser usados para tentar explicar, por exemplo, a associação de uma pessoa com transtorno afetivo bipolar e dependência à cocaína, ou do transtorno obsessivo-compulsivo com o álcool, o transtorno de ansiedade, fóbico ou do pânico com maconha e assim por diante. É, inclusive, útil para entender o severo agravamento da tendência esquizofrênica (personalidade esquizóide, por exemplo) com abuso de craque ou coisa que o valha.
Já é muitíssimo conhecido das pessoas que lidam com pacientes internados o fato da maioria dos esquizofrênicos fumarem exageradamente, sugerindo algum substrato neurobiológico comum aos dois estados. Os pacientes esquizofrênicos que fazem uso de tabaco, iniciam seu uso exagerado em aproximadamente antes do inicio dos sintomas psicóticos em 86% dos casos (Beratis, 2001).
Segundo Moreira e Soares (2003), no caso da esquizofrenia e o tabaco, os achados neurobiológicos da esquizofrenia envolvem alterações em circuitos cortico-mesolímbicos associados tanto aos sintomas cognitivos, perceptuais e afetivos da doença, quanto ao comportamento de recompensa e fissura do tabaco, o que fortalece a hipótese de uma mesma causa para os dois estados.
Tecnicamente, a literatura científica vem estabelecendo o sistema dopaminérgico mesolímbico como o principal substrato biológico para o reforço positivo de psicoestimulantes, maconha, nicotina e álcool. Essas substâncias direta ou indiretamente aumentam a liberação de dopamina, um neurotransmissor, nos sistemas que envolvem os neurônios de uma determinada área cerebral (a área tegmentar ventral na sua conexão com o núcleo acumbens). Essas mesmas áreas cerebrais (mesolímbicas) estão envolvidas no comportamento de fissura pela droga (Chambers, 2001).
É interessante saber que esse mesmo sistema cerebral (mesolímbico) esta relacionado com os sintomas esquizofrênicos, com a ação dos medicamentos para esquizofrenia e com o desenvolvimento de sintomas psicóticos pelo uso de anfetaminas e cocaína, como é o caso da chamada “nóia” (sintomas francamente paranóicos).
O tratamento do dependente químico portador também de outra doença mental tem resultados melhores quando se integra o tratamento dos sintomas psíquicos do eventual transtorno com atitudes direcionadas à dependência. A existência de comorbidade aumenta a dificuldade no controle de cada doença isoladamente, ou seja, é mais difícil tratar um paciente deprimido e dependente de cocaína do que o tratamento da depressão ou dependência à cocaína isoladamente.
Tem sido comum a comorbidade de Transtorno Depressivo com uso diário de bebida alcoólica, com dependência ou não. Na maioria dos casos percebe-se claramente que o álcool está sendo usado como lenitivo da angústia, desânimo e tristeza próprios da depressão. Neste caso o sucesso terapêutico será inegavelmente maior se a depressão for tratada com mesmo entusiasmo que a abstinência do álcool. É bastante freqüente a associação de alcoolismo, dependência de cocaína ou anfetaminas com depressão. Não se pode tratar uma doença sem tratar igualmente a outra.
O quadro de Transtorno do Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH), anteriormente acreditado afetar apenas crianças, é bastante associado ao consumo de cocaína. Os pacientes referem sentir-se aliviados com a cocaína. A semelhança neuroquímica entre esses dois estados deduz-se até pelo fato do tratamento do TDAH ser através de fortes estimulantes, como, por exemplo, o metilfenidato. Neste caso o tratamento precoce do TDAH, ainda em criança, deve ser encorajado até por uma questão de prevenção para a eventual futura dependência química.
A dependência a anfetaminas, cocaína e seus derivados (craque) leva a um quadro francamente psicótico, paranóico e alucinatório. Como não se trata de uma esquizofrenia franca ou genuína, falamos em quadro esquizofreniforme. Apesar de muito exuberante em sintomas, tudo isso se resolve em poucas semanas com a abstinência e o tratamento da dependência. Por outro lado, embora a esquizofrenia verdadeira não seja causada pelas drogas, poderá ser severamente piorada com o uso de destas, formando assim um círculo vicioso; esquizofrenia – drogas - piora da esquizofrenia – mais drogas... e assim por diante. Nesses pacientes o controle dos sintomas psicóticos é de grande importância para a redução na utilização da droga.
O Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TSPT), também tem forte relação com o uso de drogas, tanto de cocaína quanto de maconha. Trabalho policial, violência urbana, guerras, acidentes e outros eventos traumáticos favorecem o TSPT e, conseqüentemente o uso de drogas (Brady, 2000).
O Transtorno de Pânico é outro quadro que também representa um risco aumentado para o uso abusivo de substância, notadamente do álcool. Estudo de McCrady (1999) mostrou uma prevalência de uso abusivo de drogas em 16% da população com Transtorno do Pânico.
É muito importante avaliar a presença de comorbidades nos pacientes com dependência química para maior eficácia do tratamento. Além de proporcionar o não-uso da substância, o tratamento objetiva assistir intensivamente a eventual síndrome de abstinência, a correção de estados agudos de ansiedade e depressão, idéias delirantes e eventuais alucinações.

para referir:Ballone GJ - Dependência Química e outras doenças mentais - in. PsiqWeb, Internet, disponível em http://www.blogger.com/, 2010.

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