Heather Chen*
Da BBC News em Kelantan, Malásia
Confira o relato da estudante Siti Nurannisaa, a primeira a sentir os "sintomas", à BBC News.
Os alarmes tocaram.
Estava em minha mesa quase dormindo quando senti alguém batendo muito forte no meu ombro.
Virei-me para ver quem era e a sala ficou escura de repente.
O medo me invadiu. Senti uma dor aguda nas minhas costas e minha cabeça começou a girar. Caí no chão.
Antes de que me desse conta, estava em "outro mundo". Cenas de pura violência.
A coisa mais assustadora que vi foi um rosto maligno.
Estava me assombrando, não consegui escapar. Abri minha boca e tentei gritar, mas nenhum som saiu.
Desmaiei.
O ataque de Siti desencadeou uma poderosa reação em
cadeia que percorreu toda a escola. Em poucos minutos, alunos de outras
salas de aula começaram a gritar, e seus gritos frenéticos podiam ser
ouvidos pelos corredores.
Uma menina desmaiou depois de afirmar ter visto a mesma "figura sombria".
Sem saber o que acontecia, professores em pânico e
estudantes montaram barricadas. De repente, a escola secundária parecia
um cenário de guerra. Curandeiros espirituais islâmicos foram chamados
para realizar sessões de oração em massa.
Ao fim do dia, 39 pessoas foram consideradas afetadas por um surto de "histeria em massa".
A histeria em massa, ou doença psicogênica em massa,
como também é conhecida, é a rápida disseminação de sintomas físicos,
como hiperventilação e espasmos, em um grupo considerável de pessoas -
sem causa orgânica plausível.
"Trata-se de uma reação coletiva ao
estresse que leva a uma superestimulação do sistema nervoso", diz o
sociólogo médico americano Robert Bartholomew. "Pense nisso como um
problema de software."
As razões por trás da histeria em massa são
em geral pouco compreendidas e não estão listadas no Manual Diagnóstico
e Estatístico de Transtornos Mentais, usado por profissionais da área.
Mas psiquiatras como Simon Wessely, do hospital King's College, em
Londres, no Reino Unido, atribuem o fenômeno ao "comportamento
coletivo".
"Os sintomas apresentados são reais - desmaios, palpitações,
dores de cabeça, náuseas, tremores e até convulsões", diz ele. "Muitas
vezes o episódio é atribuído a uma condição médica, mas para o qual
nenhuma explicação biomédica convencional pode ser encontrada."
A transmissão, acrescenta, "é em grande parte devido a fatores psicológicos e sociais".
Surtos assim foram registrados em diversas partes do
mundo, com casos que datam da Idade Média. Incidentes na Malásia
aconteceram principalmente entre trabalhadores de fábricas durante os
anos 1960. Hoje, afetam principalmente crianças em escolas e internatos.
Robert Bartholomew passou décadas pesquisando o fenômeno na Malásia. Ele chama o país de "capital mundial da histeria em massa".
"É
um país profundamente religioso e espiritual, onde muitas pessoas,
especialmente as que vivem nos Estados rurais e conservadores, acreditam
nos poderes do folclore tradicional e do sobrenatural", diz.
Mas o
assunto continua sendo delicado no país. Na Malásia, meninas
adolescentes da maioria étnica muçulmana malaia são, normalmente, o
grupo mais afetado.
"Não há como negar que a histeria em massa é
um fenômeno majoritariamente feminino", diz Bartholomew. "É a única
constante na literatura (acadêmica)".
Siti diz que se sentiu mais pressionada durante
seu último ano letivo por causa das provas.
"Estava me preparando
há semanas, tentando memorizar minhas anotações, mas algo estava
errado", diz ela. "Parecia que nada estava entrando na minha cabeça."
O
incidente na escola deixou Siti incapaz de dormir ou comer de modo
adequado. Foi necessário um mês de descanso para ela pudesse voltar aos
eixos.
Um surto de histeria em massa geralmente começa com o
que os especialistas chamam de "paciente zero", a primeira pessoa a ser
afetada.
Nesse caso, a paciente zero foi Siti.
"Isso não
acontece da noite para o dia", diz Robert Bartholomew. "Começa com uma
criança e depois se espalha rapidamente para as outras por causa de uma
exposição a um ambiente onde há muita pressão."
Assim, basta um
grande pico de ansiedade em um grupo, como ver um colega de classe
desmaiar ou ter um ataque - para provocar uma reação em cadeia.
Rusydiah Roslan nunca se esquecerá de ver sua melhor
amiga naquele estado. "Siti estava gritando incontrolavelmente. Ninguém
sabia o que fazer. Estávamos com medo de tocá-la."
As garotas
sempre foram muito próximas, mas os eventos do ano passado fortaleceram
seu vínculo. "Isso nos ajuda a falar sobre o que aconteceu. Isso nos
ajuda a seguir em frente", diz Rusydiah.
Ele e o
cinegrafista de TV Chia Chee Lin se lembram de um abril tenso. "Era um
período de histeria em massa e os casos estavam acontecendo sem parar,
se espalhando de uma escola para outra", lembra Chia.
Um episódio
na cidade vizinha de Pengkalan Chepa atraiu uma atenção considerável da
mídia. Alunos e professores foram descritos em relatórios como
"possuídos" depois de verem uma "figura escura e sombria" espreitando ao
redor do complexo. Cerca de cem pessoas foram afetadas.
Siti
nos mostra um local isolado ao lado de uma quadra de basquete. "Aqui
foi onde tudo começou", diz, apontando para uma fileira de troncos de
árvores. "Meus colegas de escola disseram que viram uma mulher idosa de
pé entre as árvores".
"Não pude ver o que eles viram, mas suas reações foram reais."
É difícil determinar o que realmente aconteceu
naquele dia em Pengkalan Chapa 2, mas as autoridades não perderam tempo
em atacar o que acreditavam ser a fonte do problema.
"Vimos de
nossas salas de aula quando os trabalhadores chegaram com serras
elétricas para cortar as árvores", diz Siti Ain. "As árvores antigas
eram lindas e foi triste vê-las sendo cortadas, mas entendi o porquê."
Como
muitos estudantes aqui, ela encara o que aconteceu naquele dia não como
um surto de histeria em massa, mas como um evento sobrenatural.
"Qualquer
pai se sentiria mal ao ver um filho sofrer", diz Azam Yaacob, pai de
Siti. Ele diz que a filha nunca teve nenhum "problema psicológico".
Os psicólogos clínicos, como Irma Ismail, da Universiti Putra
Malaysia, não descartam o poder dessas crenças quando se trata de casos
de histeria em massa.
"A cultura malaia tem sua própria visão
sobre o fenômeno", diz ela. "Uma abordagem mais realista é a integração
de crenças espirituais com tratamento adequado da saúde mental."
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/internacional-49325367
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