Um em cada quatro brasileiros (23,7%) com 60 anos ou mais consome álcool. Além disso, 6,7% (aproximadamente 2 milhões de idosos) relatam consumir diversas doses de uma só vez, formando um padrão de consumo abusivo e extremamente prejudicial conhecido como binge drinking. E 3,8% (mais de 1 milhão) costumam beber, em uma semana típica, entre 7 a 14 doses por semana, quantidades que podem colocar em risco sua saúde.
As informações são de um estudo conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado nas revistsa científicas Substance Use & Misuse e BMJ Open. De acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), os números mostram que o consumo de bebidas pelos idosos no Brasil pode ser considerado um problema de saúde pública. E esse cenário não é exclusivo do Brasil.
Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde pública também estão cada vez mais alarmadas com o consumo de álcool dos idosos. O número anual de mortes relacionadas com o álcool de 2020 a 2021 ultrapassou 178 mil, de acordo com dados divulgados recentemente pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Isso representa mais mortes do que todas as overdoses por drogas combinadas.
Uma análise do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo
mostra que as pessoas com mais de 65 anos representavam 38% desse total.
De 1999 a 2020, o aumento de 237% nas mortes relacionadas com o álcool
entre aqueles com mais de 55 anos foi superior ao de qualquer grupo
etário, exceto entre os de 25 a 34 anos.
Em grande parte, os americanos não conseguem reconhecer os perigos do
álcool, afirma George Koob, diretor do instituto que conduziu o estudo.
— O álcool é um lubrificante social quando usado dentro das diretrizes,
mas não creio que eles percebam que à medida que a dose aumenta, ele se
torna uma toxina. E é ainda menos provável que a população mais velha
reconheça isso — o especialista argumenta.
Além disso, uma análise feita em 2018 concluiu que o consumo excessivo de álcool (definido como quatro ou mais bebidas em uma única ocasião para as mulheres, cinco ou mais para os homens) aumentou quase 40% entre os americanos mais velhos nos últimos 10 a 15 anos.
Por que esse aumento está acontecendo?A pandemia claramente desempenhou um papel importante no aumento de casos de consumo excessivo de álcool. Segundo estatísticas do CDC, houve crescimento no número de mortes atribuídas diretamente ao consumo de álcool, de atendimentos de emergência associados ao álcool e das vendas de álcool per capita entre 2019 e 2020, à medida que a Covid-19 se espalhava mundialmente e restrições eram estabelecidas.
— Muitos fatores de estresse nos impactaram bastante, principalmente o isolamento e as preocupações de adoecer. A mudança nos dados indicam a tendência das pessoas de beber mais para lidar com esse estresse — Koob constata.
Os pesquisadores também citam um fenômeno chamado efeito de coorte, isto é, variações nos resultados do estudo em grupos específicos. De acordo com Keith Humphreys, psicólogo e pesquisador de dependência em Stanford, os boomers (pessoas nascidas entre as décadas de 1940 e 1960) são uma geração que "usa mais substâncias", em comparação com aqueles que vieram antes e depois deles, e parecem não abandonar seu comportamento juvenil.
— Ao contrário dos estereótipos, as pessoas instruídas da classe média alta têm taxas mais elevadas de consumo de álcool. Nas últimas décadas, à medida que as mulheres foram ficando mais instruídas, elas ingressaram em locais de trabalho onde beber era normativo, e elas também tinham mais renda disponível. As mulheres que se aposentam agora têm maior probabilidade de beber do que as suas mães e avós — o psicólogo explica.
No entanto, o consumo de álcool representa um impacto ainda maior para os idosos, especialmente para as mulheres, que ficam intoxicadas mais rapidamente do que os homens porque são menores e têm menos enzimas intestinais que metabolizam o álcool.
Os idosos podem argumentar que estão apenas bebendo como sempre fizeram, mas as quantidades equivalentes de álcool têm consequências muito mais desastrosas para os mais velhos, cujos corpos não conseguem processá-lo tão rapidamente, alerta David Oslin, psiquiatra da Universidade da Pensilvânia e do Centro Médico para Veteranos de Guerra, na Filadélfia.
— O excesso causa redução do tempo de resposta do pensamento e da capacidade cognitiva à medida que o paciente envelhece — esclarece.
Já muito associado a doenças hepáticas, o álcool também agrava doenças cardiovasculares e renais, se você bebe há muitos anos, além de causar um aumento na incidência de certos tipos de câncer, o psiquiatra adverte. Segundo ele, beber contribui para quedas, uma das principais causas de lesões à medida que as pessoas envelhecem, e perturba o sono.
Os idosos também tomam muitos medicamentos prescritos e o álcool interage com muitos deles. Essas interações são comuns com analgésicos e soníferos, como os benzodiazepínicos, às vezes causando sedação excessiva. Em outros casos, o álcool pode reduzir a eficácia de um medicamento.
Caminhos para a soluçãoUma proposta para combater o uso indevido de álcool entre os idosos é aumentar o imposto federal sobre o álcool, pela primeira vez em décadas.
— O consumo de álcool é sensível ao preço e é bastante barato neste momento em relação à renda — ressalta Humphreys.
Resistir ao lobby da indústria e encarecer o álcool, tal como impostos mais elevados tornaram os cigarros mais caros, poderia reduzir o consumo.
Os tratamentos para o uso excessivo de álcool, incluindo psicoterapia e medicamentos, não são menos eficazes para pacientes mais velhos, esclarece Oslin.
— Na verdade, a idade pode garantir uma resposta positiva. Além disso, o tratamento não significa necessariamente que você tenha que se abster. Trabalhamos com as pessoas para moderar o consumo de álcool — argumenta.
Mas a lei federal de 2008, que exige que as seguradoras de saúde proporcionem paridade – ou seja, a mesma cobertura médica é oferecida para curar problemas físicos e tratar da saúde mental– não se aplica ao Medicare, o plano de saúde oferecido pelo governo dos EUA a pacientes com mais de 65 anos. Vários grupos políticos e de defesa dos direitos de idosos estão trabalhando para eliminar tais disparidades.
Dean Nordman nunca procurou tratamento para o seu alcoolismo, mas após a cirurgia de emergência, os seus filhos o transferiram para um lar de idosos, onde os antidepressivos e a falta de acesso ao álcool melhoraram o seu humor e a sua sociabilidade. Ele morreu no asilo, em 2017.
Doug Nordman, a quem seu pai apresentou a cerveja aos 13 anos, bebia muito e chegava ao ponto do desmaio quando era estudante universitário. Depois dessa fase, passou a beber socialmente.
Mas ao ver seu pai recusar ajuda, “percebi que isso era ridículo”, ele relembra. O álcool poderia agravar a progressão do declínio cognitivo e ele tinha histórico familiar. Ele continua sóbrio desde aquele telefonema, há 13 anos.
FONTE: https://www.folhape.com.br/noticias/por-que-idosos-estao-bebendo-mais/327133/
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