Mais de 60 mil pessoas morreram por maus-tratos no Hospital Colônia em Barbacena, Minas Gerais, e muitos cadáveres vendidos a universidades
Fundando em 1903 em Barbacena, o Hospital Colônia, o maior
hospital psiquiátrico de Minas Gerais, ficou conhecido a partir de 1961
pela forma brutal como tratava seus pacientes, 70% dos quais não sofria
de doença mental. No interior do manicômio, mais de 60 mil pessoas
sucumbiram de frio, fome, diarreia, maus-tratos, pneumonia, abandono e
até tortura. Hoje, mais de um século após a inauguração daquele que se
tornou, na década de 1960, o mais brutal dos manicômios mineiros, poucos
brasileiros lembram dos horrores a que internos eram submetidos e até
agora ninguém foi punido pelo massacre.
De acordo com relatos de médicos, ex-pacientes e testemunhas, muitos
dos quais reunidos no Museu da Loucura, um tributo às vítimas da
instituição inaugurado em 1996 no torreão do antigo Hospital Colônia, os
corpos de pacientes mortos eram vendidos para 17 faculdades de medicina
até o início dos anos 80. O comércio de corpos incluía a negociação de
peças anatômicas, como fígado e coração, além de esqueletos, e muitos
internos participavam da função de “desencarnar” os colegas mortos para a
venda de esqueletos (a prática consistia em colocar cadáveres em tonéis
com ácido para tirar-lhes a carne). As ossadas dos “loucos de
Barbacena” encontram-se expostas em cemitério desativado da cidade.
O hospital tinha, inicialmente, capacidade para 200 leitos, mas
atingiu a marca de cinco mil pacientes em 1961, tornando-se o endereço
de uma verdadeira chacina. Transformada em um dos maiores hospícios do
país, começou a inchar na década de 30, mas foi durante a ditadura
militar que os conceitos médicos simplesmente desapareceram. Para lá
eram enviados desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães
solteiras, alcoólatras, mendigos, pessoas sem documentos e todos os
tipos de indesejados, inclusive, doentes mentais. Em 1961, a revista O
Cruzeiro publicou uma série de imagens do manicômio e seus pacientes,
que anos depois foram resgatadas no livro “Colônia”. Trata-se de uma das
raras documentações de um dos mais cruéis porões da loucura
brasileiros.
‘Trem de doido’
Não havia qualquer critério para internação no Hospital Colônia. Os
desafetos sociais eram enviados a Barbacena no chamado “trem de doidos”,
que vinha de várias partes do país. A maneira como os pacientes eram
abarrotados nos vagões de carga lembrava os campos de concentração
nazista.
Entrar na Colônia era uma sentença de morte. Não havia remédios,
comida, roupas, infraestrutura, o esgoto servia de fonte de água, fezes
de alimento, e os pacientes definhavam, amontoados no chão sujo, como
animais. Eletrochoques eram dados indiscriminadamente e, por vezes, a
energia elétrica da cidade não era suficiente para aguentar a carga.
Atualmente 190 pacientes asilares estão internados no hospital que
passou a ser chamado de Centro Hospitalar Psiquiátrico de Barbacena
(CHPB), uma unidade da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais
(Fhemig). Segundo o diretor Jairo Toledo, a sobrevida da instituição
deve durar no máximo, mais uma década.
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