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segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Brasil tem a população mais ansiosa do mundo

 Por Rone Carvalho, BBC

 

 Quando não tratada corretamente, a ansiedade pode virar uma adversidade e desencadear outros transtornos mentais, como a depressão, que acomete aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).Aos 19 anos, a estudante Julia de Mello Precioso representa um dos 18,6 milhões de brasileiros que possuem transtorno de ansiedade.

"No começo, me sentia desmotivada, meu coração ficava extremamente acelerado, tinha falta de ar, mudanças drásticas de humor. Mas ao passar do tempo esses sintomas foram aumentando e chegou no ponto deu somente chorar e não ter vontade de socializar."

Histórias como a dela estão sendo cada vez mais comuns no mundo, principalmente, após a pandemia do coronavírus. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que no primeiro ano da pandemia de Covid-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%.

"Uma das principais explicações para esse aumento é o estresse sem precedentes causado pelo isolamento social decorrente da pandemia, além das restrições à capacidade das pessoas de trabalhar, busca de apoio de familiares e vida social ativa. A solidão, medo de se infectar, sofrimento e morte de pessoas próximas foram fatores estressores que levaram à ansiedade e depressão", disse Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela OMS, o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo.

Para se ter uma ideia, aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).

Índice elevado de desemprego, recorrentes mudanças no rumo da economia e falta de segurança pública são apontados por especialistas ouvidos pela BBC Brasil como principais fatores para a alta prevalência de transtornos de ansiedade na população.

"O Brasil tem uma alta taxa de violência, que faz muitas pessoas saírem de casa com o receio de serem assaltadas. Receio que gera ansiedade", apontou Rafael Boechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).

Especializada em acolher pacientes com transtornos mentais, a psicóloga Adriana Botarelli conta que as próprias dificuldades econômicas contribuem para o alto número de pessoas ansiosas.

"A maior parte da população do Brasil tem pouco acesso a serviços de saúde mental, muitas horas de trabalho por dia, inseguranças quanto ao futuro e pouca qualidade de vida. Todos esses fatores trazem sentimentos de medo, preocupação e angústia."

Já Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do departamento de ciências neurológicas, psiquiatria e psicologia médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), acredita que o uso excessivo de computadores e smartphones também explica a alta prevalência de ansiedade no Brasil. 

"A rede social gera uma série de cobranças nas pessoas. Você praticamente começa a querer ser magro e esportista como o influenciador."

Um estudo realizado pela Canadian Journal of Psychiatry comprovou que, quanto maior o uso de telas, maior o nível de ansiedade. 

Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, mostrou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram ter sintomas de ansiedade ou depressão durante as atividades remotas impostas pela pandemia.

"A ansiedade é mais comum na infância e adolescência, porque a pessoa ainda não conhece o mundo. É uma fase que o ser humano ainda está em desenvolvimento e a criança está extremamente vulnerável ao que acontece. Assim, uma briga dos pais em casa, por exemplo, pode despertar um quadro de ansiedade no filho", afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor da Famerp. 

Pesquisas apontam que a ansiedade patológica está diretamente relacionada ao processo de aprendizado, ambiente que o indivíduo está inserido ou fatores genéticos do paciente.Em alguns casos, como no processo de aprendizado, ela pode ser evitada a partir da orientação de pais e educadores.

"Um exemplo são mães que não deixam o filho fazer um inúmeras coisas por medo de que ele se machuque", explicou Ênio.

Na parte ambiental, a recomendação para diminuir as chances de crianças terem ansiedade patológica é o de preparar um ambiente menos ansiogênico, ou seja, sem "gatilhos".

Em contrapartida, quando a ansiedade é oriunda de fatores genéticos não há o que fazer para evitar, mas apenas procurar orientação médica.

"Sempre que os sintomas começam a atrapalhar a vida da pessoa, é a hora de buscar um psiquiatra para uma avaliação do quadro. Ansiedade e tristeza são características normais do ser humano, mas a partir do momento em que nos impedem de sair de casa, trabalhar, levar uma vida social ativa, nos relacionar com outras pessoas, devemos procurar auxílio", afirmou Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Psicofobia atrapalha

Um dos grandes desafios no combate as altas taxas de ansiedade é o forte estereótipo existente sobre os transtornos mentais. No Brasil, o preconceito em relação a pessoas que sofrem com distúrbios psiquiátrico é conhecido como psicofobia.

Jorge* lembra bem de quando teve sintomas do transtorno de ansiedade na adolescência e encontrou resistência dentro de casa para procurar ajuda especializada.

"De início, minha mãe me levou em um centro espírita. Meio que relutou em me levar no médico, mas como os sintomas persistiram marcamos uma consulta com um psiquiatra. Foi quando descobri que estava com transtorno de ansiedade."

A psicóloga Adriana Botarelli acredita que desmitificar a saúde mental e popularizar a ideia de procurar ajuda especializada é o caminho para o Brasil conseguir superar a alta incidência de ansiedade.

"Muitas pessoas ainda consideram tabu falar sobre transtornos mentais e acabam não cuidando de transtornos, seja por medo de serem chamados de 'loucos' por fazer tratamento psicológico e psiquiátrico, ou ainda por medo de medicação, acreditando que ficarão viciados ou sedados."

Já Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirma que o ideal é que desde cedo crianças e adolescentes possam falar abertamente sobre saúde mental nas escolas e em casa, para que cresçam sem o estigma recorrente entre pessoas idosas.

"Precisamos de políticas públicas que estimulem os cuidados e a quebra desse estigma. Somente desta forma o portador de doença mental poderá viver de forma independente e autônoma, tendo oportunidades de trabalho, perseguindo suas metas e usufruindo de oportunidades com dignidade e plena inserção social", falou Silva.Para quem convive com a ansiedade, atualmente, de forma harmônica, o segredo é não negar os seus sentimentos.

"Hoje, voltei a praticar exercícios físicos, consigo controlar mais meus pensamentos e identificar quando estou ansiosa. A ajuda de um profissional e força de vontade são cruciais", afirmou Julia.

Já Gerardo afirma que mais importante do que frequentar a terapia é o paciente reconhecer como usar a ansiedade ao seu favor.

"A grande questão não é ter ou não a ansiedade, mas a intensidade dela. Eu sempre falo que de 0 a 10, uma ansiedade 3 a 3,5 é uma ansiedade 'do bem'. Que é aquela dose de ansiedade que precisamos para realizar nossas atividades. Quando passa disso já é um sinal de alerta."

Tipos de transtornos ansiosos

Transtorno de ansiedade generalizada: tem como principal característica a preocupação excessiva e generalizada sem motivos óbvios em situações do dia a dia. Ou seja, o paciente fica sempre antecipando que algo de ruim vai acontecer, permanecendo em um estado de constante preocupação.

Transtorno de pânico: tem como principal característica uma sensação de medo intensa e repentina seguida por sintomas físicos (aceleração dos batimentos cardíacos e da respiração, suor frio, falta de ar, tontura, tremores, entre outros). Esses episódios podem acontecer a partir de qualquer momento, durando até 30 minutos.

Transtorno de ansiedade social: quem tem transtorno de ansiedade social, ou fobia social, tem intensa dificuldade em interagir com outras pessoas. Isso pode se referir desde a uma conversa com um grupo ou até mesmo a apresentação de um trabalho para a turma em ambiente de ensino. Dessa forma, o gatilho para o surgimento dos sintomas típicos da ansiedade costuma transitar na área da socialização. Dessa forma, a fobia social contribui pra que o paciente busque se isolar cada vez mais, evitando as suas fontes de angústia.

Agorafobia: é o transtorno de ansiedade relacionado a estar em situações ou locais sem uma maneira fácil de escapar. Em geral, trata-se de casos sem um perigo iminente óbvio, mas, mesmo assim, a pessoa se sente angustiada em busca de uma saída. Um dos casos mais comuns de agorafobia costuma ser o de não suportar ficar em locais lotados ou muito fechados, como dentro de um ônibus ou avião. Quem sofre com esse transtorno também costuma não se sentir bem em elevadores e demais espaços pequenos.

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): tem como principal característica as lembranças recorrentes e intrusivas de um acontecimento que foi altamente angustiante para o paciente. Esse episódio traumático pode ser desde um acidente até a morte de um ente querido. O que diferencia o TEPT de um quadro de choque ou tristeza convencional é a prevalência dos seus sintomas, que vão de dificuldades para dormir até hipervigilância. 

Transtorno de estresse agudo: a principal diferença do transtorno de estresse agudo para os demais tipos de ansiedade é que ele geralmente ocorre a partir da vivência ou testemunho de um evento traumático específico. Assim, o paciente fica revivendo aquele acontecimento e se angustiando com ele de maneira constante. Por ser um quadro agudo, ele não costuma durar muito tempo. Em até um mês, os sintomas geralmente se amenizam. No entanto, ainda assim é válido obter o diagnóstico de um especialista para avaliar o caso e contar com o tratamento adequado.

Mutismo seletivo: se caracteriza principalmente pela incapacidade de se comunicar verbalmente em situações sociais. O caso é diferente da fobia social, ou transtorno de ansiedade social, porque geralmente costuma cessar antes da adolescência ou vida adulta.

Transtorno de ansiedade de separação: aquela sensação de ter saudades de casa pode se manifestar de maneira muito mais grave na forma do transtorno de ansiedade de separação. Nesse caso, o paciente passa por sensações de angústia e desespero ao se separar de um ambiente que considera familiar e agradável.

Transtorno de ansiedade induzido por substância: o uso de substâncias específicas também pode ocasionar quadros de transtorno de ansiedade. Isso vale desde o caso de medicamentos convencionais até drogas perigosas, como é o caso de cocaína, heroína, maconha, entre outras.

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/27/por-que-o-brasil-tem-a-populacao-mais-ansiosa-do-mundo.ghtml

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

o consumo do álcool piora a qualidade do sono.

  •   Emma Sweeney e Fran Pilkington-Cheney

Se você consumir álcool antes de ir para a cama, ele pode gerar inicialmente um efeito sedativo, fazendo você adormecer mais rapidamente.

Mas, embora possa parecer que a bebida antes de dormir acelera o adormecimento, pesquisas recentes indicam que este efeito sedativo somente ocorre, na verdade, após o consumo de doses mais altas de álcool (3 a 6 taças padrão de vinho, dependendo da pessoa) até três horas antes de ir dormir.

Talvez ainda pareça benéfico, mas não se recomenda usar o álcool para adormecer, não só devido aos seus efeitos prejudiciais à saúde, mas também porque a substância prejudica o sono durante a noite.

O álcool perturba principalmente o sono REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês). Ele atrasa o primeiro episódio de sono REM e reduz o total subsequente desta fase do sono ao longo da noite.

A bebida também pode fazer você acordar com mais frequência ou causar sono mais leve de madrugada. Isso é significativo, pois o sono REM — também conhecido como "sono dos sonhos" — é considerado importante para a memória e para regular as emoções.

Estas perturbações do sono REM são observadas mesmo com o consumo de baixas doses de álcool (cerca de duas bebidas padrão) até três horas antes de dormir.

Perturbações do sono de qualquer tipo podem fazer você se sentir mais cansado no dia seguinte. E os distúrbios do sono REM também podem gerar dificuldades na consolidação da memória e prejudicar as funções cognitivas e a regulagem das emoções.

Por que o álcool afeta o sono

Em primeiro lugar, o álcool aumenta a ação de um mensageiro químico no cérebro chamado GABA. Ele tem efeito sedativo que, segundo se acredita, contribui para a sensação de sono verificada entre muitas pessoas que consomem álcool.

O álcool também pode aumentar os níveis de adenosina, outro mensageiro químico, que é importante para a sonolência. Mas o aumento dessas substâncias quando bebemos tem vida curta.

Depois que o corpo metaboliza o álcool, costuma haver um "efeito rebote", que faz o corpo tentar compensar as mudanças das funções fisiológicas e do sono induzidas pela bebida. É por isso que algumas pessoas apresentam sono leve e interrompido ao longo da noite, depois de beber.

Beber álcool antes de dormir pode gerar sono leve ou interrompido durante a madrugada.

O álcool também influencia o ritmo circadiano – o relógio de 24 horas do corpo que reage às indicações da luz ambiental para sincronizar nosso ciclo de sono e vigília.

Uma das formas de ação do ritmo circadiano é a liberação de hormônios específicos em certas horas do dia.

O nosso corpo libera melatonina quando escurece, por exemplo, para nos fazer sentir cansaço e dormir por toda a noite.

Mas o álcool afeta a produção de melatonina e altera nossa temperatura corporal.

Além disso, o álcool relaxa os músculos das vias aéreas, o que pode exacerbar o ronco, possivelmente prejudicando também o sono do seu parceiro.

Por fim, o efeito diurético do consumo de álcool antes de dormir pode causar aumento das visitas ao banheiro durante a noite, prejudicando ainda mais o sono noturno.

Como conseguir uma melhor noite de sono

A boa notícia para as pessoas que gostam de beber antes de dormir ou passar a noite fora é que muitos dos efeitos negativos do álcool sobre o sono têm vida relativamente curta. Eles podem ser revertidos evitando o álcool ou reduzindo seu consumo.

Pode levar mais tempo para que o sono e o ritmo circadiano retornem ao normal entre as pessoas que bebem com mais frequência e em maior quantidade, mas deixar de beber pode ajudar.

A melhoria do sono irá deixar você se sentindo mais renovado, beneficiando também sua saúde e bem-estar em geral.

* Emma Sweeney é professora de ciências do esporte da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.

Fran Pilkington-Cheney é professora de psicologia e sono da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.

FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy4m8k4408po