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quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Consumo de álcool no Brasil supera a média mundial

 


O consumo de álcool no Brasil supera a média mundial e apresenta taxas superiores a mais de 140 países. Os dados são da Organização Mundial da Saúde (OMS) que, em um informe publicado nesta segunda-feira, 12, alertou que 3,3 milhões de mortes no mundo em 2012 (5,9% do total) foram causadas pelo uso excessivo do álcool. O volume é superior a todas as vítimas causadas pela aids e tuberculose.

Segundo a entidade, a bebida pode não só criar dependência, mas também leva ao desenvolvimento de outras 200 doenças.

A OMS avaliou dados de 194 países e chegou à conclusão de que o consumo médio mundial para pessoas acima de 15 anos é de 6,2 litros por ano. No caso do Brasil, os dados apontam que o consumo médio é de 8,7 litros por pessoa por ano. Esse volume caiu entre 2003 e 2010. Há dez anos, a taxa era de 9,8 litros por pessoa.

Hoje, entre os países avaliados, o Brasil ocupa a 53.ª posição entre os que mais consomem álcool. A liderança é da Bielorrússia, onde o consumo anual per capita chega a 17,5 litros, duas vezes o volume brasileiro. Mas as projeções até 2025 mostram que o consumo no Brasil voltará a aumentar, ultrapassando a marca de 10,1 litros por ano por pessoa. Em 1985, o índice não chegava a 4 litros.

No caso brasileiro, a diferença entre o consumo masculino e feminino é profunda. Entre os homens, a taxa chega a mais de 13 litros por ano. Para as mulheres, ela é de 4 litros. Cerca de 60% do consumo é de cerveja; apenas 4% é representado pelo vinho.

Mas o que mais preocupa a OMS são os casos de abusos no consumo. No mundo, a média é de 7,5% da população que experimentou em algum momento do ano consumo excessivo de álcool. No Brasil, porém, a taxa de pessoas que participam de episódios de consumo pesado é de 12,5%. Em um ranking de números de anos perdidos de vida saudável, o Brasil está entre os líderes.

Entre a população brasileira que bebe, um terço identificou que já abusou do álcool em alguma ocasião. A taxa é bem superior à média mundial, de 16%.

Os dados revelam que são as classes mais pobres que mais sofrem com o impacto social e de saúde do álcool. "Elas frequentemente carecem de cuidados à saúde de qualidade e são menos protegidas por redes funcionais de família e comunidade", disse Shekhar Saxena, diretor de saúde mental e abuso de substâncias da OMS.

 

FONTE: Estadão 12/05/2014(link is external)

sexta-feira, 23 de agosto de 2024

'Sou psicopata e quero que a sociedade entenda meu transtorno'

 André Biernath

  • Role, Da BBC News Brasil em Londres
  • Twitter,

    Um comercial de TV dos anos 1990 trouxe um dos primeiros sinais de que a advogada americana Jamie L. — que usa o pseudônimo M. E. Thomas — poderia ter algum transtorno de personalidade.

    "Na infância, aos 8 ou 9 anos, estava assistindo televisão com meu pai quando vi uma propaganda sobre uma campanha de arrecadação de fundos contra a fome na África. As imagens mostravam uma criança muito magra. Na cena seguinte, uma mosca pousava nos olhos dessa criança, que não esboçava nenhuma reação", descreve ela.

    "Eu comentei: 'Nossa, mas que criança burra… Ela não consegue nem afastar uma mosca dos próprios olhos?'"

    O pai de Thomas, claro, estranhou a reação da filha e questionou se ela não tinha empatia.

    "Eu não sabia o que essa palavra significava. Ao entender o que era empatia, percebi que talvez não tivesse mesmo esse sentimento", relata ela.

    Thomas compartilhou essa história durante uma roda de conversa promovida no dia 12 de agosto pela Psycopathy Is ("Psicopatia É", em tradução livre), uma associação criada por pesquisadores nos Estados Unidos para fomentar estudos sobre esse transtorno psiquiátrico.

    O grupo — o primeiro e único no mundo focado neste tema — também oferece suporte a famílias com casos de psicopatia e realiza campanhas de conscientização sobre o transtorno.

    Dias depois da palestra, Thomas aceitou o convite para conversar com a BBC News Brasil, onde compartilhou alguns outros episódios que vivenciou nas últimas décadas e sua trajetória antes e depois do diagnóstico.

    Antes de entrar nos detalhes da entrevista, vale fazer uma breve explicação técnica.

    Atualmente, os manuais de psiquiatria não usam mais os termos sociopatia ou psicopatia — algo que gera muita controvérsia e intermináveis debates entre especialistas da área.

    Essas duas condições, psicopatia e sociopatia, estão de alguma maneira englobadas no chamado "transtorno de personalidade antissocial" — embora existam testes que avaliem especificamente traços de psicopatia.

    A Associação Americana de Psiquiatria classifica a condição como "uma das doenças mentais mais incompreendidas, com pouco diagnóstico e tratamento".

    Ela faz parte de um grupo maior de enfermidades que afetam a personalidade, que também inclui condições como o borderline, o narcisismo, o transtorno obsessivo-compulsivo (TOC), a paranoia, entre outros.

    Como é possível notar em vários trechos da entrevista, Thomas mesmo utiliza todos os termos — sociopatia, psicopatia e transtorno de personalidade antissocial — para descrever sua condição.

    Ela começa contando sobre um episódio que viveu na transição entre a infância e a adolescência.

    "Quando tinha uns 12 anos, o pai de uma amiga veio falar comigo. Ele me disse que a filha dele me adorava e prezava pela nossa amizade, mas gostaria que eu parasse de bater nela", relata Thomas.

    "Eu fiquei muito surpresa, porque nunca havia percebido que fazia aquilo."

    A advogada também lembra de alguns episódios da infância e da adolescência em que ela invadiu a casa de pessoas próximas.

    "A ideia era apenas fazer uma brincadeira, como mudar algumas coisas de lugar para deixar os moradores confusos. Eu acreditava que isso seria engraçado, mas hoje percebo que se tratava de uma enorme invasão de privacidade."

    Nos tempos de escola, Thomas também passou por episódios de agitação — como quando arremessava livros ou dicionários em colegas durante uma aula particularmente tediosa.

    "Também brincávamos de um futebol americano sem nenhuma regra. Eu pegava alguns colegas e dava socos e mais socos neles."

    Ainda na adolescência, Thomas diz ter feito apostas com uma amiga para ver quem conseguiria beijar um garoto que ambas gostavam. O problema é que ela já sabia de antemão que o menino estava afim dela.

    "Eu não levei em consideração os sentimentos da minha amiga, fui apenas oportunista. Na hora, só pensava nos vinte dólares que iria ganhar", diz.

    "Por outro lado, sempre fui muito bem nas aulas e tirava boas notas. Então os professores não sabiam muito bem como lidar comigo."

    Thomas entende que sempre sentiu uma certa "insensibilidade, uma falta de consciência sobre o que acontecia" ao seu redor.

    No entanto, isso não era algo que chamava sua atenção durante a infância e a adolescência.

    "Eu não me considerava diferente dos demais. Talvez suspeitasse que apenas fosse mais esperta", afirma.

    "Além disso, minha família é numerosa, somos mórmons e todos temos aptidões musicais. Então, de certa maneira, já éramos uma família um tanto esquisita", observa ela.

    Será que você é sociopata?

    Thomas confessa que sempre notou uma "dificuldade em ser colocada em determinadas situações", quando precisava fazer uma espécie de atuação para mascarar aquilo que realmente sentia.

    "Também sempre foi muito difícil me engajar em qualquer coisa, a menos que aquilo me trouxesse um benefício direto."

    Uma das atividades que se encaixou nesse requisito da recompensa foi a faculdade de Direito, onde Thomas formou-se advogada.

    Foi nos tempos de universidade que ela ouviu a primeira sugestão de que poderia sofrer com algum transtorno de personalidade.

    No segundo ano de curso, em meados de 2004, ela fez um estágio num órgão governamental e dividiu o escritório com outra mulher.

    "Não havia muito o que fazer, então conversávamos bastante. E comecei a notar que essa colega tinha várias vulnerabilidades, que eu poderia usar para manipulá-la", lembra.

    "Ela falava abertamente comigo e contou que foi abandonada pelos pais e adotada por outra família, era homossexual e ao mesmo tempo super religiosa."

    Com o passar do tempo, Thomas ficou muito interessada pela colega — e ela própria começou a se abrir mais e a contar detalhes pessoais.

    "Senti que essa colega de estágio não representava qualquer tipo de ameaça para mim. Ela era praticamente um passarinho ferido", compara.

    "Hoje, sei que na verdade ela não era assim, e essa avaliação vinha de meu preconceito psicopata", pondera a advogada.

    Depois de algumas semanas de bate-papo, essa colega de trabalho fez uma pergunta decisiva para a vida de Thomas: "Ela me disse: 'Você já considerou a possibilidade de ser uma sociopata?'"

    A palavra não despertou nenhuma emoção específica na estudante de Direito.

    "Como sou mórmon, não havia visto nenhum dos filmes mais famosos e violentos que abordam esses transtornos, como Psicopata Americano", relata ela.

    Thomas resolveu então buscar na internet o significado do termo e encontrou algumas informações — entre elas, uma lista de 20 sintomas elaborada pelo psicólogo canadense Robert D. Hare, que até hoje é considerada uma das principais ferramentas para fazer o diagnóstico da psicopatia.

    Entre os sinais listados pelo especialista, estão charme, senso grandioso de autoestima, necessidade de estímulos constantes, propensão ao tédio, mentiras frequentes, facilidade de manipular os demais, falta de remorso, ausência de empatia, impulsividade...

    "Cheguei à conclusão que essas características me descreviam muito bem", conta Thomas.

    "Mas à época não dei muito valor a isso. Achei que essas informações eram apenas uma curiosidade qualquer, como descobrir que você tem algum grau de parentesco com uma antiga rainha da França", brinca ela.

    Ao redor de 2008, já formada e com a experiência de trabalhar num escritório de advocacia prestigiado, Thomas começou a ver que sua vida colapsava.

    "A empresa passou a insinuar que não havia futuro para mim ali. Uma amiga muito próxima descobriu que o pai estava com câncer e eu decidi que precisava me afastar, porque ela estava com muitas demandas emocionais."

    "Também enfrentei uma série de problemas em relacionamentos amorosos e com a minha família."

    Nessa época, Thomas notou que a vida dela era marcada por ciclos de cerca de três anos. Depois desse tempo, tudo o que ela construía — em termos de relacionamentos pessoais, amorosos e profissionais — virava ruína.

    "Era como se eu apertasse um botão 'dane-se' e não conseguisse mais cumprir um papel", raciocina ela.

    "Eu não me sentia bem com isso, mas sempre chegava nesse ponto de não gostar mais do trabalho, de cansar de fingir que era uma boa amiga... Eu precisava parar tudo, porque não me sentia mais interessada, como se aquelas coisas não valessem mais a pena."

    Nesses momentos de baixa, Thomas se sentia desgastada por precisar manter uma certa "máscara de normalidade" diante dos outros, quando sentia justamente o contrário.

    "Foi aí que pensei: será que isso acontece comigo porque sou sociopata?"

    Entre o blog e o livro, um diagnóstico

    Nesse mar de incertezas, Thomas decidiu resgatar um hábito da infância e da adolescência: escrever em um diário.

    Só que dessa vez, ela resolveu fazer isso no mundo digital. Para isso, criou o blog Sociopath World ("Mundo Sociopata", em tradução livre).

    "Como usava pseudônimo e nunca me identifiquei, muita gente sempre achou que eu fosse um homem. Ninguém pensava que uma mulher estava por trás do blog", observa.

    Após compartilhar textos na internet por cerca de um ano e meio, a advogada recebeu uma mensagem de uma agente literária, que a convidou para escrever um livro sobre o tema.

    A ideia foi materializada em 2013, com a publicação de Confessions of a Sociopath: A Life Spent Hiding in Plain Sight ("Confissões de uma sociopata: Uma vida escondida à vista de todos", em tradução livre).

    No entanto, antes de iniciar esse projeto, Thomas sentiu a necessidade de confirmar que de fato era acometida por um transtorno — até então, ela tinha fortes suspeitas, mas nunca havia passado pela avaliação de um profissional de saúde.

    "Nesse momento, em meados de 2010, já havia me recuperado e trabalhava como professora de Direito. Se há algo bom de ser psicopata, é essa capacidade de voltar ao auge rapidamente."

    Um psicólogo pediu que ela fizesse uma série de testes cognitivos. Após a consulta, a conclusão estava clara: Thomas tinha mesmo um transtorno de personalidade.

    Ela avalia que receber o diagnóstico "oficial" não representou nenhum significado especial na vida dela.

    "Sabe quando você já suspeita de algo? Para mim, o diagnóstico foi parecido ao caso das mulheres que de certa maneira sentem que estão grávidas e só fazem um teste para confirmar aquilo que já tinham conhecimento", compara ela.

    "Mas, por outro lado, eu até tinha esperanças de que poderia ser diagnosticada com qualquer outra doença, porque assim as coisas seriam muito mais fáceis para mim."

    "Se os profissionais de saúde tivessem detectado um câncer no meu cérebro, por exemplo, seria responsabilidade deles cortar o tumor dali."

    "Agora, o transtorno de personalidade é um trabalho com o qual eu mesma precisarei lidar pelo resto da minha vida", complementa ela.

    No entanto, mesmo com o diagnóstico em mãos, Thomas não iniciou o tratamento logo de cara.

    "Aqui nos Estados Unidos, os seguros de saúde só aceitam pagar por terapias que são consideradas efetivas pelas associações da área. E, estranhamente, não existem tratamentos que se encaixam nesse critério para o transtorno de personalidade antissocial."

    "Muitos especialistas também não se sentem à vontade para lidar com pacientes que tenham sociopatia ou psicopatia", acrescenta.

    Preços de assumir abertamente a psicopatia

    Após o lançamento do livro em 2013, Thomas participou de algumas entrevistas na televisão — e algumas pessoas a reconheceram.

    "Um dos alunos do curso de Direito escreveu à administração da faculdade para dizer que se sentia ameaçado pelo fato de ter uma professora sociopata", diz.

    "A equipe de segurança da universidade me mandou um e-mail para informar que eu não poderia mais ir ao campus."

    "Eu respondi que aquilo era um ato grosseiro de discriminação e que me solidarizava com o fato de o aluno se sentir ameaçado, mas nunca fiz nada diretamente contra ele", afirma.

    "Além disso, eu não tinha, e não tenho, nenhum histórico criminal ou de violência depois de adulta. Achei absurdo alguém manifestar um incômodo pela minha simples existência."

    Segundo Thomas, a direção dobrou a aposta. "Eles me informaram que, além de ser demitida e banida, eu estava proibida de transitar num raio de um quilômetro do campus ou de qualquer pessoa relacionada com a faculdade."

    "Sofri muito preconceito e ninguém parecia ligar", lamenta ela.

    "As pessoas me trataram muito mal e desenvolvi uma espécie de transtorno pós-traumático. Durante a noite, eu acordava de súbito, com crises de ansiedade", conta.

    Nessa mesma época, um irmão da advogada que sempre teve problemas de saúde mental começou a fazer sessões com um psicoterapeuta.

    "Ele fez o tratamento por cerca de dez meses e parecia uma outra pessoa. Ele tinha uma série de problemas e rapidamente se tornou um adulto funcional e competente."

    A advogada resolveu seguir o exemplo do familiar e começou a fazer sessões com o mesmo terapeuta.

    "Por questões relacionadas ao plano de saúde, ele definiu logo de cara que iria tratar o meu transtorno de personalidade, mas não chegou a especificar o tipo."

    Uma das primeiras metas traçadas nas consultas foi lidar com o "vício" em manipular as pessoas.

    "Eu não sabia como manter um relacionamento com alguém sem fazer isso", admite Thomas.

    "O terapeuta me chamava a atenção para determinadas situações e me sugeria maneiras de fazer pequenos ajustes na forma como interagia com os outros", detalha ela.

    A advogada admite que passou a sentir-se bem melhor conforme o tratamento evoluiu.

    "Não foram apenas os relacionamentos que melhoraram, mas a minha própria experiência neles evoluiu. Esse contato com os outros se tornou mais relevante, mais real, e comecei a me importar mais com as pessoas", diz ela.

    "Antes, eu via as interações sociais como algo semelhante a ir para academia. Era algo que eu precisava fazer, mas não necessariamente gostava. Hoje em dia, os relacionamentos são super recompensadores para mim."

    Em 2017, Thomas iniciou um novo projeto: conhecer e conversar com outros indivíduos com suspeita ou diagnóstico de transtorno de personalidade antissocial.

    "A primeira pessoa que visitei foi na Tasmânia, na Austrália. A mais recente foi em Amsterdã, na Holanda, em abril deste ano", informa ela.

    Segundo a advogada, geralmente esses contatos têm dois propósitos principais.

    "Primeiro, há um grupo de pessoas que suspeitam ter sociopatia ou psicopatia. Elas me descobrem pelo blog ou pelo livro e se identificam com o que conto."

    "A segunda categoria engloba os indivíduos que precisam de ajuda. Eles estão num período de dificuldade e não sabem o que fazer para mudar."

    Futuro sem estigmas e preconceitos

    Apesar de entender a importância de falar abertamente sobre a psicopatia e o transtorno de personalidade antissocial, Thomas se ressente do preconceito que precisa enfrentar.

    "Muitas pessoas me tratam mal em nome de uma pretensa intenção de se proteger de mim", destaca ela.

    Talvez o estigma mais forte seja aquele que relaciona psicopatia com violência e atos criminosos.

    A associação Psycopathy Is admite que "a psicopatia aumenta o risco de comportamentos agressivos e antissociais".

    "No entanto, muitas pessoas com psicopatia não são violentas. E muitas pessoas que são violentas não são psicopatas."

    "Cada indivíduo com psicopatia possui diferentes atributos e desafios — e a forma como crianças ou adultos com psicopatia se saem na escola, no trabalho ou em ambientes sociais varia bastante", pontua a entidade.

    Para Thomas, que segue trabalhando com advocacia, esses estigmas relacionados à psicopatia vêm em parte da própria ciência, "por meio de pesquisas que fazem extrapolações e estão longe de representar a diversidade de pacientes com o transtorno".

    "Existem muitos fatores que podem causar a violência, e a psicopatia é apenas uma delas. O mesmo vale para outros transtornos", defende a advogada.

    Mas ela suspeita que muitos preconceitos e temores relacionados à psicopatia têm uma origem ainda mais profunda.

    "De onde vem essa estranha necessidade das pessoas se preocuparem com a forma como os outros manifestam seus sentimentos?", questiona ela.

    A advogada cita o exemplo hipotético de um funeral. Geralmente, é esperado que todos demonstrem tristeza, chorem ou ao menos se compadeçam dos familiares e amigos que estão num momento de sofrimento.

    No entanto, pessoas com transtorno de personalidade antissocial podem não ter esses sentimentos num momento desses — e muitas vezes precisam fingir e atuar para não serem julgados e criticados.

    "Me parece que a sociedade está sempre policiando os sentimentos — e todos aqueles que possuem um universo emotivo diferente, que experimentam a empatia de formas diversas, são discriminados."

    Thomas cita o movimento de humanização do autismo: até pouco tempo atrás, indivíduos com esse transtorno eram excluídos e não existiam estruturas para acolhê-los na sociedade.

    Felizmente, esse cenário está mudando — nos últimos anos, campanhas de conscientização e políticas públicas criaram espaços adaptados, para que pessoas com autismo fossem incluídas e pudessem participar de diversas atividades.

    "Espero que isso seja ampliado para públicos com outras condições além do autismo. Como psicopata, quero que a sociedade entenda e acolha o meu transtorno", diz ela.

    "Sonho com um futuro em que a psicopatia não seja apenas acolhida, mas que pessoas com diferentes diagnósticos psiquiátricos possam expressar suas reações emocionais sem serem julgadas."

    Thomas pondera que "psicopatas que cometeram crimes precisam ser punidos por suas ações".

    "Se eles fizeram algo errado, devem ir à prisão como qualquer um", reforça ela.

    "Mas não me parece correto que pessoas com o transtorno que nunca se envolveram em qualquer problema legal sejam constantemente julgadas, perseguidas e obrigadas a mascarar seus sentimentos."

    "Isso requer muita energia nossa. Seria muito melhor para os psicopatas e para a própria sociedade se pudéssemos ser nós mesmos."

    "Se não tivéssemos que usar tanta força de vontade para mascarar quem somos, talvez sobrasse mais energia para fazer coisas boas pela sociedade, como nutrir relacionamentos ou propor soluções", defende.

    Questionada se há uma única coisa que o público em geral poderia aprender sobre a psicopatia, Thomas responde que é preciso acabar com generalizações que transformam todo um grupo em algo negativo.

    "Certamente existem muitas coisas consideradas ruins entre psicopatas. Mas talvez a primeira delas seja o fato de sermos diferentes", conclui ela.

    FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c1d7ng9gd4wo

    sexta-feira, 21 de junho de 2024

    Novo estudo divide depressão em 6 tipos, com tratamentos diferentes

     Por| Editado por Luciana Zaramela | 19 de Junho de 2024 às 22h01

    Cientistas da Universidade de Stanford classificaram a depressão em seis novos tipos em estudo publicado na revista científica Nature Medicine na última segunda-feira (17) — o trabalho envolveu o imageamento de centenas de pacientes e tecnologias de aprendizado de máquina para detectar padrões de atividade cerebral.

    No tratamento atual da condição, estima-se que 30% dos pacientes tenham o que se chama “depressão resistente ao tratamento”, ou seja, quando terapias e medicamentos geralmente usados pela medicina não produzem melhora. Isso, em geral, deriva da dificuldade de descobrir qual antidepressivo funciona melhor individualmente: a prescrição costuma ser feita por tentativa e erro.

    Buscando melhorar a situação, os pesquisadores estudaram 801 pacientes diagnosticados com depressão ou ansiedade com ressonância magnética, tanto em repouso quanto durante atividades desenhadas para o teste de funções emocionais e cognitivas. 

    Um tratamento para cada depressão

    Com as imagens cerebrais em mãos, os cientistas usaram análise de cluster, um método de agrupamento que usa aprendizado de máquina, para juntar cérebros “semelhantes”, identificando seis padrões de atividade cerebral diferentes. A partir disso, 250 voluntários diferentes foram selecionados para receber um dos três antidepressivos mais comuns usados em tratamentos médicos.

    No cérebro com o padrão de maior hiperatividade nas regiões cognitivas, o medicamento mais efetivo foi a venlafaxina. Já nos cérebros onde o padrão em repouso gera mais atividade associada à depressão e resolução de problemas, a psicoterapia cognitivo-comportamental foi mais eficiente.

    Em um terceiro tipo, onde houve menor atividade em repouso na parte do cérebro responsável pela atenção, a psicoterapia teve a menor performance na redução da depressão em comparação aos outros padrões cerebrais.

    A diferença entre cada tipo influencia tanto na eficiência dos diferentes tratamentos quanto nos sintomas dos pacientes. Em quem a região cognitiva do cérebro é mais hiperativa, há maior dificuldade de sentir prazer e em desempenhar tarefas relacionadas a funções executivas, por exemplo — nos mais receptivos à psicoterapia, as funções executivas também ficam prejudicadas, mas as tarefas cognitivas, não.

    Os cientistas esperam que, com o estudo, seja possível testar mais tratamentos contra a depressão e de maneira mais eficiente, verificando o que funciona melhor para cada um dos seis tipos e incluindo medicamentos ainda não usados contra o transtorno.

    Fonte: Universidade de Stanford, Nature Medicine

     

    segunda-feira, 17 de junho de 2024

    Qual a diferença entre Alzheimer e demência?


      Author, Nikki-Anne Wilson

    As mudanças no raciocínio e na memória à medida que envelhecemos podem ocorrer por várias razões. E nem sempre são motivo de preocupação. Mas quando começam a interferir na vida cotidiana, podem indicar os primeiros sinais de demência.

    Outro termo que pode surgir quando falamos de demência é doença de Alzheimer, ou simplesmente Alzheimer.Mas, afinal, qual é a diferença?

    O que é demência?

    Demência é um termo genérico usado para descrever uma série de síndromes que resultam em alterações na memória, raciocínio e/ou comportamento devido à degeneração do cérebro.

    Para atender os critérios de demência, estas alterações devem ser suficientemente pronunciadas a ponto de interferir nas atividades habituais e estar presentes em pelo menos dois aspectos diferentes do raciocínio ou da memória.

    Pouca gente sabe que a demência também pode afetar crianças. Isto se deve a danos cerebrais progressivos associados a mais de 100 doenças genéticas raras. E pode resultar em mudanças cognitivas semelhantes às que vemos em adultos.

    E o que é Alzheimer?

    Alzheimer é o tipo mais comum de demência, representando cerca de 60% a 80% dos casos.

    Por isso, não surpreende que muitas pessoas utilizem os termos demência e Alzheimer de forma intercambiável.

    As alterações na memória são o sinal mais comum de Alzheimer — e é o sintoma que a população mais costuma associar à doença. Por exemplo, uma pessoa com Alzheimer pode ter dificuldade de se lembrar de eventos recentes ou de saber em que dia ou mês estamos.

    Ainda não sabemos exatamente o que causa o Alzheimer. No entanto, sabemos que a doença que está associada ao acúmulo no cérebro de dois tipos de proteínas chamadas beta-amiloide e tau.

    Embora todos nós tenhamos alguma beta-amiloide, quando ela se acumula em excesso no cérebro, se aglomera, formando placas nos espaços entre as células.

    Estas placas causam danos (inflamação) às células cerebrais ao redor e levam à desregulação da tau. A tau faz parte da estrutura das células cerebrais, mas no Alzheimer estas proteínas ficam "emaranhadas". Isto é tóxico para as células, fazendo com que morram.

    Acredita-se que aconteça então um ciclo de retroalimentação, desencadeando a produção de mais beta-amiloide e mais tau anormal, perpetuando os danos às células cerebrais.

    O Alzheimer também pode ocorrer com outras formas de demência, como a demência vascular. Esta combinação é o exemplo mais comum de demência mista.

    Demência vascular

    O segundo tipo mais comum de demência é a demência vascular. Ela resulta da interrupção do fluxo sanguíneo para o cérebro.

    Como as alterações no fluxo sanguíneo podem ocorrer em todo o cérebro, os sinais de demência vascular podem ser mais variados do que as alterações de memória normalmente observadas no Alzheimer.

    Por exemplo, a demência vascular pode se apresentar como uma confusão geral, raciocínio lento ou dificuldade em organizar pensamentos e ações.

    O risco de demência vascular é maior se você tiver doença cardíaca ou pressão alta.

    Demência frontotemporal

    Algumas pessoas podem não saber que a demência também pode afetar o comportamento e/ou a linguagem. Vemos isso em diferentes formas de demência frontotemporal.

    A variante comportamental da demência frontotemporal é a segunda forma mais comum (depois do Alzheimer) de demência precoce (em pessoas com menos de 65 anos).

    As pessoas com este tipo de demência podem ter dificuldade de interpretar e responder adequadamente a situações sociais. Por exemplo, elas podem fazer comentários estranhamente rudes ou ofensivos ou invadir o espaço pessoal dos outros.

    A demência semântica também é um tipo de demência frontotemporal — ela resulta na dificuldade de compreender o significado das palavras e denominar objetos do cotidiano.

    Demência por corpos de Lewy

    A demência por corpos de Lewy é resultado da desregulação de um tipo diferente de proteína conhecida como alfa-sinucleína. Muitas vezes observamos isso em pacientes com Parkinson.

    Portanto, pessoas com este tipo de demência podem ter movimentos alterados, como postura curvada, andar arrastado e alterações na caligrafia. Outros sintomas incluem mudanças no estado de alerta, alucinações visuais e perturbações significativas do sono.

    Como saber se você ou alguém tem demência

    Se você ou alguém próximo estiver preocupado, a primeira coisa a fazer é conversar com um médico. Ele provavelmente vai fazer algumas perguntas sobre seu histórico de saúde e querer saber que mudanças você notou.

    Às vezes, pode não ficar claro se você tem demência logo na primeira consulta. O médico pode sugerir que você observe as mudanças ou pode encaminhar você para um especialista para exames adicionais.

    Não existe um exame único que mostre claramente se você tem demência ou o tipo de demência. O diagnóstico é feito após vários exames, incluindo tomografias ou ressonâncias, testes de memória e raciocínio, e uma avaliação de como essas mudanças afetam sua vida diária.

    Não saber o que está acontecendo pode ser um momento desafiador, por isso é importante conversar com alguém sobre como você está se sentindo ou entrar em contato com serviços de apoio.

    * Nikki-Anne Wilson é pesquisadora de pós-doutorado do Neuroscience Research Australia (NeuRA), na Universidade de Nova Gales do Sul em Sydney.

    Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado aqui sob uma licença Creative Commons. Leia aqui a versão original (em inglês).

    FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/crggk4l304wo


    quinta-feira, 6 de junho de 2024

    Quase 3% dos brasileiros com mais de 15 anos são alcoólatras


     Ao todo, 5,3% dos americanos com mais de 12 anos têm Transtorno por Uso de Álcool (AUD), de acordo com a edição de 2019 da National Survey of Drug Use and Health (Pesquisa Nacional de Uso de Drogas, em português), promovida pelo governo dos Estados Unidos. O Brasil, por sua vez, está se aproximando deste índice: uma publicação de agosto da Sociedade Brasileira de Neurologia (SBN) mostrou que quase 3% da população acima de 15 anos já pode ser considerada alcoólatra.

    “Pesquisas indicam que o uso de álcool durante a adolescência pode interferir no desenvolvimento normal do cérebro adolescente e aumentar o risco de desenvolver AUD”, alerta Sandro Blasi Espósito, doutor em Neurologia e professor da Faculdade de Ciências Médicas e da Saúde (FCMS) da PUC-SP.

    “Além disso, o consumo de álcool por menores contribui para uma série de consequências agudas, incluindo lesões, agressões sexuais, overdose por bebida e mortes – incluindo aquelas decorrentes de acidentes com veículos motorizados”, completa.

    Nessa mesma linha, a neurocirurgiã Vanessa Milanese, diretora de comunicação da SBN, comenta: "Estes números podem representar uma pequena fração da sociedade; porém, quando somados, correspondem a mais de quatro milhões de brasileiros”. Ela prossegue: “O declínio cognitivo causado pelo álcool provoca a alteração de funções cerebrais hipocampais. Ou seja: são milhares de pessoas que, futuramente, poderão ter problemas cognitivos, graves ou não, o que pode desencadear um grande impacto no atendimento de geriatras, neurologistas e neurocirurgiões em todo o Brasil”.

    Bebida alcoólica em moderação também é prejudicial

    Recentemente, estudo produzido pela Universidade de Oxford (Reino Unido) apontou que o uso de álcool por pessoas de qualquer idade pode causar declínio de funções cerebrais – ou seja, problemas relacionados à cognição. Isso ocorre mesmo se as bebidas forem consumidas de forma moderada, uma vez que o acúmulo de ferro no cérebro tem sido associado a diferentes condições neurodegenerativas.

    Pense/IBGE também registrou o alcoolismo entre jovens

    Em agosto, a Pesquisa Nacional de Saúde Escolar (Pense), divulgada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), apurou que o consumo de álcool entre jovens com idades entre 13 e 17 anos, do 9º ano do Ensino Fundamental, nas redes públicas e privadas de todas as capitais do Brasil, aumentou de 52,9% em 2012 para 63,2% em 2019.

    O aumento foi maior entre as meninas (de 55% para 67,4%, no mesmo período) do que entre os meninos (de 50,4% para 58,8%).

    FONTE: https://j.pucsp.br/noticia/alcoolismo-entre-jovens-quase-3-dos-brasileiros-com-mais-de-15-anos-sao-alcoolatras

    quinta-feira, 25 de abril de 2024

    Saúde mental dos jovens brasileiros desperta preocupação crescente

      | Da Redação -


     Você sabia que o suicídio é a terceira causa de morte entre jovens brasileiros entre 15 e 29 anos? O dado da Organização Mundial da Saúde (OMS) é alarmante e remete a um problema de saúde pública no Brasil. A taxa de suicídios no país afeta cerca de 12 mil vidas por ano, representando quase 6% para cada para cada 100.000 habitantes o que coloca o Brasil logo atrás dos Estados Unidos nesse ranking.  

    Não é por acaso que, desde 2003, o dia 10 de setembro é celebrado como o Dia Mundial de Prevenção do Suicídio, com o Brasil aderindo à campanha Setembro Amarelo há cinco anos.

     
    Perfil das vítimas 

    Os números revelam uma realidade preocupante quando se analisa o perfil das vítimas brasileiras. A maioria é composta por homens negros, com idades entre 10 e 29 anos, de acordo com dados do Ministério da Saúde. Cerca de 96,8% dos casos de suicídio entre jovens estão relacionados a transtornos mentais, com a depressão liderando a lista, seguida pelo transtorno bipolar e abuso de drogas.  

    Além disso, fatores como desemprego, sentimentos de vergonha, desonra, desilusões amorosas e antecedentes de doenças mentais também são identificados como riscos para o suicídio.   

    "Setembro amarelo não é só uma cor ou uma data, é uma campanha de conscientização, de esclarecimento, e desmistificação sobre o que é o suicídio, e do porquê devemos estar atentos aos sinais de depressão entre os jovens. Falar sobre saúde mental no mundo pós-pandemia é urgente, no mundo virtual, mais ainda", reforçou a psicóloga da Unigranrio, Leila Navarro.  


    Fatores de risco na adolescência 

    A adolescência é um período crucial de desenvolvimento e, como todas as fases do desenvolvimento humano, apresenta desafios únicos. Ainda que o adolescente possa ter uma boa saúde mental, mudanças físicas, emocionais e sociais, bem como a exposição a fatores como a pobreza, abuso ou violência, pode torná-lo mais vulnerável a problemas de saúde mental.  
    A depressão é uma das principais causas de doença e incapacidade entre adolescentes globalmente, e as consequências de não abordar essas condições afetam a idade adulta, prejudicando a saúde física e mental e limitando oportunidades futuras.  

    Dentro do espaço escolar, por exemplo, é possível identificar quando um estudante apresenta sinais silenciosos, que podem estar atrelados aos sintomas de doenças como ansiedade e depressão. Os educadores são capazes de observar indicadores como isolamento, desinteresse e agressividade, o que pode se agravar caso não haja um olhar especializado para isso.  

    Saúde mental x internet  

    O uso extensivo de redes sociais e a internet pelos jovens têm potencial impacto na saúde mental. No Brasil, 66% da população, ou 140 milhões de pessoas, são usuários ativos em redes sociais, com a maioria acessando via dispositivos móveis. O tempo médio gasto nas redes sociais é de 3 horas e 34 minutos por dia. Esse novo perfil de internauta é jovem e passa a maior parte do tempo em um mundo virtual, o que pode prejudicar a habilidade de interação pessoal.  

    Além disso, o uso excessivo da internet e das redes sociais por jovens e adolescentes traz riscos potenciais, incluindo o compartilhamento de conteúdos inadequados, como pornografia, discriminação e ódio, bem como aliciamento moral e sexual, assédio, invasão de privacidade e cyberbullying. "A tecnologia e a utilização da internet é um caminho sem volta no mundo moderno, todavia, para os especialistas, é importante que se ofereçam ferramentas de autoconhecimento para que crianças e jovens estejam preparados para aproveitar a parte boa da revolução tecnológica", completou Gabas.  

    Para combater essa crescente crise, a OMS insta todos os países, incluindo o Brasil, a acelerarem a implementação do Plano de Ação Integral de Saúde Mental 20132030, que prevê medidas para a reorganização dos ambientes que influenciam a saúde mental e o fortalecimento dos sistemas de atenção, abrangendo lares, comunidades, escolas, locais de trabalho e serviços de saúde. Sugere ainda medidas como preparar pais, familiares e educadores para abordar o tema da saúde mental como parte da saúde integral. O auxílio de profissionais de saúde especializados é algo que pode fazer muita diferença para quem está em situação de vulnerabilidade. 

    FONTE: https://www.virandobixo.com.br/noticias/NOT,0,0,1863791,saude-mental-dos-jovens-brasileiros-desperta-preocupacao-crescente.aspx

    segunda-feira, 8 de abril de 2024

    Pesquisa revela que os idosos estão bebendo mais

     

     

     


    Um em cada quatro brasileiros (23,7%) com 60 anos ou mais consome álcool. Além disso, 6,7% (aproximadamente 2 milhões de idosos) relatam consumir diversas doses de uma só vez, formando um padrão de consumo abusivo e extremamente prejudicial conhecido como binge drinking. E 3,8% (mais de 1 milhão) costumam beber, em uma semana típica, entre 7 a 14 doses por semana, quantidades que podem colocar em risco sua saúde.

    As informações são de um estudo conduzido pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), publicado nas revistsa científicas Substance Use & Misuse e BMJ Open. De acordo com a Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia (SBGG), os números mostram que o consumo de bebidas pelos idosos no Brasil pode ser considerado um problema de saúde pública. E esse cenário não é exclusivo do Brasil.

    Nos Estados Unidos, as autoridades de saúde pública também estão cada vez mais alarmadas com o consumo de álcool dos idosos. O número anual de mortes relacionadas com o álcool de 2020 a 2021 ultrapassou 178 mil, de acordo com dados divulgados recentemente pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês). Isso representa mais mortes do que todas as overdoses por drogas combinadas.

    Uma análise do Instituto Nacional sobre Abuso de Álcool e Alcoolismo mostra que as pessoas com mais de 65 anos representavam 38% desse total. De 1999 a 2020, o aumento de 237% nas mortes relacionadas com o álcool entre aqueles com mais de 55 anos foi superior ao de qualquer grupo etário, exceto entre os de 25 a 34 anos.

     Em grande parte, os americanos não conseguem reconhecer os perigos do álcool, afirma George Koob, diretor do instituto que conduziu o estudo. — O álcool é um lubrificante social quando usado dentro das diretrizes, mas não creio que eles percebam que à medida que a dose aumenta, ele se torna uma toxina. E é ainda menos provável que a população mais velha reconheça isso — o especialista argumenta.

    A taxa de pessoas com mais de 65 anos que declara ter consumido álcool no último ano (cerca de 56%) e no último mês (cerca de 43%) são mais baixas do que para todos os outros grupos de adultos. No entanto, os consumidores mais velhos são muito mais propensos a beber com frequência, 20 dias ou mais por mês, do que os mais jovens.

    Além disso, uma análise feita em 2018 concluiu que o consumo excessivo de álcool (definido como quatro ou mais bebidas em uma única ocasião para as mulheres, cinco ou mais para os homens) aumentou quase 40% entre os americanos mais velhos nos últimos 10 a 15 anos.

    Por que esse aumento está acontecendo?

    A pandemia claramente desempenhou um papel importante no aumento de casos de consumo excessivo de álcool. Segundo estatísticas do CDC, houve crescimento no número de mortes atribuídas diretamente ao consumo de álcool, de atendimentos de emergência associados ao álcool e das vendas de álcool per capita entre 2019 e 2020, à medida que a Covid-19 se espalhava mundialmente e restrições eram estabelecidas.

    — Muitos fatores de estresse nos impactaram bastante, principalmente o isolamento e as preocupações de adoecer. A mudança nos dados indicam a tendência das pessoas de beber mais para lidar com esse estresse — Koob constata.

    Os pesquisadores também citam um fenômeno chamado efeito de coorte, isto é, variações nos resultados do estudo em grupos específicos. De acordo com Keith Humphreys, psicólogo e pesquisador de dependência em Stanford, os boomers (pessoas nascidas entre as décadas de 1940 e 1960) são uma geração que "usa mais substâncias", em comparação com aqueles que vieram antes e depois deles, e parecem não abandonar seu comportamento juvenil.

    De 1997 a 2014, o consumo de álcool aumentou em média 0,7% ao ano entre os homens com mais de 60 anos, enquanto o consumo excessivo permaneceu estável. Entre as mulheres mais velhas, o consumo de álcool aumentou 1,6% anualmente, e o consumo excessivo aumentou 3,7%.

    — Ao contrário dos estereótipos, as pessoas instruídas da classe média alta têm taxas mais elevadas de consumo de álcool. Nas últimas décadas, à medida que as mulheres foram ficando mais instruídas, elas ingressaram em locais de trabalho onde beber era normativo, e elas também tinham mais renda disponível. As mulheres que se aposentam agora têm maior probabilidade de beber do que as suas mães e avós — o psicólogo explica.

    No entanto, o consumo de álcool representa um impacto ainda maior para os idosos, especialmente para as mulheres, que ficam intoxicadas mais rapidamente do que os homens porque são menores e têm menos enzimas intestinais que metabolizam o álcool.

    Os idosos podem argumentar que estão apenas bebendo como sempre fizeram, mas as quantidades equivalentes de álcool têm consequências muito mais desastrosas para os mais velhos, cujos corpos não conseguem processá-lo tão rapidamente, alerta David Oslin, psiquiatra da Universidade da Pensilvânia e do Centro Médico para Veteranos de Guerra, na Filadélfia.

    — O excesso causa redução do tempo de resposta do pensamento e da capacidade cognitiva à medida que o paciente envelhece — esclarece.

    Já muito associado a doenças hepáticas, o álcool também agrava doenças cardiovasculares e renais, se você bebe há muitos anos, além de causar um aumento na incidência de certos tipos de câncer, o psiquiatra adverte. Segundo ele, beber contribui para quedas, uma das principais causas de lesões à medida que as pessoas envelhecem, e perturba o sono.

    Os idosos também tomam muitos medicamentos prescritos e o álcool interage com muitos deles. Essas interações são comuns com analgésicos e soníferos, como os benzodiazepínicos, às vezes causando sedação excessiva. Em outros casos, o álcool pode reduzir a eficácia de um medicamento.

    Caminhos para a solução

    Uma proposta para combater o uso indevido de álcool entre os idosos é aumentar o imposto federal sobre o álcool, pela primeira vez em décadas.

    — O consumo de álcool é sensível ao preço e é bastante barato neste momento em relação à renda — ressalta Humphreys.

    Resistir ao lobby da indústria e encarecer o álcool, tal como impostos mais elevados tornaram os cigarros mais caros, poderia reduzir o consumo.

    Os tratamentos para o uso excessivo de álcool, incluindo psicoterapia e medicamentos, não são menos eficazes para pacientes mais velhos, esclarece Oslin.

    — Na verdade, a idade pode garantir uma resposta positiva. Além disso, o tratamento não significa necessariamente que você tenha que se abster. Trabalhamos com as pessoas para moderar o consumo de álcool — argumenta.

    Mas a lei federal de 2008, que exige que as seguradoras de saúde proporcionem paridade – ou seja, a mesma cobertura médica é oferecida para curar problemas físicos e tratar da saúde mental– não se aplica ao Medicare, o plano de saúde oferecido pelo governo dos EUA a pacientes com mais de 65 anos. Vários grupos políticos e de defesa dos direitos de idosos estão trabalhando para eliminar tais disparidades.

    Dean Nordman nunca procurou tratamento para o seu alcoolismo, mas após a cirurgia de emergência, os seus filhos o transferiram para um lar de idosos, onde os antidepressivos e a falta de acesso ao álcool melhoraram o seu humor e a sua sociabilidade. Ele morreu no asilo, em 2017.

    Doug Nordman, a quem seu pai apresentou a cerveja aos 13 anos, bebia muito e chegava ao ponto do desmaio quando era estudante universitário. Depois dessa fase, passou a beber socialmente.

    Mas ao ver seu pai recusar ajuda, “percebi que isso era ridículo”, ele relembra. O álcool poderia agravar a progressão do declínio cognitivo e ele tinha histórico familiar. Ele continua sóbrio desde aquele telefonema, há 13 anos.

    FONTE: https://www.folhape.com.br/noticias/por-que-idosos-estao-bebendo-mais/327133/