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sexta-feira, 1 de junho de 2018

Como o celular pode afetar a sua saúde mental


Quantas vezes você pega o celular para checar mensagens por dia?
Aplicativos de mensagens instantâneas se disseminaram rapidamente no Brasil e no mundo, em nome da velocidade, custos mais baixos e praticidade na comunicação - mas o outro lado da moeda na crescente dependência social desses apps é a ansiedade produzida pela sensação de estar ligado, e em dívida, o tempo todo, alertam especialistas.
"O que está acontecendo basicamente é que as pessoas ficam de plantão o dia inteiro, e claro que isso é maléfico. Elas não descansam, não têm um momento de parar. Isso gera estresse, que pode desencadear quadros como depressão e ansiedade", adverte o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente eleito da Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal).
Segundo um estudo feito pelo Datafolha em 2017, o WhatsApp é o aplicativo de mensagem preferido por 89% dos brasileiros. A empresa, que pertence ao Facebook, tem 120 milhões de usuários no Brasil.

Vício portátil

A possibilidade de ter conversas em tempo real pela internet já era conhecida de frequentadores de grupos de chat, usuários do MSN Messenger, ou viciados em Blackberry nos idos dos anos 2000.
"O MSN funcionava no computador, então você tinha que estar parado em um lugar. Se você fosse um viciado em tecnologia, ficava em casa preso no computador. Com o smartphone não, você passa a carregar esse vício para onde você vai. Fica logado 24 horas", diz a psicóloga Andréa Jotta, do Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e Comunicação (Janus) da PUC-SP. 
Uma "conversa" pressupõe uma resposta imediata, "pá-pum". E os comunicadores instantâneos de fato permitem que as interações se sucedam quase como se os interlocutores estivessem face a face. Permitem até saber se uma resposta está em construção, com as reticências que aparecem quando outra pessoa está escrevendo, ou já foi lida, com as setinhas azuis que acendem no indicador de leitura.
O problema é que os comunicadores são "instantâneos" para quem os manda, mas não necessariamente para quem os recebe, diz Jotta.
"As pessoas não estão disponíveis para você 100% do tempo. Mesmo que o aplicativo indique que esteja online, não necessariamente ela pode responder. E não dá para achar que aquela 'não resposta' é direcionada a você."
Mas é justamente o que acontece muitas vezes, com relatos de reações de insegurança, ciúme, ansiedade, "porque alguém leu a mensagem mas demorou para responder" - o que, dependendo da relação, pode gerar uma interpretação excessiva de lacunas de silêncio; ou da hesitação ao escrever e reescrever uma resposta, como se fossem gestos a se atribuírem significados.
Tanto a expectativa de que o interlocutor responda instantaneamente quanto a vontade de responder rapidamente a todas as mensagens que chegam alimentam a ansiedade, diz Jotta - ainda mais quando avisos sonoros estão ativos e o celular fica apitando, pedindo atenção.
Quem é ansioso para responder rapidamente fica com aquele pensamento ocupando a mente até conseguir. E quem é desorganizado e dado ao acúmulo de tarefas se sente ainda mais sobrecarregado. "Ficam na demanda constante, eu tenho que dar conta, eu tenho que dar conta", diz a psicóloga.

Uso consciente

Grupo multidisciplinar criado para pesquisar a dependência da tecnologia, o Instituto Delete atende pessoas que sofrem do uso abusivo de tecnologias como redes sociais, telefones celulares e aplicativos de mensagens, recebendo pacientes todas as sextas-feiras, no campus da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na Praia Vermelha, em Botafogo.
De acordo com o coordenador do Instituto, Eduardo Guedes, o uso abusivo de aplicativos de mensagens é bastante comum, mas os casos mais preocupantes são os que configuram uma dependência, e estão associados a transtornos relacionados, como ansiedade, depressão, pânico ou transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
"A tecnologia surgiu para encurtar distâncias, otimizar o tempo e nutrir relações humanas. O perigo é quando você começa a substituir a vida real em prol das sensações de prazer geradas pela tecnologia", diz. "A gente estimula o uso consciente, para colocar a tecnologia no lugar e no propósito que ela deve ter."
As queixas são variadas, diz Guedes. Há pessoas que relatam desconforto com grupos de família, dizendo que têm vontade de sair deles, mas não conseguem e, ao mesmo tempo, não sabem como se comportar ali; casos de TOC em que usuários ficam checando compulsivamente se outra pessoa está online; e de pessoas que relatam depender do app para sentirem acompanhadas, e por isso mandam mensagens mesmo quando estão dirigindo, apesar do grande risco que isso acarreta.
Entre as técnicas básicas para o uso comedido e consciente dos comunicadores, Guedes recomenda silenciar notificações de mensagens, parar de usar os aplicativos duas horas antes de ir dormir e, se possível, desabilitar os avisos de recebimento e de leitura - "porque tem gente que não sabe lidar com isso."

Sem limites entre lazer e trabalho

A dependência que os brasileiros têm do WhatsApp no dia a dia ficou evidente nos episódios em que o aplicativo foi temporariamente bloqueado pela Justiça, levando a revolta entre usuários e expondo o quanto o aplicativo é usado tanto para comunicações corriqueiras do dia a dia quanto no trabalho e em serviços, como parte do ganha-pão de muitos brasileiros.
Mas a mistura de trabalho e lazer e a falta de limite de horários para uso colaboram que gerar um estado de atenção e de prontidão constantes, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor de Direito da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
"Você confunde esferas da sua vida que costumavam ser separadas. Antes, você falava com seus colegas no horário de trabalho, e com amigos e família nas horas de lazer. Os aplicativos de mensagem misturam tudo e tornam o momento de atenção perene", considera.
Se uma mensagem de trabalho chega às 23h da noite, interfere na vida privada das pessoas e faz com que de repente se vejam ligadas, como se estivessem sempre de prontidão, diz a psicóloga Aline Restano.
"Estabelecer limites entre trabalho e lazer está cada vez mais difícil", diz Restano, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas (GEAT), grupo de psicólogos e psiquiatras do Rio Grande do Sul que estuda dependência de tecnologia.
Para ela, a mania de se criar grupos reunindo pessoas das origens mais variadas - de amigos e familiares a pais de crianças da escola, grupos da pelada ou do pedal, grupos de colegas de trabalho - contribuiu para que o entusiasmo inicial com o aplicativo fosse vencido por um cansaço com seus excessos.
"No início havia um prazer de receber mensagens, mas hoje em dia os usuários costumam ter tantos grupos e o volume é tão grande que isso gera uma irritabilidade, com tantas pendências sempre para responder", diz a psicóloga.

'Falta tempo para ficar a sós'

Restano diz que o uso prejudicial de comunicadores instantâneos está aumentando, e que recebe relatos de conflitos familiares de pessoas que começam a deixar de fazer programas sociais para ficar em casa se comunicando no celular.
Ela afirma que indivíduos mais ansiosos tendem a exacerbar essa característica no uso dos aplicativos de mensagem, achando que têm que responder imediatamente.
"Na cultura atual, há uma tolerância muito baixa à frustação. As pessoas estão acostumadas a ter acesso a tudo muito rápido, a informações, a respostas, e isso só reforça a ansiedade. Gente com temperamento mais saudável tende a se relacionar com o WhatsApp e outras mídias de forma mais saudável."
Para a psicóloga, o principal malefício de se estar o tempo todo acessível é a "impossibilidade de se ficar sozinho com os próprios pensamentos."
"A capacidade de estar só é muito importante para o nosso desenvolvimento emocional. É quando pensamos dos nossos sonhos, projetos, desejos, medos loucuras", considera. "Hoje estamos o tempo todo nos distraindo, pegando o celular, conferindo o WhatsApp ou outras redes. Não sabemos ainda que efeito isso pode gerar no nosso futuro, de não conseguir lidar com a nossa própria companhia."
FONTE: http://www.bbc.com/portuguese/geral-42897649

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