RIO- A Organização Mundial de Saúde (OMS) retirou a transexualidade da categoria de "distúrbios mentais" na
Classificação Internacional de Doenças (CID). A atualização é um marco e
acontece mais de 40 anos depois de a homossexualidade também ser
retirada da lista, na década de 1990. Essa é a primeira grande revisão
da CID em quase três décadas.
A
transexualidade, no entanto, não saiu totalmente da CID-11, ela foi
movida para a categoria "condição relativa à saúde sexual". A OMS admite
que mantê-la na Classificação Internacional de Doenças pode reforçar
estigmas, mas diz que a medida ainda é necessária.
"O raciocínio é que, embora as evidências agora estejam claras de que
não se trata de um transtorno mental, e de fato classificá-lo pode
causar enorme estigma para as pessoas transgênero, ainda há necessidades
significativas de cuidados de saúde que podem ser melhor atendidas se a
condição for codificada na CID", diz a OMS.
A CID é uma ferramenta que padroniza a identificação e o
monitoramento de problemas de saúde em todo o mundo. A partir de sua
criação, foi possível estabelecer um padrão no diagnóstico de doenças em
todo o mundo a partir de um código estabelecido a cada doença.
A atualização da lista da CID, de acordo com a organização, reflete
avanços na medicina e na ciência. Segundo a OMS, as revisões são feitas
quando a "evidência médica não apoia as suposições culturais". Foi o que
aconteceu com a "homossexualidade", classificada na CID em 1948, e
acontece agora com a transexualidade.
A decisão foi celebrada pelo movimento LGBT. A militar Bruna
Benevides, afastada de seu cargo na Marinha sob justificativa de ser
incapaz devido a um quadro de "transexualismo", comemorou a medida e
afirmou que a mudança na classificação é um passo importante para
garantir os direitos da população trans.
— É uma decisão importantíssima, porque nos dá autonomia de sermos
quem somos. Espero que cada vez mais as pessoas entendam que não há nada
de errado em ser transexual, e é apenas mais uma possibilidade de ser e
existir, e é legítima. Espero que as pessoas trans possam conquistar
cada vez mais os espaços que continuam lhes sendo negado — afirma.
A revisão da CID incluiu ainda o vício em videogames como
"transtornos relacionados ao uso de substâncias ou comportamentos
viciantes", ao lado de drogas como a cocaína.
—A pessoa joga tanto que outros interesses e atividades são
ignorados, incluindo dormir e comer — argumenta Shekhar Saxena, diretor
do departamento de saúde mental e abuso de substâncias da OMS.
Quantas vezes você pega o celular
para checar mensagens por dia?
Aplicativos de
mensagens instantâneas se disseminaram rapidamente no Brasil e no mundo,
em nome da velocidade, custos mais baixos e praticidade na comunicação -
mas o outro lado da moeda na crescente dependência social desses apps é
a ansiedade produzida pela sensação de estar ligado, e em dívida, o
tempo todo, alertam especialistas.
"O que está acontecendo
basicamente é que as pessoas ficam de plantão o dia inteiro, e claro que
isso é maléfico. Elas não descansam, não têm um momento de parar. Isso
gera estresse, que pode desencadear quadros como depressão e ansiedade",
adverte o psiquiatra Antônio Geraldo da Silva, presidente eleito da
Associação Psiquiátrica da América Latina (Apal).
Segundo um estudo feito pelo Datafolha em 2017, o WhatsApp é o
aplicativo de mensagem preferido por 89% dos brasileiros. A empresa, que
pertence ao Facebook, tem 120 milhões de usuários no Brasil.
Vício portátil
A
possibilidade de ter conversas em tempo real pela internet já era
conhecida de frequentadores de grupos de chat, usuários do MSN
Messenger, ou viciados em Blackberry nos idos dos anos 2000.
"O MSN
funcionava no computador, então você tinha que estar parado em um lugar.
Se você fosse um viciado em tecnologia, ficava em casa preso no
computador. Com o smartphone não, você passa a carregar esse vício para
onde você vai. Fica logado 24 horas", diz a psicóloga Andréa Jotta, do
Laboratório de Estudos de Psicologia e Tecnologias da Informação e
Comunicação (Janus) da PUC-SP.
Uma "conversa" pressupõe uma resposta imediata,
"pá-pum". E os comunicadores instantâneos de fato permitem que as
interações se sucedam quase como se os interlocutores estivessem face a
face. Permitem até saber se uma resposta está em construção, com as
reticências que aparecem quando outra pessoa está escrevendo, ou já foi
lida, com as setinhas azuis que acendem no indicador de leitura.
O
problema é que os comunicadores são "instantâneos" para quem os manda,
mas não necessariamente para quem os recebe, diz Jotta.
"As
pessoas não estão disponíveis para você 100% do tempo. Mesmo que o
aplicativo indique que esteja online, não necessariamente ela pode
responder. E não dá para achar que aquela 'não resposta' é direcionada a
você."
Mas é justamente o que acontece muitas vezes, com relatos
de reações de insegurança, ciúme, ansiedade, "porque alguém leu a
mensagem mas demorou para responder" - o que, dependendo da relação,
pode gerar uma interpretação excessiva de lacunas de silêncio; ou da
hesitação ao escrever e reescrever uma resposta, como se fossem gestos a
se atribuírem significados.
Tanto a expectativa de que o
interlocutor responda instantaneamente quanto a vontade de responder
rapidamente a todas as mensagens que chegam alimentam a ansiedade, diz
Jotta - ainda mais quando avisos sonoros estão ativos e o celular fica
apitando, pedindo atenção.
Quem é ansioso para responder
rapidamente fica com aquele pensamento ocupando a mente até conseguir. E
quem é desorganizado e dado ao acúmulo de tarefas se sente ainda mais
sobrecarregado. "Ficam na demanda constante, eu tenho que dar conta, eu
tenho que dar conta", diz a psicóloga.
Uso consciente
Grupo
multidisciplinar criado para pesquisar a dependência da tecnologia, o
Instituto Delete atende pessoas que sofrem do uso abusivo de tecnologias
como redes sociais, telefones celulares e aplicativos de mensagens,
recebendo pacientes todas as sextas-feiras, no campus da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) na Praia Vermelha, em Botafogo.
De
acordo com o coordenador do Instituto, Eduardo Guedes, o uso abusivo de
aplicativos de mensagens é bastante comum, mas os casos mais
preocupantes são os que configuram uma dependência, e estão associados a
transtornos relacionados, como ansiedade, depressão, pânico ou
transtorno obsessivo-compulsivo (TOC).
"A
tecnologia surgiu para encurtar distâncias, otimizar o tempo e nutrir
relações humanas. O perigo é quando você começa a substituir a vida real
em prol das sensações de prazer geradas pela tecnologia", diz. "A gente
estimula o uso consciente, para colocar a tecnologia no lugar e no
propósito que ela deve ter."
As queixas são variadas, diz Guedes.
Há pessoas que relatam desconforto com grupos de família, dizendo que
têm vontade de sair deles, mas não conseguem e, ao mesmo tempo, não
sabem como se comportar ali; casos de TOC em que usuários ficam checando
compulsivamente se outra pessoa está online; e de pessoas que relatam
depender do app para sentirem acompanhadas, e por isso mandam mensagens
mesmo quando estão dirigindo, apesar do grande risco que isso acarreta.
Entre
as técnicas básicas para o uso comedido e consciente dos comunicadores,
Guedes recomenda silenciar notificações de mensagens, parar de usar os
aplicativos duas horas antes de ir dormir e, se possível, desabilitar os
avisos de recebimento e de leitura - "porque tem gente que não sabe
lidar com isso."
Sem limites entre lazer e trabalho
A
dependência que os brasileiros têm do WhatsApp no dia a dia ficou
evidente nos episódios em que o aplicativo foi temporariamente bloqueado
pela Justiça, levando a revolta entre usuários e expondo o quanto o
aplicativo é usado tanto para comunicações corriqueiras do dia a dia
quanto no trabalho e em serviços, como parte do ganha-pão de muitos
brasileiros.
Mas a mistura de trabalho e lazer e a falta de
limite de horários para uso colaboram que gerar um estado de atenção e
de prontidão constantes, diz Carlos Affonso Souza, diretor do Instituto
de Tecnologia e Sociedade (ITS) e professor de Direito da Universidade
do Estado do Rio de Janeiro (Uerj).
"Você confunde esferas da sua
vida que costumavam ser separadas. Antes, você falava com seus colegas
no horário de trabalho, e com amigos e família nas horas de lazer. Os
aplicativos de mensagem misturam tudo e tornam o momento de atenção
perene", considera.
Se uma
mensagem de trabalho chega às 23h da noite, interfere na vida privada
das pessoas e faz com que de repente se vejam ligadas, como se
estivessem sempre de prontidão, diz a psicóloga Aline Restano.
"Estabelecer
limites entre trabalho e lazer está cada vez mais difícil", diz
Restano, pesquisadora do Grupo de Estudos sobre Adições Tecnológicas
(GEAT), grupo de psicólogos e psiquiatras do Rio Grande do Sul que
estuda dependência de tecnologia.
Para ela, a mania de se criar
grupos reunindo pessoas das origens mais variadas - de amigos e
familiares a pais de crianças da escola, grupos da pelada ou do pedal,
grupos de colegas de trabalho - contribuiu para que o entusiasmo inicial
com o aplicativo fosse vencido por um cansaço com seus excessos.
"No
início havia um prazer de receber mensagens, mas hoje em dia os
usuários costumam ter tantos grupos e o volume é tão grande que isso
gera uma irritabilidade, com tantas pendências sempre para responder",
diz a psicóloga.
'Falta tempo para ficar a sós'
Restano
diz que o uso prejudicial de comunicadores instantâneos está
aumentando, e que recebe relatos de conflitos familiares de pessoas que
começam a deixar de fazer programas sociais para ficar em casa se
comunicando no celular.
Ela afirma que indivíduos mais ansiosos
tendem a exacerbar essa característica no uso dos aplicativos de
mensagem, achando que têm que responder imediatamente.
"Na
cultura atual, há uma tolerância muito baixa à frustação. As pessoas
estão acostumadas a ter acesso a tudo muito rápido, a informações, a
respostas, e isso só reforça a ansiedade. Gente com temperamento mais
saudável tende a se relacionar com o WhatsApp e outras mídias de forma
mais saudável."
Para a psicóloga, o principal malefício de se
estar o tempo todo acessível é a "impossibilidade de se ficar sozinho
com os próprios pensamentos."
"A capacidade de estar só é muito
importante para o nosso desenvolvimento emocional. É quando pensamos dos
nossos sonhos, projetos, desejos, medos loucuras", considera. "Hoje
estamos o tempo todo nos distraindo, pegando o celular, conferindo o
WhatsApp ou outras redes. Não sabemos ainda que efeito isso pode gerar
no nosso futuro, de não conseguir lidar com a nossa própria companhia."