Sarah Keating
Da BBC Future
"Quanto eu tinha mais ou menos uma
semana de idade eu lembro de estar enrolada em um cobertor rosa de
algodão", lembra Rebecca Sharrock. "Por algum motivo, eu sempre sabia
quando era a minha mãe que estava me pegando no colo, eu sempre soube
instintivamente disso e ela era minha pessoa preferida".
Considerando
que a memória da maioria das pessoas não é capaz de gravar
acontecimentos anteriores aos quatro anos de idade, pode ser fácil
pensar que a descrição de Sharrock seja um sonho nostálgico em vez de
uma memória real. Mas a mulher australiana de 27 anos não tem uma
memória comum - ela foi diagnosticada com uma síndrome rara chamada
"Memória Autobiográfica Altamente Superior", ou HSAM na sigla em inglês,
também conhecida como Hipertimesia ou Síndrome da Supermemória. Essa
condição neurológica única significa que Sharrock consegue lembrar de
absolutamente tudo que ela fez em qualquer data.Pessoas com essa síndrome podem se lembrar instantaneamente e sem esforço algum de qualquer coisa que fizeram, o que vestiram ou onde estavam em qualquer momento da vida. Elas podem lembrar de notícias e acontecimentos pessoais com tantos detalhe e com uma exatidão tão perfeita que são comparáveis a uma gravação.
Ao crescer, Sharrock pensava que todos lembravam das coisas como ela. Até que um dia seus pais a chamaram para ver uma reportagem na TV sobre pessoas com HSAM. "Era 23 de janeiro de 2011", lembra ela. "Quando aquelas pessoas começaram a lembrar de suas memórias, os repórteres diziam 'é incrível'. Eu disse aos meus pais 'por que eles dizem que isso é incrível, não é normal?'". Seus pais explicaram a ela que não era normal e que achavam que ela tinha a mesma síndrome.
Depois de entrar em contato com os especialistas citados na matéria, Sharrock foi examinada e então diagnosticada em 2013. A HSAM só foi descoberta por volta do ano 2000 e na época sabia-se que apenas 60 pessoas no mundo tinham a síndrome.
Por que algumas pessoas nascem com a Supermemória? As pesquisas ainda estão em andamento, já que existem tão poucas pessoas com a síndrome no mundo e a área ainda é relativamente nova. Mas alguns estudos indicam que o lobo temporal (que ajuda no processamento de memória) é maior nos cérebros das pessoas com HSAM, assim como o núcleo caudado, que ajuda no aprendizado mas também pode influenciar na síndrome obsessivo-compulsiva.
Ter uma supermemória significa que as memórias são gravadas em detalhes vívidos, o que é fascinante em termos científicos, mas pode ser uma praga para quem tem a síndrome.
Algumas pessoas com HSAM dizem que suas memórias são muito organizadas, mas Sharrock (que também foi diagnosticado com transtorno autista) descreve seu cérebro como "entupido" e diz que reviver memórias lhe dá dor de cabeça e insônia.
Também há um lado obscuro, já que Sharrock sofreu de depressão e ansiedade por causa disso. Sua memória extraordinária faz com que ela se sinta em uma máquina do tempo emocional. "Se eu estou lembrando de algo que aconteceu quando eu tinha três anos, minha resposta emocional à situação é semelhante à de uma criança de três anos, mesmo que minha mente e consciência sejam de adulta", diz ela. Essa disparidade entre cabeça e coração faz com que ela se sinta confusa e ansiosa.
Apesar disso, Sharrock aprendeu a tentar usar memórias positivas para superar as negativas: "No começo de todo mês, eu escolho todas as melhores memórias que tive naquele mês em outros anos". Reviver acontecimentos positivos facilita na hora de lidar com as "memórias invasivas" que a fazem se sentir mal.
A supermemória também pode nos dar uma percepção sem precedentes sobre como bebês e crianças veem o mundo. Sharrock descreve o que lhe chamou atenção quando era um bebê, assim como quando aprendeu a caminhar. "Eu estava no meu berço, virei a cabeça e vi coisas ao meu redor, como o ventilador. Fiquei fascinada por aquilo. Só quando eu tinha um ano e meio que me antenei, 'por que não me levanto e vou explorar o que deve ser aquilo?'"
Outro aspecto dessa habilidade é como ela pode afetar o sono de pessoas com HSAM. Sharrock diz que agora, como adulta, "eu posso controlar meus sonhos e raramente tenho pesadelos porque eu penso que se alguma coisa assustadora acontecer eu posso mudar a sequência".
Mas não foi assim quando era bebê, já que quando começou a sonhar, por volta dos 18 meses, ela não sabia diferenciar sonho de realidade. "É por isso que eu chorava à noite", explica, "mas eu não conseguia verbalizar". Talvez as pessoas com HSAM tenham uma habilidade maior de viver sonhos lúcidos.
Agora, Sharrock participa de dois projetos de pesquisa da Universidade de Queensland e da Universidade da Califórnia em Irvine e espera que as descobertas ajudem as pessoas que sofrem com o mal de Alzheimer. Apesar de ter memórias claras de tudo que lhe acontece, só há um acontecimento que ela não lembra - seu nascimento.
"É o único aniversário que eu não lembro", diz ela. "Eu não tenho memórias do útero ou de estar saindo da minha mãe, nada disso. Mas eu não acho que gostaria de lembrar disso".
Apesar de sua mente ser como um CD no modo repeat, Sharrock diz que não mudaria nada. "Devido ao meu autismo, eu não gosto de mudar nada. Eu quero continuar pensando e sentindo da maneira que faço porque é como eu sempre pensei e senti, eu só gostaria de achar formas de lidar com isso", diz ela. "É a pessoa que eu sempre fui...Quero me manter assim"