Parece que os americanos estão em meio a uma violenta epidemia de doenças mentais. A quantidade de pessoas incapacitadas por transtornos mentais, e com direito a receber a renda de seguridade suplementar ou o seguro por incapacidade, aumentou quase duas vezes e meia entre 1987 e 2007 – de 1 em cada 184 americanos passou para 1 em 76.
No que se refere às crianças, o número é ainda mais espantoso: um aumento de 35 vezes nas mesmas duas décadas. A doença mental é hoje a principal causa de incapacitação de crianças, bem à frente de deficiências físicas como a paralisia cerebral ou a síndrome de Down.
Um grande estudo de adultos (selecionados aleatoriamente), patrocinado pelo Instituto Nacional de Saúde Mental, realizado entre 2001 e 2003, descobriu que um percentual assombroso de 46% se encaixava nos critérios estabelecidos pela Associação Americana de Psiquiatria, por ter tido em algum momento de suas vidas pelo menos uma doença mental, entre quatro categorias.
As categorias seriam “transtornos de ansiedade”, que incluem fobias e estresse pós-traumático; “transtornos de humor”, como depressão e transtorno bipolar; “transtornos de controle dos impulsos”, que abrangem problemas de comportamento e de déficit de atenção/hiperatividade; e “transtornos causados pelo uso de substâncias”, como o abuso de álcool e drogas. A maioria dos pesquisados se encaixava em mais de um diagnóstico.
O tratamento médico desses transtornos quase sempre implica o uso de drogas psicoativas, os medicamentos que afetam o estado mental. Na verdade, a maioria dos psiquiatras usa apenas remédios no tratamento e encaminha os pacientes para psicólogos ou terapeutas se acha que uma psicoterapia é igualmente necessária.
A substituição da “terapia de conversa” pela das drogas como tratamento majoritário coincide com o surgimento, nas últimas quatro décadas, da teoria de que as doenças mentais são causadas por desequilíbrios químicos no cérebro, que podem ser corrigidos pelo uso de medicamentos. Essa teoria passou a ser amplamente aceita pela mídia e pelo público, bem como pelos médicos, depois que o Prozac chegou ao mercado, em 1987, e foi intensamente divulgado como um corretivo para a deficiência de serotonina no cérebro.
O número de pessoas depressivas tratadas triplicou nos dez anos seguintes e, hoje, cerca de 10% dos americanos com mais de 6 anos de idade tomam antidepressivos. O aumento do uso de drogas para tratar a psicose é ainda mais impressionante. A nova geração de antipsicóticos, como o Risperdal, o Zyprexa e o Seroquel, ultrapassou os redutores do colesterol no topo da lista de remédios mais vendidos nos Estados Unidos.
O que está acontecendo? A preponderância das doenças mentais sobre as físicas é de fato tão alta, e continua a crescer? Se os transtornos mentais são biologicamente determinados e não um produto de influências ambientais, é plausível supor que o seu crescimento seja real? Ou será que estamos aprendendo a diagnosticar transtornos mentais que sempre existiram? Ou, por outro lado, será que simplesmente ampliamos os critérios para definir as doenças mentais, de modo que quase todo mundo agora sofre de uma delas? E o que dizer dos medicamentos que viraram a base dos tratamentos? Eles funcionam? E, se funcionam, não deveríamos esperar que o número de doentes mentais estivesse em declínio e não em ascensão?
Essas são as questões que preocupam os autores de três livros provocativos, aqui analisados. Eles vêm de diferentes formações: Irving Kirsch é psicólogo da Universidade de Hull, no Reino Unido; Robert Whitaker é jornalista; e Daniel Carlat é um psiquiatra que clinica num subúrbio de Boston.
Em primeiro lugar os pesquisadores concordam que é preocupante a extensão com a qual as empresas que vendem drogas psicoativas – por meio de várias formas de marketing, tanto legal como ilegal, e usando o que muita gente chamaria de suborno – passaram a determinar o que constitui uma doença mental e como os distúrbios devem ser diagnosticados e tratados.Em segundo lugar, nenhum dos três aceita a teoria de que a doença mental é provocada por um desequilíbrio químico no cérebro. Whitaker conta que essa teoria surgiu pouco depois que os remédios psicotrópicos foram introduzidos no mercado, na década de 50. O primeiro foi o Amplictil (clorpromazina), lançado em 1954, que rapidamente passou a ser muito usado em hospitais psiquiátricos, para acalmar pacientes psicóticos, sobretudo os com esquizofrenia. No ano seguinte, chegou o Miltown (meprobamato), vendido para tratar a ansiedade em pacientes ambulatoriais. Em 1957, o Marsilid (iproniazid) entrou no mercado como um “energizador psíquico” para tratar a depressão.
Desse modo, no curto espaço de três anos, tornaram-se disponíveis medicamentos para tratar aquelas que, na época, eram consideradas as três principais categorias de doença mental – ansiedade, psicose e depressão – e a psiquiatria transformou-se totalmente. Essas drogas, no entanto, não haviam sido desenvolvidas para tratar doenças mentais. Elas foram derivadas de remédios destinados ao combate de infecções, e se descobriu por acaso que alteravam o estado mental.
Antes do tratamento, os pacientes diagnosticados com depressão, esquizofrenia e outros transtornos psiquiátricos não sofrem nenhum “desequilíbrio químico”. No entanto, depois que uma pessoa passa a tomar medicação psiquiátrica, que perturba a mecânica normal de uma via neuronal, seu cérebro começa a funcionar… anormalmente.
O livro de Whitaker, Anatomy of an Epidemic [Anatomia de uma Epidemia], é mais amplo e polêmico. Ele leva em conta todas as doenças mentais, não apenas a depressão. Enquanto Kirsch conclui que os antidepressivos não são provavelmente mais eficazes do que placebos, Whitaker conclui que eles e a maioria das drogas psicoativas não são apenas ineficazes, mas prejudiciais. Whitaker começa por observar que, se o tratamento de doenças mentais por meio de medicamentos disparou, o mesmo aconteceu com as patologias tratadas:
Leon Eisenberg, professor da Universidade Johns Hopkins e da Escola de Medicina de Harvard, escreveu que a psiquiatria americana passou, no final do século XX, de uma fase “descerebrada” para uma “desmentalizada”. Ele quis dizer que, antes das drogas psicoativas, os psiquiatras tinham pouco interesse por neurotransmissores ou outros aspectos físicos do cérebro. Em vez disso, aceitavam a visão freudiana de que a doença mental tinha suas raízes em conflitos inconscientes, geralmente com origem na infância, que afetavam a mente como se ela fosse separada do cérebro.Com a entrada em cena dessas drogas, na década de 50 – processo que se acelerou na década de 80 –, o foco mudou para o cérebro. Os psiquiatras começaram a se referir a si mesmos como psicofarmacologistas, e se interessaram cada vez menos pelas histórias de vida dos pacientes.
A preocupação deles era eliminar ou reduzir os sintomas, tratando os pacientes com medicamentos que alterariam a função cerebral. Tendo sido um dos primeiros defensores do modelo biológico de doença mental, Eisenberg veio a se tornar um crítico do uso indiscriminado de drogas psicoativas, impulsionado pelas maquinações da indústria farmacêutica.
Quando as drogas psicoativas surgiram, houve um período de otimismo na profissão psiquiátrica, mas na década de 70 o otimismo deu lugar a uma sensação de ameaça. Ficaram claros os graves efeitos colaterais dos medicamentos e um movimento de antipsiquiatria lançou raízes, como exemplificam os escritos de Thomas Szasz e o filme Um Estranho no Ninho.
Havia também a concorrência crescente de psicólogos e terapeutas. Além disso, os psiquiatras sofreram divisões internas: alguns abraçaram o modelo biológico, outros se agarraram ao modelo freudiano, e uns poucos viam a doença mental como uma resposta sadia a um mundo insano. Ademais, dentro da medicina, os psiquiatras eram considerados uma espécie de parentes pobres: mesmo com suas novas drogas, eram vistos como menos científicos do que os outros especialistas, e sua renda era geralmente mais baixa.
No final da década de 70, os psiquiatras contra-atacaram, e com força. Como conta Robert Whitaker em Anatomy of an Epidemic, o diretor médico da Associação Americana de Psiquiatria, Melvin Sabshin, declarou, em 1977: “Devemos apoiar fortemente um esforço vigoroso para remedicalizar a psiquiatria.” E lançou uma campanha maciça de relações públicas para fazer exatamente isso.
A psiquiatria detinha uma arma poderosa, que seus concorrentes não podiam ter. Como cursaram medicina, os psiquiatras têm autoridade legal para escrever receitas. Ao abraçar o modelo biológico de doença mental, e o uso de drogas psicoativas para tratá-la, a psiquiatria conseguiu relegar os outros prestadores de serviços de saúde mental para cargos secundários. E se apresentou também como uma disciplina científica. E, o que é mais importante, ao enfatizar o tratamento medicamentoso, a psiquiatria tornou-se a queridinha da indústria farmacêutica, que logo tornou tangível sua gratidão.
Quando foi publicado, em 1980, o DSM-III continha 265 diagnósticos (acima dos 182 da edição anterior) e logo teve um uso quase universal: não apenas por parte de psiquiatras, mas também por companhias de seguros, hospitais, tribunais, prisões, escolas, pesquisadores, agências governamentais e médicos de todas as especialidades. Seu principal objetivo era trazer coerência (normalmente chamada de “confiabilidade”) ao diagnóstico psiquiátrico. Ou seja, garantir que os psiquiatras que viam o mesmo paciente concordassem com o diagnóstico. Para isso, cada diagnóstico era definido por uma lista de sintomas, com limites numéricos. Por exemplo, ter pelo menos cinco de nove sintomas determinados garantia ao paciente um diagnóstico definitivo de episódio depressivo dentro da ampla categoria de “transtornos do humor”.Mas havia outro objetivo: justificar o uso de drogas psicoativas. Com efeito, Carol Bernstein, a presidente da APA, reconheceu isso ao escrever: “Na década de 70, foi preciso facilitar um acordo sobre diagnósticos entre clínicos, cientistas e autoridades reguladoras, dada a necessidade de ligar os pacientes aos novos tratamentos farmacológicos.”
A terceira edição do Manual era talvez mais “confiável” do que as versões anteriores, mas confiabilidade não é a mesma coisa que validade. O termo confiabilidade é usado como sinônimo de “coerência”; validade refere-se à correção ou solidez. Se todos os médicos concordassem que as sardas são um sinal de câncer, o diagnóstico seria “confiável”, mas não válido.
O problema com o Manual é que, em todas as suas edições, ele simplesmente refletia as opiniões de seus autores. E, no caso do DSM-III, sobretudo as opiniões do próprio Spitzer, que foi apontado com justiça como um dos psiquiatras mais influentes do século XX. Em suas palavras, ele “pegou todo mundo com quem se sentia à vontade” para participar da força-tarefa de quinze membros, e houve queixas de que ele convocou poucas reuniões e conduziu o processo de uma maneira desordenada, mas ditatorial.
O DSM se tornou a bíblia da psiquiatria e, tal como a Bíblia cristã, dependia muito de algo parecido com a fé: não há nele citações de estudos científicos para sustentar suas decisões. É uma omissão espantosa, porque em todas as publicações médicas, sejam revistas ou livros didáticos, as declarações de fatos devem estar apoiadas em referências comprováveis. (Há quatro “livros de consulta” separados para a edição atual do DSM, que apresentam a razão para algumas decisões, junto com referências, mas isso não é a mesma coisa que referências específicas.)Pode ser de muito interesse para um grupo de especialistas se reunir e dar suas opiniões, mas a menos que essas opiniões possam ser sustentadas por provas, elas não autorizam a deferência extraordinária dedicada ao DSM. “A cada edição subsequente”, escreve Daniel Carlat, “o número de categorias de diagnósticos se multiplicava, e os livros se tornaram maiores e mais caros. Cada um deles se tornou um best-seller, e o DSM é hoje uma das principais fontes de renda da Associação Americana de Psiquiatria.” O Manual atual, o DSM-IV, vendeu mais de 1 milhão de exemplares.
Os laboratórios farmacêuticos passaram a dar toda a atenção e generosidade aos psiquiatras, tanto individual como coletivamente, direta e indiretamente. Choveram presentes e amostras grátis, contratos de consultores e palestrantes, refeições, ajuda para participar de conferências. Quando os estados de Minnesota e Vermont implantaram “leis de transparência”, que exigem que os laboratórios informem todos os pagamentos a médicos, descobriu-se que os psiquiatras recebiam mais dinheiro do que os médicos de qualquer outra especialidade. A indústria farmacêutica também subsidia as reuniões da APA e outras conferências psiquiátricas. Cerca de um quinto do financiamento da APA vem agora da indústria farmacêutica.
Os laboratórios buscam conquistar psiquiatras de centros médicos universitários de prestígio. Chamados pela indústria de “líderes-chave de opinião”, eles são os profissionais que, por meio do que escrevem e ensinam, influenciam o tratamento das doenças mentais. Eles também publicam grande parte da pesquisa clínica sobre medicamentos e, o que é fundamental, determinam o conteúdo do DSM. Em certo sentido, eles são a melhor equipe de vendas que a indústria poderia ter e valem cada centavo gasto com eles. Dos 170 colaboradores da versão atual do DSM, dos quais quase todos poderiam ser descritos como líderes-chave, 95 tinham vínculos financeiros com laboratórios farmacêuticos, inclusive todos os colaboradores das seções sobre transtornos de humor e esquizofrenia.
Carlat pergunta: “Por que os psiquiatras estão na frente de todos os outros especialistas quando se trata de tomar dinheiro de laboratórios?” Sua resposta: “Nossos diagnósticos são subjetivos e expansíveis, e temos poucas razões racionais para a escolha de um tratamento em relação a outro.” Ao contrário das enfermidades tratadas pela maioria dos outros ramos da medicina, não há sinais ou exames objetivos para as doenças mentais – nenhum dado de laboratório ou descoberta por ressonância magnética – e as fronteiras entre o normal e o anormal são muitas vezes pouco claras. Isso torna possível expandir as fronteiras do diagnóstico ou até mesmo criar novas diagnoses, de uma forma que seria impossível, por exemplo, em um campo como a cardiologia. E as empresas farmacêuticas têm todo o interesse em induzir os psiquiatras a fazer exatamente isso.
Além do dinheiro gasto com os psiquiatras, os laboratórios apoiam muitos grupos de defesa de pacientes e organizações educacionais. Whitaker informa que, somente no primeiro trimestre de 2009, o “Eli Lilly deu 551 mil dólares à Aliança Nacional para Doenças Mentais, 465 mil dólares para a Associação Nacional de Saúde Mental, 130 mil dólares para um grupo de defesa dos pacientes de déficit de atenção/hiperatividade, e 69 250 dólares para a Fundação Americana de Prevenção ao Suicídio”.
E isso foi o que apenas um laboratório gastou em três meses; pode-se imaginar qual deve ser o total anual de todas as empresas que produzem drogas psicoativas. Esses grupos aparentemente existem para conscientizar a opinião pública sobre transtornos psiquiátricos, mas também têm o efeito de promover o uso de drogas psicoativas e influenciar os planos de saúde para cobri-los.
Como a maioria dos psiquiatras, Carlat trata seus pacientes apenas com medicamentos, sem terapia de conversa, e é sincero a respeito das vantagens de fazer isso. Ele calcula que, se atender três pacientes por hora com psicofarmacologia, ganha cerca de 180 dólares por hora dos planos de saúde. Em contrapartida, poderia atender apenas um paciente por hora com terapia de conversa, pela qual os planos lhe pagariam menos de 100 dólares. Carlat não acredita que a psicofarmacologia seja particularmente complicada, muito menos precisa, embora o público seja levado a acreditar que é.
Seu trabalho consiste em fazer aos pacientes uma série de perguntas sobre seus sintomas, para ver se eles combinam com algum dos transtornos catalogados no DSM. Esse exercício de correspondência, diz ele, propicia “a ilusão de que compreendemos os nossos pacientes, quando tudo o que estamos fazendo é atribuir-lhes rótulos”. Muitas vezes os pacientes preenchem critérios para mais de um diagnóstico, porque há sobreposição de sintomas.
Um dos pacientes de Carlat acabou com sete diagnósticos distintos. “Nós miramos sintomas distintos com os tratamentos, e outros medicamentos são adicionados para tratar os efeitos colaterais.” Um paciente típico, diz ele, pode estar tomando Celexa para depressão, Ativan para ansiedade, Ambien para insônia, Provigil para fadiga (um efeito colateral do Celexa) e Viagra para impotência (outro efeito colateral do Celexa).
Quanto aos próprios medicamentos, Carlat escreve que “há apenas um punhado de categorias guarda-chuva de drogas psicotrópicas”, sob as quais os medicamentos não são muito diferentes uns dos outros. Ele não acredita que exista muita base para escolher entre eles. E resume:
Assim é a moderna psicofarmacologia. Guiados apenas por sintomas, tentamos diferentes medicamentos, sem nenhuma concepção verdadeira do que estamos tentando corrigir, ou de como as drogas estão funcionando. Espanto-me que sejamos tão eficazes para tantos pacientes.
Carlat passa então a especular, como Kirsch em The Emperor’s New Drugs, que os pacientes talvez estejam respondendo a um efeito placebo ativado. Se as drogas psicoativas não são tudo o que é alardeado – e os indícios indicam que não são –, o que acontece com os próprios diagnósticos? Como eles se multiplicam a cada edição do DSM?
A indústria farmacêutica influencia psiquiatras a receitar drogas psicoativas até mesmo a pacientes para os quais os medicamentos não foram considerados seguros e eficazes. O que deveria preocupar enormemente é o aumento espantoso do diagnóstico e tratamento de doenças mentais em crianças, algumas com apenas 2 anos de idade. Essas crianças são tratadas muitas vezes com medicamentos que nunca foram aprovados pela FDA para uso nessa faixa etária, e têm efeitos colaterais graves. A prevalência de “transtorno bipolar juvenil” aumentou quarenta vezes entre 1993 e 2004, e a de “autismo” aumentou de 1 em 500 crianças para 1 em 90 ao longo da mesma década. Dez por cento dos meninos de 10 anos de idade tomam agora estimulantes diários para o transtorno de déficit de atenção/hiperatividade.Seria muito difícil achar uma criança de 2 anos que não seja às vezes irritante, um menino de 5ª série que não seja ocasionalmente desatento, ou uma menina no ensino médio que não seja ansiosa. Rotular essas crianças como tendo um transtorno mental e tratá-las com medicamentos depende muito de quem elas são e das pressões que seus pais enfrentam.
Como as famílias de baixa renda estão passando por dificuldades econômicas crescentes, muitas descobriram que o pedido de renda de seguridade suplementar com base na invalidez mental é a única maneira de sobreviver. Segundo um estudo da Universidade Rutgers, descobriu-se que crianças de famílias de baixa renda têm quatro vezes mais probabilidade de receber medicamentos antipsicóticos do que crianças com plano de saúde privado.
Os livros de Irving Kirsch, Robert Whitaker e Daniel Carlat são acusações enérgicas ao modo como a psiquiatria é praticada hoje em dia. Eles documentam o “frenesi” do diagnóstico, o uso excessivo de medicamentos com efeitos colaterais devastadores e os conflitos de interesse generalizados. Os críticos podem argumentar, como Nancy Andreasen o faz em seu artigo sobre a perda de tecido cerebral no tratamento antipsicótico de longo prazo, que os efeitos colaterais são o preço que se deve pagar para aliviar o sofrimento causado pela doença mental. Se soubéssemos que os benefícios das drogas psicoativas superam seus danos, isso seria um argumento forte, uma vez que não há dúvida de que muitas pessoas sofrem gravemente com doenças mentais. Mas como Kirsch, Whitaker e Carlat argumentam, essa expectativa pode estar errada.
No mínimo, precisamos parar de pensar que as drogas psicoativas são o melhor e, muitas vezes, o único tratamento para as doenças mentais. Tanto a psicoterapia como os exercícios físicos têm se mostrado tão eficazes quanto os medicamentos para a depressão, e seus efeitos são mais duradouros. Mas, infelizmente, não existe indústria que promova essas alternativas. Mais pesquisas são necessárias para estudar alternativas às drogas psicoativas.
Em particular, precisamos repensar o tratamento de crianças. Nesse ponto, o problema é muitas vezes uma família perturbada em circunstâncias conturbadas. Tratamentos voltados para essas condições ambientais – como auxílio individual para pais ou centros pós-escola para as crianças – devem ser estudados e comparados com o tratamento farmacológico.
No longo prazo, essas alternativas seriam provavelmente mais baratas. Nossa confiança nas drogas psicoativas, receitadas para todos os descontentes com a vida, tende a excluir as outras opções. Em vista dos riscos, e da eficácia questionável dos medicamentos em longo prazo, precisamos fazer melhor do que isso. Acima de tudo, devemos lembrar o consagrado ditado médico: em primeiro lugar, não causar dano (primum non nocere).
Marcia Angell, médica, professora e escritora americana, foi diretora de redação do New England Journal of Medicine. Seu livro A Verdade sobre os Laboratórios Farmacêuticos foi publicado pela Record.
fonte: https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-epidemia-de-doenca-mental/