Após
uma tentativa de suicídio, William, com pouco mais de 40 anos, recebeu
indicação médica para fazer terapia. Ele nunca havia tido qualquer tipo
de contato sexual.
Semanas após o início do tratamento, o paciente
obteve um diagnóstico. Ele tinha o chamado "Transtorno de Aversão
Sexual", caracterizado por rejeição extrema e persistente a todo tipo de
contato genital com outra pessoa.
"A mera ideia de um ato sexual
gera asco, repulsa e ansiedade na pessoa. Ela se sente ameaçada e passa a
sentir um medo muito intenso, por isso faz o possível para evitar todo
tipo de contato", disse à BBC o psiquiatra Martin Baggaley, diretor do
Centro de Saúde Mental do hospital South London and Maudsley, em
Londres, Reino Unido.
O transtorno é descrito no Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders
ou DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, em
tradução livre), conhecido como a "bíblia da psiquiatria", e na Classificação Internacional de Doenças (CID) da Organização Mundial de Saúde (OMS).
As duas publicações são referência no mundo da saúde para o diagnóstico de doenças.
"O
critério para fechar diagnóstico é: não ter desejo incomoda? Sabemos
que existem abstêmios, chamados assexuados. Não sofrem, não se
preocupam. A libido provavelmente está depositada em outra área, na
carreira, num projeto de vida, numa obra social. Então, se não incomoda,
não vamos categorizar como uma doença", disse à BBC Brasil Carmita
Abdo, psiquiatra e professora da Faculdade de Medicina da Universidade
de São Paulo (USP).
"Mas se a pessoa tem aversão, muito provavelmente vai se incomodar, porque o sexo está em toda a parte", disse Abdo.
De onde vem?
Este
parece ser o caso do paciente William. Durante as sessões de terapia,
ele revelou que sua mãe era alcoólatra e promíscua. Ela flertava
frequentemente com os amigos do filho e tinha sido infiel ao marido (o
pai de William) várias vezes. Quando William tinha 12 anos, seu pai
cometeu suicídio.
Em algumas ocasiões, contou o paciente, a mãe tinha tentado seduzi-lo.
O
caso de William foi um entre 144 incluídos em um relatório feito pelo
especialista americano Patrick Carnes, autor de vários livros sobre
transtornos sexuais.
O
trabalho identificou, entre pacientes diagnosticados com o Transtorno
da Aversão Sexual, alguns pontos em comum. Por exemplo, eles tinham
históricos de depressão, além de terem sofrido tipos específicos de
abuso.
A aversão estaria relacionada a "experiências traumáticas
na infância, famílias desestruturadas, agressões na vida adulta,
exposição a sistemas educacionais e morais restritivos e com visão
negativa da sexualidade, o que gera medo e repulsa na pessoa", disse à
BBC Modesto Rey, ginecologista da Sociedad Española de Contracepción.
Além do Sexo
Os efeitos desse transtorno não se limitam ao plano sexual, explicam os especialistas.
"É
um problema para os que sofrem (do transtorno) porque podem querer
estabelecer relações sentimentais duradouras com outras pessoas, mas não
conseguem", disse John Dean, ex-presidente da International Society for
Sexual Medicine (Sociedade Internacional de Medicina Sexual, ISSM na
sigla em inglês).
Em alguns pacientes, ele pode dificultar até
interações sociais mais básicas. Como no caso da paciente "G", que
decidiu, aos 39 anos, procurar terapia no Center for Healthy Sex (Centro
para o Sexo Saudável), em Los Angeles, Estados Unidos. Ela nunca havia
tido relações sexuais.
A fobia sexual que desenvolveu fez com que
se isolasse de tal maneira que ela passou a evitar eventos sociais e
situações em que homens pudessem estar presentes. Não se preocupava com
sua aparência física, não tomava banho e usava roupas velhas e gastas.
"G" havia sofrido abuso sexual na infância.
Estatísticas e Tratamento
Há
poucos estudos científicos sobre esse transtorno, o que dificulta a
identificação de um perfil do paciente que tem o problema, segundo
especialistas. É provável que o número de pessoas afetadas seja maior do
que se pensa, disse o psiquiatra Baggaley. "As pessoas sentem muita
vergonha (de falar sobre) esse assunto", explicou ele.
A
professora da USP Carmita Abdo disse que, uma vez feito o diagnóstico, o
tratamento é feito à base de terapia sexual e, quando necessário,
medicação.
"A linha de terapia sexual é breve, de base
cognitivo-comportamental, geralmente", disse. "Quanto à medicação,
depende da necessidade de cada paciente. Poderiam ser indicados
ansiolíticos ou medicamentos que favoreçam o interesse sexual, ou
ambos."
O ginecologista Modesto Rey, que também indica terapias de base comportamental, explicou o princípio por trás da terapia:
"Aborda-se o tema e as situações que provocam medo de forma progressiva e, inicialmente, periférica."
Também podem ser usadas terapias cognitivas, ele disse, "para que a pessoa reinterprete a realidade que gera a ansiedade".
Outros
especialistas sugerem que a solução para o problema envolva tratamentos
psicológicos de longo prazo, que levem o paciente a entender as causas
do transtorno para depois definir objetivos futuros.
FONTE:http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/05/150504_sindrome_aversao_sexo_mv