Embora as autoridades de saúde
pública tenham se esforçado para conter o surto de histeria, explicando
que aquilo era causado apenas pelo "medo psicológico", não funcionou.
No fim das contas, mais de 500 pessoas procuraram tratamento em
hospitais públicos.
No
Sudeste Asiático e na China, é comum o suficiente para ter até um nome:
"koro", que remete possivelmente — e de forma bastante visual — à
palavra javanesa para tartaruga, referindo-se à sua aparência quando
retrai a cabeça para dentro do casco.
O
koro tem uma história que remonta a milhares de anos, mas o surto mais
recente ocorreu em 2015, no leste da Índia. No total, 57 pessoas foram
afetadas, incluindo oito mulheres, para quem a síndrome tende a se manifestar como um medo de que seus mamilos estejam se retraindo para dentro do corpo.
O koro é considerado uma síndrome ligada à cultura — um transtorno mental que só existe em certas sociedades.
Durante décadas, distúrbios "intraduzíveis" como este foram estudados
como meras curiosidades científicas, que existiam em partes do mundo
onde as pessoas aparentemente não tinham conhecimento.
Os
transtornos mentais ocidentais, por outro lado, eram vistos como
universais — e você poderia garantir que todo problema "genuíno" seria
encontrado nas páginas sagradas da bíblia psiquiátrica americana, o
Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (mais comumente
conhecido como DSM, na sigla em inglês). Mas hoje os cientistas estão
percebendo cada vez mais que este não é o caso.
Na Coreia do Sul, por sua vez, existe o hwa-byung ("vírus
da raiva", em tradução livre) —, que é causado ao reprimir sentimentos
sobre algo que você considera injusto, até que você sucumba a alguns
sintomas físicos alarmantes, como uma sensação de queimação no corpo.
Lidar com membros da família irritantes é um grande fator de risco — é comum durante divórcios e conflitos com parentes.
Embora,
para os não iniciados, esses transtornos mentais possam parecer
excêntricos ou até mesmo inventados, na verdade, eles são problemas
sérios e legítimos de saúde mental que atingem um grande número de
pessoas.
Estima-se que o hwa-byung
afete cerca de 10 mil pessoas na Coreia do Sul todos os anos — em sua
maioria, mulheres casadas mais velhas —, e uma pesquisa mostrou que ele
deixa uma marca mensurável no cérebro.
Em
2009, exames de imagem revelaram que quem sofre deste distúrbio
apresentava menor atividade em uma área do cérebro conhecida por estar
envolvida em tarefas relacionadas à emoção e controle de impulsos. Isso
faz sentido, já que o hwa-byung é um transtorno de raiva.
As
consequências das síndromes vinculadas à cultura podem ser
devastadoras. Os ataques de koro podem ser tão convincentes que os
homens causam graves danos aos seus órgãos genitais, na tentativa de
impedi-los de retrair.
As pessoas que sofrem de reflechi twòp têm oito vezes mais chance de ter pensamentos suicidas, enquanto o hwa-byung tem sido associado a sofrimento emocional, isolamento social, desmoralização e depressão, dor física, baixa autoestima e infelicidade.
Curiosamente,
algumas doenças intraduzíveis desapareceram recentemente, enquanto
outras estão se espalhando para novas partes do mundo.
Mas,
afinal, de onde vêm essas doenças, e o que determina onde elas são
encontradas? A busca por respostas tem fascinado antropólogos e
psiquiatras há décadas — e agora suas descobertas estão norteando nossa
compreensão da própria origem dos transtornos mentais.
Exportação do Ocidente
O
prêmio de doença vinculada à cultura com a história mais surpreendente
vai, sem dúvida, para a "neurastenia" (também conhecida como shenjing shuairuo).
Embora ocorra principalmente na China e no Sudeste Asiático atualmente,
trata-se, na verdade, de um transtorno colonial do século 19.
A
neurastenia foi popularizada pelo neurologista americano George Miller
Beard, que a descreveu como uma "exaustão do sistema nervoso". Na época,
a Revolução Industrial estava gerando uma grande reviravolta na vida
cotidiana, e ele acreditava que a neurastenia — uma síndrome
caracterizada por dor de cabeça, fadiga e ansiedade, entre outras coisas — era resultado disso.
Romancistas famosos como Marcel Proust foram diagnosticados, o
transtorno se tornou bastante popular", diz Kevin Aho, filósofo da
Universidade da Costa do Golfo da Flórida, nos EUA, que estudou a
história do transtorno.
De
acordo com uma pesquisa realizada em 1913, a neurastenia foi o
diagnóstico mais prevalente entre os colonizadores brancos na Índia, Sri
Lanka (então Ceilão), China e Japão.
Com
o passar dos anos, a neurastenia perdeu gradualmente seu apelo no
Ocidente, à medida que foi associada a problemas psiquiátricos mais
graves. Agora foi completamente esquecida.
Em
outros lugares, porém, aconteceu o contrário: foi usada como um
diagnóstico que não trazia o estigma do transtorno mental — e continua
em uso até hoje.
Em
algumas partes da Ásia, é mais provável que as pessoas digam que têm
neurastenia do que depressão. Um estudo de 2018 realizado com uma
amostra aleatória de adultos de Guangzhou, na China, mostrou que 15,4%
se identificaram como tendo neurastenia, contra 5,3% que disseram ter
depressão.
"Quando
entrevistei pacientes pela primeira vez em um hospital psiquiátrico em
Ho Chi Minh, no Vietnã, em 2008, quase todos disseram que tinham
neurastenia", conta Allen Tran, antropólogo psicólogo da Universidade
Bucknell, na Pensilvânia, nos EUA.
"Então,
quando fiz uma pesquisa de acompanhamento dez anos depois, acho que
apenas uma pessoa da minha amostra disse que a tinha (neurastenia)."
Normas culturais
Há
dois cenários possíveis acontecendo aqui. Em primeiro lugar, existe a
ideia de que toda a humanidade é suscetível à mesma variedade limitada
de transtornos mentais — todos nós nos sentimos ansiosos e deprimidos,
por exemplo, mas a maneira como falamos sobre essas coisas varia
dependendo de quando e onde você vive.
O
fato de que as doenças vinculadas à cultura podem ser adquiridas e
desaparecer dentro de uma única comunidade, e com tanta rapidez, é uma
pista importante.
Isso
sugere que elas não são impulsionadas, por exemplo, por fatores
genéticos, uma vez que este tipo de mudança geralmente leva centenas ou
milhares de anos, em vez de dezenas.
Em
vez disso, a rápida extinção da neurastenia no Vietnã pode ser
atribuída à crescente popularidade do conceito de ansiedade, que foi
importado do exterior.
É
possível que a incidência real de transtornos mentais tenha sido a
mesma durante todo esse tempo, mas, conceitualmente, uma foi substituída
pela outra, explica Tran.
No Reino Unido, a ultrapassada "histeria"
— que acreditava-se afetar principalmente as mulheres e causar
desmaios, explosões emocionais e nervosismo — desapareceu do imaginário
popular no início do século 20.
Mas
Shorter sugere que ela não desapareceu de fato. Em vez disso, o
conjunto de sintomas que procuramos evoluiu. Atualmente, o mesmo
fenômeno mental se esconde atrás de outros diagnósticos, como a
depressão.
Isso
se encaixa em outro conceito que vem ganhando popularidade, "expressões
idiomáticas de angústia", que sugere que cada cultura tem certas formas
aceitáveis e estabelecidas de expressar angústia emocional em um
determinado momento.
Em
uma sociedade, você pode exagerar na bebida, enquanto em outras pode
dizer que é vítima de bruxaria ou diagnosticar a si mesmo com
transtornos como koro ou depressão.
Por exemplo, no mundo islâmico, acredita-se amplamente que é possível ser possuído por jinns,
ou espíritos malignos. Eles podem ser bons, maus ou neutros, mas
geralmente são culpados pelo comportamento errático. O conceito é tão
popular que está até no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.
"Muitos
dos meus pacientes têm esta crença muito forte", diz Shahzada Nawaz,
psiquiatra do North Manchester General Hospital, no Reino Unido.
Nawaz
explica que a capacidade de invocar espíritos é particularmente útil
nas culturas islâmicas, devido ao estigma que tende a acompanhar os
transtornos mentais ocidentais.
Um
estudo com 30 pacientes de Bangladesh que frequentavam um serviço de
saúde mental em um bairro do leste de Londres mostrou que, embora eles
tivessem sido diagnosticados com uma variedade de problemas, como esquizofrenia e transtorno bipolar, seus familiares geralmente achavam que se devia à possessão por jinns.
Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa, pelo
menos no século 21, a tendência é que a angústia ocorra na mente, com a
predominância de sintomas como tristeza, raiva ou ansiedade.
Mas
isso, na verdade, é muito estranho. Em muitas partes do mundo, em
países tão diversos quanto China, Etiópia e Chile, ela se manifesta
fisicamente.
Por
exemplo, a edição mais atualizada do DSM descreve um ataque de pânico
como "uma onda abrupta de medo intenso ou desconforto intenso".
No
entanto, nos refugiados cambojanos, os sintomas tendem a se concentrar
no pescoço. Muitos transtornos mentais não ocidentais, como o koro e o hwa-byung, se encaixam neste padrão de percepção de sintomas físicos.
Por
outro lado, os transtornos mentais que envolvem a percepção da dor são
raros no mundo ocidental e calorosamente debatidos. Alguns cientistas
acreditam que a síndrome da fadiga crônica e a fibromialgia se enquadram nesta categoria, embora isso seja controverso.
Na
verdade, sabe-se há anos que nossas crenças podem ter um efeito
poderoso sobre a maneira como nos sentimos — e até mesmo sobre nossa biologia. Um exemplo é a "morte vodu", na qual uma morte súbita é provocada pelo medo.
Em
um caso famoso documentado por um dos primeiros exploradores da Nova
Zelândia, uma mulher maori comeu acidentalmente algumas frutas de um
local considerado proibido. Depois de anunciar que o espírito do chefe a
mataria pelo ato de sacrilégio, ela morreu no dia seguinte.
Se alguém poderia provocar a própria morte, apenas pelo medo, não está claro.
No
entanto, há fortes evidências de que nossos pensamentos e sentimentos
podem ter um impacto físico tangível, como quando um paciente espera que
um medicamento tenha efeitos colaterais e, por isso, ele acaba tendo —
conhecido como efeito nocebo.
"Eu
diria que há, sem dúvida, casos em que o significado atribuído às
experiências realmente muda biologicamente o que essa experiência é",
diz Bonnie Kaiser, especialista em antropologia psicológica da
Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA.
Ela dá o exemplo do transtorno kyol goeu
("sobrecarga de vento", em tradução literal), um enigmático desmaio que
é prevalente entre os refugiados do Khmer Vermelho nos EUA.
Em
seu país natal, o Camboja, acredita-se que o corpo está repleto de
canais que contêm uma substância semelhante ao vento — e, se eles forem
bloqueados, a overdose de vento resultante fará com que o paciente perca
permanentemente o uso de um membro ou morra.
De
100 pacientes refugiados do Khmer em uma clínica psiquiátrica nos EUA,
um estudo constatou que 36% já haviam tido um episódio do transtorno em
algum momento.
Os
ataques geralmente ocorrem lentamente, começando com uma sensação geral
de mal-estar. Até que, um dia, a vítima se levanta e percebe que está
tonta — e é assim que ela sabe que o ataque está começando.
Por
fim, elas vão cair no chão, incapazes de se mover ou falar até que seus
parentes tenham administrado os primeiros socorros apropriados, que
geralmente consistem em massagear seus membros ou morder seus
tornozelos.
Revendo as doenças ocidentais
Como
nossa compreensão das doenças vinculadas à cultura melhorou, alguns
psicólogos começaram a questionar se certas condições de saúde mental
ocidentais também se enquadram nesta categoria.
Embora
certos transtornos pareçam ser universais — a esquizofrenia ocorre em
todos os países do planeta, em uma taxa relativamente constante —, isso
não é verdade para outros.
A bulimia
é menos frequente nas culturas orientais, enquanto a tensão
pré-menstrual (TPM) é praticamente inexistente na China, em Hong Kong e
na Índia. Já se argumentou, de forma um tanto controversa, que a
depressão é uma invenção do mundo de língua inglesa, decorrente da noção
equivocada de que é normal ser feliz o tempo todo.
Na era moderna, seria ingênuo pensar que os transtornos mentais de que sofremos são independentes do nosso estilo de vida.
"Acho
que há uma tremenda arrogância na forma como universalizamos esses
transtornos mentais, e não os vemos como social e historicamente
específicos", diz Aho, ressaltando que o transtorno de déficit de
atenção só foi adicionado ao DSM em 1980.
"Está
claro que as crianças têm mais dificuldade em prestar atenção agora,
porque são bombardeadas com estímulos sensoriais, e sua existência é
amplamente mediada por telas. Portanto, não é como se tivéssemos acabado
de descobrir uma entidade médica distinta — é possível ver a maneira
como a tecnologia está moldando a vida mental, emocional e
comportamental das crianças."
Independentemente
da causa, em um mundo com cada vez mais mobilidade, alguns
especialistas estão preocupados com o fato de que transtornos
culturalmente específicos não estão sendo reconhecidos pelos
profissionais de saúde mental.
"Nas
culturas do Leste Asiático, o vocabulário e a linguagem que as pessoas
usam para expressar sua angústia e sintomas são bem diferentes", diz
Sumin Na, psicóloga da Universidade McGill, no Canadá.
Isso
significa que, quando as pessoas do Leste Asiático migram para lugares
como a América do Norte, muitas vezes não fica claro quando elas
precisam de ajuda.
Em
uma época em que se observam perdas drásticas na diversidade de
praticamente todos os outros tipos — de espécies a idiomas —, sugeriu-se
que estamos em um precipício, potencialmente prestes a perder nossa
variedade de transtornos mentais também.
No livro Crazy Like Us
("Loucos como nós", em tradução livre), o autor Ethan Watters descreve
como passamos as últimas décadas lenta e insidiosamente americanizando o
transtorno mental — nos forçando colocar uma variedade de experiências
emocionais e psicológicas existentes em algumas "caixas" aprovadas, como
ansiedade e depressão — e "homogeneizando a maneira como o mundo
enlouquece".
Nesse
processo, não só corremos o risco de perder diagnósticos e assim os
tratamentos mais adequados, mas também a oportunidade de entender como
os transtornos mentais se desenvolvem.