Transtorno de ansiedade induzido por substância: o uso de substâncias específicas também pode ocasionar quadros de transtorno de ansiedade. Isso vale desde o caso de medicamentos convencionais até drogas perigosas, como é o caso de cocaína, heroína, maconha, entre outras.
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Blog sobre saúde mental, psiquiatria, e assistência de enfermagem em saúde mental.
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sexta-feira, 20 de junho de 2025
sábado, 5 de abril de 2025
Usar celular antes de dormir piora qualidade do sono.
- Role, Repórter de tecnologia
Pessoas que passam mais tempo olhando para telas na cama têm maior probabilidade de relatar insônia e perda de sono, aponta um estudo.
A pesquisa se baseia em uma pesquisa norueguesa com mais de 45 mil estudantes e indica que cada hora adicional de uso de telas foi associada a um aumento de 63% no risco de insônia e a uma redução de 24 minutos no tempo de sono.
No entanto, os pesquisadores destacam que o estudo estabelece apenas uma correlação entre o uso de telas e a pior qualidade do sono, sem comprovar uma relação de causa e efeito.
Especialistas sugerem que largar o celular antes de dormir, praticar atividades relaxantes e manter uma rotina podem ajudar a melhorar o sono.
Os pesquisadores analisaram dados representativos de uma pesquisa nacional realizada em 2022 com estudantes de 18 a 28 anos, buscando entender a relação entre o tempo de exposição.
Eles também investigaram se o impacto no sono variava entre o uso de redes sociais e outras atividades em telas.
Segundo a Dra. Gunnhild Johnsen Hjetland, do Instituto Norueguês de Saúde Pública e principal autora do estudo, publicado em um periódico da Frontiers, o tipo de atividade na tela parece ter menos impacto do que o tempo total de exposição.
"Não encontramos diferenças significativas entre redes sociais e outras atividades em telas, o que sugere que o tempo de uso, por si só, é o principal fator na piora do sono", afirmou.
A pesquisa norueguesa sobre saúde e bem-estar de 2022 perguntou aos participantes se usavam mídias digitais depois de irem para a cama.
As opções incluíam assistir a filmes ou TV, verificar redes sociais, navegar na internet e jogar videogame.
Entre os que relataram usar telas na cama antes de dormir, 69% afirmaram que acessavam redes sociais, além de outras atividades em telas.
Os participantes também informaram quantas noites por semana usavam essas mídias, por quanto tempo e com que frequência tinham dificuldades para adormecer ou permanecer dormindo, acordavam cedo ou se sentiam cansados.
O estudo classificou como insônia os casos em que esses problemas ocorriam pelo menos três noites ou dias por semana, durante três meses ou mais.
Embora tenha identificado uma ligação entre o uso de telas na cama e relatos de distúrbios do sono ou insônia, os pesquisadores enfatizam que isso não significa uma relação de causa e efeito.
"Este estudo não pode determinar causalidade — por exemplo, se o uso de telas causa insônia ou se estudantes com insônia usam telas mais frequentemente", explicou a Dra. Hjetland.
Eles também alertam que, por se basear em dados autorrelatados, a pesquisa pode conter vieses e não deve ser considerada representativa globalmente.
Joshua Piper, especialista em sono da ResMed UK, afirmou que o estudo traz "evidências crescentes e valiosas" de que o uso de dispositivos eletrônicos prejudica o sono.
Embora algumas pessoas tentem minimizar o impacto ajustando o brilho da tela ou ativando o modo noturno, Piper ressaltou que estudos anteriores indicam que o ato de rolar a tela e interagir com o dispositivo é o principal fator que leva a distúrbios do sono.
Dicas para dormir melhor
A insônia afeta até uma em cada três pessoas no Reino Unido.
O distúrbio do sono faz parte de uma série de problemas que muitas pessoas relatam ao tentar dormir, com o uso do celular à noite e o hábito de 'rolar o feed' infinitamente as redes sociais sendo frequentemente apontados como culpados.
Embora seja um hábito comum, o impacto real de navegar nas redes sociais ou consumir conteúdo online na cama sobre a saúde física e mental ainda é motivo de debate.
Ainda assim, especialistas recomendam evitar o uso de dispositivos digitais pouco antes de dormir.
Eles também destacam que criar uma rotina, indo para a cama e acordando no mesmo horário todos os dias, pode contribuir para uma melhor qualidade do sono.
As organizações de saúde mental 'Mind' e 'Rethink' sugerem substituir o uso do celular por atividades relaxantes antes de dormir, como exercícios de respiração, leitura ou um banho quente, em vez de tentar forçar o sono.
Também recomendam evitar cafeína, álcool e refeições pesadas antes de se deitar, praticar exercícios leves e tornar o ambiente do quarto mais confortável, sempre que possível.
A terapeuta do sono Kat Lederle disse à BBC que a exposição à luz natural, especialmente pela manhã, é essencial para regular o relógio biológico.
Ela também enfatiza a importância de encontrar maneiras de "desacelerar o dia", como realizar uma atividade prazerosa, mas não muito estimulante, para melhorar o sono.
Os autores do estudo reforçam a necessidade de mais pesquisas sobre o tema, incluindo o monitoramento de padrões de sono ao longo do tempo e a investigação dos impactos de notificações noturnas de dispositivos eletrônicos.
"Esforços como esses podem esclarecer melhor o impacto do uso de telas na cama sobre o sono e ajudar a formular recomendações específicas para estudantes e outras populações", concluem.
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9qwlldxx7zo
segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025
Brasil tem a população mais ansiosa do mundo
Por Rone Carvalho, BBC
Quando não tratada corretamente, a ansiedade pode virar uma adversidade
e desencadear outros transtornos mentais, como a depressão, que acomete
aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização
Pan-Americana da Saúde (Opas).Aos 19 anos, a estudante Julia de Mello Precioso representa um dos 18,6
milhões de brasileiros que possuem transtorno de ansiedade.
"No começo, me sentia desmotivada, meu coração ficava extremamente acelerado, tinha falta de ar, mudanças drásticas de humor. Mas ao passar do tempo esses sintomas foram aumentando e chegou no ponto deu somente chorar e não ter vontade de socializar."
Histórias como a dela estão sendo cada vez mais comuns no mundo, principalmente, após a pandemia do coronavírus. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que no primeiro ano da pandemia de Covid-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%.
"Uma das principais explicações para esse aumento é o estresse sem precedentes causado pelo isolamento social decorrente da pandemia, além das restrições à capacidade das pessoas de trabalhar, busca de apoio de familiares e vida social ativa. A solidão, medo de se infectar, sofrimento e morte de pessoas próximas foram fatores estressores que levaram à ansiedade e depressão", disse Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela OMS, o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo.
Para se ter uma ideia, aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).
Índice elevado de desemprego, recorrentes mudanças no rumo da economia e falta de segurança pública são apontados por especialistas ouvidos pela BBC Brasil como principais fatores para a alta prevalência de transtornos de ansiedade na população.
"O Brasil tem uma alta taxa de violência, que faz muitas pessoas saírem de casa com o receio de serem assaltadas. Receio que gera ansiedade", apontou Rafael Boechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).
Especializada em acolher pacientes com transtornos mentais, a psicóloga Adriana Botarelli conta que as próprias dificuldades econômicas contribuem para o alto número de pessoas ansiosas.
"A maior parte da população do Brasil tem pouco acesso a serviços de saúde mental, muitas horas de trabalho por dia, inseguranças quanto ao futuro e pouca qualidade de vida. Todos esses fatores trazem sentimentos de medo, preocupação e angústia."
Já Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do departamento de ciências neurológicas, psiquiatria e psicologia médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), acredita que o uso excessivo de computadores e smartphones também explica a alta prevalência de ansiedade no Brasil.
"A rede social gera uma série de cobranças nas pessoas. Você praticamente começa a querer ser magro e esportista como o influenciador."
Um estudo realizado pela Canadian Journal of Psychiatry comprovou que, quanto maior o uso de telas, maior o nível de ansiedade.
Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, mostrou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram ter sintomas de ansiedade ou depressão durante as atividades remotas impostas pela pandemia.
"A ansiedade é mais comum na infância e adolescência, porque a pessoa ainda não conhece o mundo. É uma fase que o ser humano ainda está em desenvolvimento e a criança está extremamente vulnerável ao que acontece. Assim, uma briga dos pais em casa, por exemplo, pode despertar um quadro de ansiedade no filho", afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor da Famerp.
Pesquisas apontam que a ansiedade patológica está diretamente
relacionada ao processo de aprendizado, ambiente que o indivíduo está
inserido ou fatores genéticos do paciente.Em alguns casos, como no processo de aprendizado, ela pode ser evitada a partir da orientação de pais e educadores.
"Um exemplo são mães que não deixam o filho fazer um inúmeras coisas por medo de que ele se machuque", explicou Ênio.
Na parte ambiental, a recomendação para diminuir as chances de crianças terem ansiedade patológica é o de preparar um ambiente menos ansiogênico, ou seja, sem "gatilhos".
Em contrapartida, quando a ansiedade é oriunda de fatores genéticos não há o que fazer para evitar, mas apenas procurar orientação médica.
"Sempre que os sintomas começam a atrapalhar a vida da pessoa, é a hora de buscar um psiquiatra para uma avaliação do quadro. Ansiedade e tristeza são características normais do ser humano, mas a partir do momento em que nos impedem de sair de casa, trabalhar, levar uma vida social ativa, nos relacionar com outras pessoas, devemos procurar auxílio", afirmou Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).
Psicofobia atrapalha
Um dos grandes desafios no combate as altas taxas de ansiedade é o forte estereótipo existente sobre os transtornos mentais. No Brasil, o preconceito em relação a pessoas que sofrem com distúrbios psiquiátrico é conhecido como psicofobia.
Jorge* lembra bem de quando teve sintomas do transtorno de ansiedade na
adolescência e encontrou resistência dentro de casa para procurar ajuda
especializada.
"De início, minha mãe me levou em um centro espírita. Meio que relutou em me levar no médico, mas como os sintomas persistiram marcamos uma consulta com um psiquiatra. Foi quando descobri que estava com transtorno de ansiedade."
A psicóloga Adriana Botarelli acredita que desmitificar a saúde mental e popularizar a ideia de procurar ajuda especializada é o caminho para o Brasil conseguir superar a alta incidência de ansiedade.
"Muitas pessoas ainda consideram tabu falar sobre transtornos mentais e acabam não cuidando de transtornos, seja por medo de serem chamados de 'loucos' por fazer tratamento psicológico e psiquiátrico, ou ainda por medo de medicação, acreditando que ficarão viciados ou sedados."
Já Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirma que o ideal é que desde cedo crianças e adolescentes possam falar abertamente sobre saúde mental nas escolas e em casa, para que cresçam sem o estigma recorrente entre pessoas idosas.
"Precisamos de políticas públicas que estimulem os cuidados e a quebra
desse estigma. Somente desta forma o portador de doença mental poderá
viver de forma independente e autônoma, tendo oportunidades de trabalho,
perseguindo suas metas e usufruindo de oportunidades com dignidade e
plena inserção social", falou Silva.Para quem convive com a ansiedade, atualmente, de forma harmônica, o segredo é não negar os seus sentimentos.
"Hoje, voltei a praticar exercícios físicos, consigo controlar mais meus pensamentos e identificar quando estou ansiosa. A ajuda de um profissional e força de vontade são cruciais", afirmou Julia.
Já Gerardo afirma que mais importante do que frequentar a terapia é o paciente reconhecer como usar a ansiedade ao seu favor.
"A grande questão não é ter ou não a ansiedade, mas a intensidade dela. Eu sempre falo que de 0 a 10, uma ansiedade 3 a 3,5 é uma ansiedade 'do bem'. Que é aquela dose de ansiedade que precisamos para realizar nossas atividades. Quando passa disso já é um sinal de alerta."
Tipos de transtornos ansiosos
Transtorno de ansiedade generalizada: tem como principal característica a preocupação excessiva e generalizada sem motivos óbvios em situações do dia a dia. Ou seja, o paciente fica sempre antecipando que algo de ruim vai acontecer, permanecendo em um estado de constante preocupação.
Transtorno de pânico: tem como principal característica uma sensação de medo intensa e repentina seguida por sintomas físicos (aceleração dos batimentos cardíacos e da respiração, suor frio, falta de ar, tontura, tremores, entre outros). Esses episódios podem acontecer a partir de qualquer momento, durando até 30 minutos.
Transtorno de ansiedade social:
quem tem transtorno de ansiedade social, ou fobia social, tem intensa
dificuldade em interagir com outras pessoas. Isso pode se referir desde a
uma conversa com um grupo ou até mesmo a apresentação de um trabalho
para a turma em ambiente de ensino. Dessa forma, o gatilho para o
surgimento dos sintomas típicos da ansiedade costuma transitar na área
da socialização. Dessa forma, a fobia social contribui pra que o
paciente busque se isolar cada vez mais, evitando as suas fontes de
angústia.
Agorafobia: é o transtorno de ansiedade relacionado a estar em situações ou locais sem uma maneira fácil de escapar. Em geral, trata-se de casos sem um perigo iminente óbvio, mas, mesmo assim, a pessoa se sente angustiada em busca de uma saída. Um dos casos mais comuns de agorafobia costuma ser o de não suportar ficar em locais lotados ou muito fechados, como dentro de um ônibus ou avião. Quem sofre com esse transtorno também costuma não se sentir bem em elevadores e demais espaços pequenos.
Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): tem como principal característica as lembranças recorrentes e intrusivas de um acontecimento que foi altamente angustiante para o paciente. Esse episódio traumático pode ser desde um acidente até a morte de um ente querido. O que diferencia o TEPT de um quadro de choque ou tristeza convencional é a prevalência dos seus sintomas, que vão de dificuldades para dormir até hipervigilância.
Transtorno de estresse agudo: a principal diferença do transtorno de estresse agudo para os demais tipos de ansiedade é que ele geralmente ocorre a partir da vivência ou testemunho de um evento traumático específico. Assim, o paciente fica revivendo aquele acontecimento e se angustiando com ele de maneira constante. Por ser um quadro agudo, ele não costuma durar muito tempo. Em até um mês, os sintomas geralmente se amenizam. No entanto, ainda assim é válido obter o diagnóstico de um especialista para avaliar o caso e contar com o tratamento adequado.Mutismo seletivo: se caracteriza principalmente pela incapacidade de se comunicar verbalmente em situações sociais. O caso é diferente da fobia social, ou transtorno de ansiedade social, porque geralmente costuma cessar antes da adolescência ou vida adulta.
Transtorno de ansiedade de separação:
aquela sensação de ter saudades de casa pode se manifestar de maneira
muito mais grave na forma do transtorno de ansiedade de separação. Nesse
caso, o paciente passa por sensações de angústia e desespero ao se
separar de um ambiente que considera familiar e agradável.
quarta-feira, 29 de janeiro de 2025
o consumo do álcool piora a qualidade do sono.
- Emma Sweeney e Fran Pilkington-Cheney
Se você consumir álcool antes de ir para a cama, ele pode gerar inicialmente um efeito sedativo, fazendo você adormecer mais rapidamente.
Mas, embora possa parecer que a bebida antes de dormir acelera o adormecimento, pesquisas recentes indicam que este efeito sedativo somente ocorre, na verdade, após o consumo de doses mais altas de álcool (3 a 6 taças padrão de vinho, dependendo da pessoa) até três horas antes de ir dormir.
Talvez ainda pareça benéfico, mas não se recomenda usar o álcool para adormecer, não só devido aos seus efeitos prejudiciais à saúde, mas também porque a substância prejudica o sono durante a noite.
O álcool perturba principalmente o sono REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês). Ele atrasa o primeiro episódio de sono REM e reduz o total subsequente desta fase do sono ao longo da noite.
A bebida também pode fazer você acordar com mais frequência ou causar sono mais leve de madrugada. Isso é significativo, pois o sono REM — também conhecido como "sono dos sonhos" — é considerado importante para a memória e para regular as emoções.
Estas perturbações do sono REM são observadas mesmo com o consumo de baixas doses de álcool (cerca de duas bebidas padrão) até três horas antes de dormir.
Perturbações do sono de qualquer tipo podem fazer você se sentir mais cansado no dia seguinte. E os distúrbios do sono REM também podem gerar dificuldades na consolidação da memória e prejudicar as funções cognitivas e a regulagem das emoções.
Por que o álcool afeta o sono
Em primeiro lugar, o álcool aumenta a ação de um mensageiro químico no cérebro chamado GABA. Ele tem efeito sedativo que, segundo se acredita, contribui para a sensação de sono verificada entre muitas pessoas que consomem álcool.
O álcool também pode aumentar os níveis de adenosina, outro mensageiro químico, que é importante para a sonolência. Mas o aumento dessas substâncias quando bebemos tem vida curta.
Depois que o corpo metaboliza o álcool, costuma haver um "efeito rebote", que faz o corpo tentar compensar as mudanças das funções fisiológicas e do sono induzidas pela bebida. É por isso que algumas pessoas apresentam sono leve e interrompido ao longo da noite, depois de beber.
Beber álcool antes de dormir pode gerar sono leve ou interrompido durante a madrugada.
O álcool também influencia o ritmo circadiano – o relógio de 24 horas do corpo que reage às indicações da luz ambiental para sincronizar nosso ciclo de sono e vigília.
Uma das formas de ação do ritmo circadiano é a liberação de hormônios específicos em certas horas do dia.
O nosso corpo libera melatonina quando escurece, por exemplo, para nos fazer sentir cansaço e dormir por toda a noite.
Mas o álcool afeta a produção de melatonina e altera nossa temperatura corporal.
Além disso, o álcool relaxa os músculos das vias aéreas, o que pode exacerbar o ronco, possivelmente prejudicando também o sono do seu parceiro.
Por fim, o efeito diurético do consumo de álcool antes de dormir pode causar aumento das visitas ao banheiro durante a noite, prejudicando ainda mais o sono noturno.
Como conseguir uma melhor noite de sono
A boa notícia para as pessoas que gostam de beber antes de dormir ou passar a noite fora é que muitos dos efeitos negativos do álcool sobre o sono têm vida relativamente curta. Eles podem ser revertidos evitando o álcool ou reduzindo seu consumo.
Pode levar mais tempo para que o sono e o ritmo circadiano retornem ao normal entre as pessoas que bebem com mais frequência e em maior quantidade, mas deixar de beber pode ajudar.
A melhoria do sono irá deixar você se sentindo mais renovado, beneficiando também sua saúde e bem-estar em geral.
* Emma Sweeney é professora de ciências do esporte da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.
Fran Pilkington-Cheney é professora de psicologia e sono da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy4m8k4408po
quarta-feira, 18 de dezembro de 2024
Por que ainda tem tanta gente em manicômios judiciários 2 anos após Justiça mandar fechar todos.
Rute Pina
Manoel, de 54 anos, comemora poder usar tênis com cadarços pela primeira vez em mais de uma década.
Internado por 14 anos e 7 meses, ele deixou as restrições do Complexo Médico Penal (CMP) do Paraná, em Pinhais, para viver em uma residência terapêutica em Curitiba.
Manoel, que teve o nome real preservado assim como outros internos citados na reportagem, foi diagnosticado com transtorno bipolar aos 19 anos. Em 2009, ele recebeu uma medida de segurança após tentativa de homicídio de um familiar.
Desde 2016, ele já tinha um laudo psiquiátrico que indicava que poderia fazer acompanhamento sem estar recluso, mas só foi transferido neste ano.
Ele ficou oito anos em "condição asilar" — como se chama quando alguém permanece em uma instituição psiquiátrica mesmo após ter indicação de alta — porque perdeu o contato com a família e não tinha para onde ir.
A norma do CNJ busca se alinhar à Lei da Reforma Psiquiátrica, de 2001, que mudou o modelo de assistência a pessoas com transtornos psiquiátricos no Brasil.
"Ou seja, o Judiciário está tentando agora se adequar a uma lei que já tem duas décadas", explica a psiquiatra forense Emi Mori.
Essa foi uma conquista da mobilização que busca há algumas décadas acabar com a internação em manicômios.
O movimento antimanicomial defende direitos de pessoas em sofrimento mental e advoga pelo fim da lógica de manicômios, com internações prolongadas e privação da liberdade de pacientes, nos cuidados em saúde.
Hoje, pessoas nesta situação que cometem crimes e são presas por isso, se são consideradas inimputável pela Justiça — ou seja, incapazes de responder por seus atos — recebem, em vez de uma pena, uma medida de segurança.
Ou seja, são internadas nos hospitais de custódia, para receber tratamento.
A decisão do CNJ determina que estas pessoas devem passar a ser atendidas em unidades da rede de saúde pública em vez de manicômios, ressalta Mori.
A mudança busca reduzir internações prolongadas e incentivar o acompanhamento ambulatorial sempre que possível.
Mas o fim dos manicômios judiciários no Brasil ainda está longe de ser atingido, passados quase dois anos da decisão na Justiça.
CNJ determinou inicialmente um prazo de um ano para o fechamento de unidades penais com características hospitalares.
Segundo dados do CNJ, só quatro Estados cumpriram a determinação até agora — Ceará, Goiás, Mato Grosso e Piauí.
Alguns Estados, como São Paulo, onde estão mais da metade de todos os internos, pediram o adiamento do prazo do CNJ.
Um dos entraves para o fim dos manicômios judiciários é o impasse sobre quem vai assumir o cuidado destes internos, que perderam muitas vezes o vínculo com qualquer pessoa do lado de fora.
O embate foi capturado pela polarização política e acabou indo parar no Supremo Tribunal Federal (STF).
Quem defende o fim dos manicômios diz que o tratamento oferecido nestes lugares não ajudam os pacientes e que eles vão ser melhor atendidos em unidades especializadas da rede de saúde pública.
Aqueles que são contra avaliam que o Sistema Único de Saúde (SUS) não vai dar conta de atender essa demanda.
Críticos da medida também afirmam que, com o fim dos manicômios, os internos não vão receber o tratamento que precisam e que "criminosos perigosos" vão ser colocados nas ruas, o que colocaria outras pessoas em risco.
'Na prática, pouca coisa mudou'
Hoje, ainda existem 28 manicômios judiciários em funcionamento no país.
O Paraná, por exemplo, onde Manoel passou mais de um quarto da vida internado em um local assim, tem 150 pessoas no Complexo Médico Penal, no momento.
Este é o único hospital de custódia do Estado, que é o segundo com maior número de pessoas que cumprem medida de segurança no país.
Pelo menos 16, já receberam alta, mas continuam no manicômio. A Defensoria já protocolou por este motivo 25 pedidos de indenização contra o Paraná, que foi condenado cinco vezes — o caso de Manoel foi um deles.
"Essas pessoas continuam detidas por falta de acolhimento adequado fora do sistema prisional", relata a psicóloga Nayanne Costa Freire, que participa de um programa da Defensoria Pública para reintegração de pessoas em condição asilar.
Freire aponta problemas graves na assistência dentro do CMP do Paraná.
"As pessoas ficam isoladas, sem acesso a familiares ou a tratamentos adequados. É um sistema insalubre", diz Freire.
Desde 2020, o programa da Defensoria retirou 97 pessoas do Complexo Médico Penal do Paraná.
"Conseguimos localizar parentes de várias pessoas", explica Freire.
"Para aquelas sem acolhimento familiar, buscamos alternativas em instituições de longa permanência, residências inclusivas ou serviços de albergagem."
A psicóloga relata que os pacientes recebem um tratamento padrão que desconsidera suas necessidades particulares.
"É comum o uso de medicamentos como o haloperidol, apelidado de 'injeção de entorta' pelos internos. Esse remédio causa apatia severa, além de efeitos colaterais debilitantes", diz Freire.
Segundo a psicóloga, há ainda relatos de uso sistemático e abusivo da prometazina, um antialérgico com propriedades sedativas.
"É uma contenção química para facilitar o controle dos internos, em vez de oferecer um tratamento digno", argumenta Freire.
Apesar da resolução de fechar os manicômios judiciários, Freire diz que o sistema continua recebendo pacientes: "Na prática, pouca coisa mudou".
Maurício Ferracini, diretor-adjunto da Polícia Penal do Estado, que responde pelo CMP, nega que o tratamento dado aos internos seja inadequado e diz que as instalações do complexo passaram por reformas.
Ferracini também nega que novos casos estejam sendo encaminhados à unidade.
Segundo ele, isso não ocorre desde 2023. Os réus que são alvo de medidas de segurança por questões psiquiátricas são direcionados diretamente às equipes da rede pública de saúde.
Segundo ele, não houve impacto negativo na segurança pública desde a implementação da medida.
"Esses casos são questão de saúde pública e não de segurança. Quando encaminhados para a equipe multidisciplinar, temos tido respostas adequadas", afirma Ferracini.
Falta de psiquiatras e avaliações atrasadas em SP
Com 898 pessoas em hospitais de custódia, São Paulo tem o maior número de internados. Isso representa 51,3% do total no país.
O Estado também é o que tem a maior população encarcerada no país, com 200 mil presos.
São Paulo tem três hospitais de custódia, dois no município de Franco da Rocha, na região metropolitana; e um no interior do Estado, na cidade de Taubaté, para onde vão os casos considerados mais graves.
A Defensoria Pública do Estado realizou, em 2023, inspeções em dois deles, e os relatórios também mostram uma série de problemas nas instituições.
A unidade de Franco da Rocha I, por exemplo, tinha apenas um psiquiatra trabalhando na unidade quando, na verdade, deveriam ter cerca de 30 profissionais se revezando na escala.
A falta de profissionais, pontua o relatório, causa atrasos nas avaliações de "cessação de periculosidade", que são os laudos médicos que atestam que a pessoa não representa mais riscos à sociedade.
Além disso, sem profissionais de saúde nas unidades, os internos de Franco da Rocha são levados para Taubaté, a mais de 170 quilômetros de distância, para a realização de perícias.
"São 'hospitais' entre muitas aspas. Eles têm o nome de hospitais, mas estão com equipes absolutamente defasadas", diz a defensora pública Camila Tourinho.
"Eles funcionam da porta para dentro, sem fazer nenhuma interlocução com o sistema de saúde, quem de fato teria que se responsabilizar pelos cuidados com essas pessoas."
Tourinho diz que a internação nos manicômios dificultam a reintegração social dos pacientes.
"Eles não conseguem sair porque seus vínculos foram absolutamente rompidos. Não têm família ou um equipamento municipal que possa recebê-los", diz a defensora.
Os internos dependem do laudo psiquiátrico para atestar que eles não oferecem mais perigo.
"Mas, como esses médicos são escassos, as avaliações demoram", diz Tourinho.
"Existem casos de pacientes que cumprem mais tempo em hospitais de custódia do que a pena do crime cometido."
Este é o caso de Rafael, que foi preso pelo furto de um botijão de gás em outubro de 2022.
Ele ficou na Penitenciária III de Franco da Rocha até maio de 2024 para aguardar a realização de exame psiquiátrico.
A pena mínima do crime que ele cometeu é de um ano. Ele foi solto pouco mais de um ano e meio depois, com a concessão de um habeas corpus pelo Supremo Tribunal de Justiça (STJ).
A Secretaria da Administração Penitenciária afirmou em nota que não há no Estado avaliações em atraso.
Atualmente, existem oito psiquiatras no quadro médico dos hospitais, que seriam suficientes para atender todas as pessoas internadas, segundo a nota.
A pasta afirmou ainda que a unidade de Franco da Rocha I oferece semanalmente a visita presencial, visita virtual e a correspondência eletrônica para fortalecer o vínculo familiar e o apoio emocional para os pacientes.
Já na segunda unidade, focada na desinternação, os pacientes têm acesso livre ao telefone público e chamada de vídeo com familiares, afirmou a Secretaria.
Impasse no STF
A resolução do CNJ que determina o fim dos manicômios judiciários foi questionada no STF pela Associação Nacional dos Membros do Ministério Público (Conamp), pela Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e por dois partidos, o Podemos e o União Brasil.
Em abril, o senador Sérgio Moro (União Brasil-PR) pediu uma audiência pública sobre o tema. Na época, ele disse ser preciso buscar saída que não traga riscos à sociedade.
"Li uma notícia de jornal recentemente falando da preocupação com alguns internados no Rio de Janeiro", disse Moro.
"Entre eles, havia um indivíduo que era responsável por múltiplos assassinatos de crianças e adolescentes", prosseguiu.
"Ao se colocar um indivíduo desse num hospital normal, como vai ser? Vai ficar com vigilância perpétua, com policiais ali presentes? Vai ficar acorrentado na cama?"
"Imagina que, de uma hora para outra, pessoas sob tratamento são colocadas em liberdade?", questiona o promotor.
"Há de se ter critérios, observar a individualização da pena, a gravidade do delito, o tipo de patologia que elas têm."
Existem pessoas que, do ponto de vista clínico, precisam ter um tratamento continuado, argumenta o promotor.
"O sistema de saúde geral não tem condições de absolver todas essas pessoas sujeitas a medida de segurança por praticarem crimes graves e cujas patologias elas demandam muito tempo de tratamento."
STF começou a julgar a ação em outubro no plenário, mas suspendeu o andamento após as sustentações orais, antes dos votos dos ministros.
O relator, o ministro Edson Fachin, será o primeiro a votar. Mas ainda não há data prevista para a retomada do julgamento.
Antônio Geraldo da Silva, presidente da ABP, critica a resolução por, ao seu ver, não ter sido elaborada sem a consulta de médicos psiquiatras ou entidades representativas da área, como o Conselho Federal de Medicina (CFM) e a própria associação.
"Como você quer falar de hospital psiquiátrico e não chama as instituições que cuidam dessa área? É como discutir infarto agudo do miocárdio sem ouvir cardiologistas", critica Silva.
"Negar internação é negar tratamento. Estamos tratando de pessoas que podem ser perigosas e precisam de cuidados adequados para cessar a periculosidade e conviver em sociedade."
O psiquiatra critica a mobilização por trás do avanço da política antimanicomial por, em sua avaliação, minimizar a gravidade das doenças mentais e ignorar a necessidade de internação em casos específicos.
"A luta antimanicomial nega a existência da doença mental e coloca em risco a vida das próprias pessoas e de outros", afirma Silva.
"Isso é desumano e baseado em ideologia, não em ciência."
A psiquiatra forense Emi Mori, no entanto, ressalta que não há doença psiquiátrica que exija, de antemão, períodos tão longos de internação.
"O tempo depende da evolução do tratamento, não de prazos fixos estabelecidos pela lei", diz Mori.
"Nem todo paciente com doença mental que comete um crime é intrinsecamente perigoso. O conceito de periculosidade jurídica nem sempre está alinhado com a realidade clínica."
Ela acredita que a polarização política prejudica o debate sobre a questão, que tem apelo com quem defende medidas mais duras de segurança pública.
"Propostas extremas sugerem soluções simplistas para o problema, que é bastante complexo. E quando entidades médicas endossam a ideia de que estamos 'soltando criminosos', isso é alarmista e superficial", diz Mori.
"As unidades carecem de estrutura terapêutica adequada. Não há equipes multiprofissionais completas, como psicólogos e terapeutas ocupacionais."
A psiquiatra defende que o modelo de assistência a pessoas com transtornos mentais que cometem crimes precisa ser revisto.
"Hoje, o foco está mais na contenção do que no tratamento. Os hospitais de custódia estão em um limbo entre o cumprimento de pena e o tratamento médico", diz.
"É preciso criar espaços que ofereçam assistência multiprofissional e um ambiente propício à recuperação, mesmo nos casos em que a internação seja indispensável."
Mas ela pondera que o fim dos manicômios deve ser acompanhado de alternativas eficazes, com suporte psicológico, social e terapêutico.
"Sem isso, a reforma se torna uma transferência de problema, não uma solução."
Para a transição ser efetiva, o desembargador Gilberto Leme afirma que vai ser necessário criar uma estrutura de saúde pública capaz de atender a nova demanda.
Segundo Leme, há a possibilidade de reformar os hospitais de custódia para transformá-los em centros de referência em saúde mental.
Apesar das dificuldades, ele nota que a resolução do CNJ já começou a impactar em decisões judiciais. O desembargador avalia que o Judiciário já adota uma postura mais criteriosa ao determinar internações.
"Notamos que os juízes têm sido mais parcimoniosos ao aplicar medidas de segurança", afirma Leme.
"É uma mudança que exige tempo, investimento e, acima de tudo, diálogo entre Justiça e Saúde para podermos oferecer tratamento digno e eficaz às pessoas com transtornos mentais em conflito com a lei."
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cpq92219g24o
sexta-feira, 6 de dezembro de 2024
O curioso transtorno que faz homens acreditarem que perderam o pênis
Zaria Gorvett
"NÃO TENHA MEDO DO KORO", dizia a manchete do jornal Straits Times em 7 de novembro de 1967. Nos dias anteriores, um fenômeno peculiar havia se espalhado por Singapura. Milhares de homens haviam se convencido espontaneamente de que seus pênis estavam encolhendo — e que isso acabaria matando-os.
A histeria em massa tomou conta rapidamente. Os homens tentavam desesperadamente segurar seus órgãos genitais, usando tudo o que tinham à mão: elásticos, prendedores de roupa, barbante. Médicos locais inescrupulosos lucraram, recomendando várias injeções e remédios tradicionais.
Corria o boato de que a súbita retração do pênis era causada por algo que os homens haviam comido. Os moradores locais desconfiavam da carne suína, especificamente de porcos que haviam sido vacinados como parte de um programa que o governo havia imposto às fazendas de Singapura. As vendas de carne suína despencaram rapidamente.
Embora as autoridades de saúde pública tenham se esforçado para conter o surto de histeria, explicando que aquilo era causado apenas pelo "medo psicológico", não funcionou. No fim das contas, mais de 500 pessoas procuraram tratamento em hospitais públicos.
No Sudeste Asiático e na China, é comum o suficiente para ter até um nome: "koro", que remete possivelmente — e de forma bastante visual — à palavra javanesa para tartaruga, referindo-se à sua aparência quando retrai a cabeça para dentro do casco.
O koro tem uma história que remonta a milhares de anos, mas o surto mais recente ocorreu em 2015, no leste da Índia. No total, 57 pessoas foram afetadas, incluindo oito mulheres, para quem a síndrome tende a se manifestar como um medo de que seus mamilos estejam se retraindo para dentro do corpo.
O koro é considerado uma síndrome ligada à cultura — um transtorno mental que só existe em certas sociedades. Durante décadas, distúrbios "intraduzíveis" como este foram estudados como meras curiosidades científicas, que existiam em partes do mundo onde as pessoas aparentemente não tinham conhecimento.
Os transtornos mentais ocidentais, por outro lado, eram vistos como universais — e você poderia garantir que todo problema "genuíno" seria encontrado nas páginas sagradas da bíblia psiquiátrica americana, o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (mais comumente conhecido como DSM, na sigla em inglês). Mas hoje os cientistas estão percebendo cada vez mais que este não é o caso.
Na Coreia do Sul, por sua vez, existe o hwa-byung ("vírus da raiva", em tradução livre) —, que é causado ao reprimir sentimentos sobre algo que você considera injusto, até que você sucumba a alguns sintomas físicos alarmantes, como uma sensação de queimação no corpo.
Lidar com membros da família irritantes é um grande fator de risco — é comum durante divórcios e conflitos com parentes.
Embora, para os não iniciados, esses transtornos mentais possam parecer excêntricos ou até mesmo inventados, na verdade, eles são problemas sérios e legítimos de saúde mental que atingem um grande número de pessoas.
Estima-se que o hwa-byung afete cerca de 10 mil pessoas na Coreia do Sul todos os anos — em sua maioria, mulheres casadas mais velhas —, e uma pesquisa mostrou que ele deixa uma marca mensurável no cérebro.
Em 2009, exames de imagem revelaram que quem sofre deste distúrbio apresentava menor atividade em uma área do cérebro conhecida por estar envolvida em tarefas relacionadas à emoção e controle de impulsos. Isso faz sentido, já que o hwa-byung é um transtorno de raiva.
As consequências das síndromes vinculadas à cultura podem ser devastadoras. Os ataques de koro podem ser tão convincentes que os homens causam graves danos aos seus órgãos genitais, na tentativa de impedi-los de retrair.
As pessoas que sofrem de reflechi twòp têm oito vezes mais chance de ter pensamentos suicidas, enquanto o hwa-byung tem sido associado a sofrimento emocional, isolamento social, desmoralização e depressão, dor física, baixa autoestima e infelicidade.
Curiosamente, algumas doenças intraduzíveis desapareceram recentemente, enquanto outras estão se espalhando para novas partes do mundo.
Mas, afinal, de onde vêm essas doenças, e o que determina onde elas são encontradas? A busca por respostas tem fascinado antropólogos e psiquiatras há décadas — e agora suas descobertas estão norteando nossa compreensão da própria origem dos transtornos mentais.
Exportação do Ocidente
O prêmio de doença vinculada à cultura com a história mais surpreendente vai, sem dúvida, para a "neurastenia" (também conhecida como shenjing shuairuo). Embora ocorra principalmente na China e no Sudeste Asiático atualmente, trata-se, na verdade, de um transtorno colonial do século 19.
A neurastenia foi popularizada pelo neurologista americano George Miller Beard, que a descreveu como uma "exaustão do sistema nervoso". Na época, a Revolução Industrial estava gerando uma grande reviravolta na vida cotidiana, e ele acreditava que a neurastenia — uma síndrome caracterizada por dor de cabeça, fadiga e ansiedade, entre outras coisas — era resultado disso.
Romancistas famosos como Marcel Proust foram diagnosticados, o transtorno se tornou bastante popular", diz Kevin Aho, filósofo da Universidade da Costa do Golfo da Flórida, nos EUA, que estudou a história do transtorno.
De acordo com uma pesquisa realizada em 1913, a neurastenia foi o diagnóstico mais prevalente entre os colonizadores brancos na Índia, Sri Lanka (então Ceilão), China e Japão.
Com o passar dos anos, a neurastenia perdeu gradualmente seu apelo no Ocidente, à medida que foi associada a problemas psiquiátricos mais graves. Agora foi completamente esquecida.
Em outros lugares, porém, aconteceu o contrário: foi usada como um diagnóstico que não trazia o estigma do transtorno mental — e continua em uso até hoje.
Em algumas partes da Ásia, é mais provável que as pessoas digam que têm neurastenia do que depressão. Um estudo de 2018 realizado com uma amostra aleatória de adultos de Guangzhou, na China, mostrou que 15,4% se identificaram como tendo neurastenia, contra 5,3% que disseram ter depressão.
"Quando entrevistei pacientes pela primeira vez em um hospital psiquiátrico em Ho Chi Minh, no Vietnã, em 2008, quase todos disseram que tinham neurastenia", conta Allen Tran, antropólogo psicólogo da Universidade Bucknell, na Pensilvânia, nos EUA.
"Então, quando fiz uma pesquisa de acompanhamento dez anos depois, acho que apenas uma pessoa da minha amostra disse que a tinha (neurastenia)."
O que está acontecendo?
Normas culturais
Há dois cenários possíveis acontecendo aqui. Em primeiro lugar, existe a ideia de que toda a humanidade é suscetível à mesma variedade limitada de transtornos mentais — todos nós nos sentimos ansiosos e deprimidos, por exemplo, mas a maneira como falamos sobre essas coisas varia dependendo de quando e onde você vive.
O fato de que as doenças vinculadas à cultura podem ser adquiridas e desaparecer dentro de uma única comunidade, e com tanta rapidez, é uma pista importante.
Isso sugere que elas não são impulsionadas, por exemplo, por fatores genéticos, uma vez que este tipo de mudança geralmente leva centenas ou milhares de anos, em vez de dezenas.
Em vez disso, a rápida extinção da neurastenia no Vietnã pode ser atribuída à crescente popularidade do conceito de ansiedade, que foi importado do exterior.
É possível que a incidência real de transtornos mentais tenha sido a mesma durante todo esse tempo, mas, conceitualmente, uma foi substituída pela outra, explica Tran.
No Reino Unido, a ultrapassada "histeria" — que acreditava-se afetar principalmente as mulheres e causar desmaios, explosões emocionais e nervosismo — desapareceu do imaginário popular no início do século 20.
Mas Shorter sugere que ela não desapareceu de fato. Em vez disso, o conjunto de sintomas que procuramos evoluiu. Atualmente, o mesmo fenômeno mental se esconde atrás de outros diagnósticos, como a depressão.
Isso se encaixa em outro conceito que vem ganhando popularidade, "expressões idiomáticas de angústia", que sugere que cada cultura tem certas formas aceitáveis e estabelecidas de expressar angústia emocional em um determinado momento.
Em uma sociedade, você pode exagerar na bebida, enquanto em outras pode dizer que é vítima de bruxaria ou diagnosticar a si mesmo com transtornos como koro ou depressão.
Por exemplo, no mundo islâmico, acredita-se amplamente que é possível ser possuído por jinns, ou espíritos malignos. Eles podem ser bons, maus ou neutros, mas geralmente são culpados pelo comportamento errático. O conceito é tão popular que está até no livro sagrado dos muçulmanos, o Alcorão.
"Muitos dos meus pacientes têm esta crença muito forte", diz Shahzada Nawaz, psiquiatra do North Manchester General Hospital, no Reino Unido.
Nawaz explica que a capacidade de invocar espíritos é particularmente útil nas culturas islâmicas, devido ao estigma que tende a acompanhar os transtornos mentais ocidentais.
Um estudo com 30 pacientes de Bangladesh que frequentavam um serviço de saúde mental em um bairro do leste de Londres mostrou que, embora eles tivessem sido diagnosticados com uma variedade de problemas, como esquizofrenia e transtorno bipolar, seus familiares geralmente achavam que se devia à possessão por jinns.
Nos Estados Unidos, no Reino Unido e na Europa, pelo menos no século 21, a tendência é que a angústia ocorra na mente, com a predominância de sintomas como tristeza, raiva ou ansiedade.
Mas isso, na verdade, é muito estranho. Em muitas partes do mundo, em países tão diversos quanto China, Etiópia e Chile, ela se manifesta fisicamente.
Por exemplo, a edição mais atualizada do DSM descreve um ataque de pânico como "uma onda abrupta de medo intenso ou desconforto intenso".
No entanto, nos refugiados cambojanos, os sintomas tendem a se concentrar no pescoço. Muitos transtornos mentais não ocidentais, como o koro e o hwa-byung, se encaixam neste padrão de percepção de sintomas físicos.
Por outro lado, os transtornos mentais que envolvem a percepção da dor são raros no mundo ocidental e calorosamente debatidos. Alguns cientistas acreditam que a síndrome da fadiga crônica e a fibromialgia se enquadram nesta categoria, embora isso seja controverso.
Na verdade, sabe-se há anos que nossas crenças podem ter um efeito poderoso sobre a maneira como nos sentimos — e até mesmo sobre nossa biologia. Um exemplo é a "morte vodu", na qual uma morte súbita é provocada pelo medo.
Em um caso famoso documentado por um dos primeiros exploradores da Nova Zelândia, uma mulher maori comeu acidentalmente algumas frutas de um local considerado proibido. Depois de anunciar que o espírito do chefe a mataria pelo ato de sacrilégio, ela morreu no dia seguinte.
Se alguém poderia provocar a própria morte, apenas pelo medo, não está claro.
No entanto, há fortes evidências de que nossos pensamentos e sentimentos podem ter um impacto físico tangível, como quando um paciente espera que um medicamento tenha efeitos colaterais e, por isso, ele acaba tendo — conhecido como efeito nocebo.
"Eu diria que há, sem dúvida, casos em que o significado atribuído às experiências realmente muda biologicamente o que essa experiência é", diz Bonnie Kaiser, especialista em antropologia psicológica da Universidade da Califórnia, em San Diego, nos EUA.
Ela dá o exemplo do transtorno kyol goeu ("sobrecarga de vento", em tradução literal), um enigmático desmaio que é prevalente entre os refugiados do Khmer Vermelho nos EUA.
Em seu país natal, o Camboja, acredita-se que o corpo está repleto de canais que contêm uma substância semelhante ao vento — e, se eles forem bloqueados, a overdose de vento resultante fará com que o paciente perca permanentemente o uso de um membro ou morra.
De 100 pacientes refugiados do Khmer em uma clínica psiquiátrica nos EUA, um estudo constatou que 36% já haviam tido um episódio do transtorno em algum momento.
Os ataques geralmente ocorrem lentamente, começando com uma sensação geral de mal-estar. Até que, um dia, a vítima se levanta e percebe que está tonta — e é assim que ela sabe que o ataque está começando.
Por fim, elas vão cair no chão, incapazes de se mover ou falar até que seus parentes tenham administrado os primeiros socorros apropriados, que geralmente consistem em massagear seus membros ou morder seus tornozelos.
Revendo as doenças ocidentais
Como nossa compreensão das doenças vinculadas à cultura melhorou, alguns psicólogos começaram a questionar se certas condições de saúde mental ocidentais também se enquadram nesta categoria.
Embora certos transtornos pareçam ser universais — a esquizofrenia ocorre em todos os países do planeta, em uma taxa relativamente constante —, isso não é verdade para outros.
A bulimia é menos frequente nas culturas orientais, enquanto a tensão pré-menstrual (TPM) é praticamente inexistente na China, em Hong Kong e na Índia. Já se argumentou, de forma um tanto controversa, que a depressão é uma invenção do mundo de língua inglesa, decorrente da noção equivocada de que é normal ser feliz o tempo todo.
Na era moderna, seria ingênuo pensar que os transtornos mentais de que sofremos são independentes do nosso estilo de vida.
"Acho que há uma tremenda arrogância na forma como universalizamos esses transtornos mentais, e não os vemos como social e historicamente específicos", diz Aho, ressaltando que o transtorno de déficit de atenção só foi adicionado ao DSM em 1980.
"Está claro que as crianças têm mais dificuldade em prestar atenção agora, porque são bombardeadas com estímulos sensoriais, e sua existência é amplamente mediada por telas. Portanto, não é como se tivéssemos acabado de descobrir uma entidade médica distinta — é possível ver a maneira como a tecnologia está moldando a vida mental, emocional e comportamental das crianças."
Independentemente da causa, em um mundo com cada vez mais mobilidade, alguns especialistas estão preocupados com o fato de que transtornos culturalmente específicos não estão sendo reconhecidos pelos profissionais de saúde mental.
"Nas culturas do Leste Asiático, o vocabulário e a linguagem que as pessoas usam para expressar sua angústia e sintomas são bem diferentes", diz Sumin Na, psicóloga da Universidade McGill, no Canadá.
Isso significa que, quando as pessoas do Leste Asiático migram para lugares como a América do Norte, muitas vezes não fica claro quando elas precisam de ajuda.
Em uma época em que se observam perdas drásticas na diversidade de praticamente todos os outros tipos — de espécies a idiomas —, sugeriu-se que estamos em um precipício, potencialmente prestes a perder nossa variedade de transtornos mentais também.
No livro Crazy Like Us ("Loucos como nós", em tradução livre), o autor Ethan Watters descreve como passamos as últimas décadas lenta e insidiosamente americanizando o transtorno mental — nos forçando colocar uma variedade de experiências emocionais e psicológicas existentes em algumas "caixas" aprovadas, como ansiedade e depressão — e "homogeneizando a maneira como o mundo enlouquece".
Nesse processo, não só corremos o risco de perder diagnósticos e assim os tratamentos mais adequados, mas também a oportunidade de entender como os transtornos mentais se desenvolvem.
FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/ce8e152zjp8o