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sexta-feira, 23 de junho de 2023

Por que ainda não é possível fazer um transplante de cérebro

 

 Jannette Rodríguez Pallares

  • Role, The Conversation*

 Em março de 1970, o renomado neurocirurgião americano Robert J. White (1926-2010) realizou uma operação insólita.

Em um hospital de Cleveland, nos Estados Unidos, White conseguiu, pela primeira vez, conectar a cabeça de um macaco ao corpo de outro.

A intervenção levou 18 horas. Quando o macaco acordou, ele conseguia ver, ouvir, cheirar e até morder.

Mas o sucesso durou pouco. O macaco morreu depois de alguns dias.

White prosseguiu com seu trabalho, realizando centenas de outros experimentos. E, até o fim dos seus dias, fantasiou com a repetição da sua façanha em seres humanos.

White não foi o único a tentar realizar o transplante de cérebro humano, mas certamente foi o mais conhecido.

É dele o mérito de ter desenvolvido diversos procedimentos cirúrgicos que continuam sendo utilizados até hoje para salvar vidas.

Problemas de conexão com a medula

Apesar dos incríveis avanços da ciência, ainda não conseguimos transplantar o cérebro.

O problema reside em uma questão não menos importante: ninguém conseguiu conectar o novo órgão à medula espinhal do corpo receptor.

De fato, nos experimentos de White, os macacos ficavam paralisados do pescoço para baixo.

Considerado por alguns o "objeto mais complexo do universo", o cérebro estabelece milhões de conexões que controlam todas as funções do nosso corpo.

E voltar a conectar todo esse emaranhado de ligações com a precisão necessária para recompor os circuitos ainda não está ao nosso alcance.

Além disso, se conseguirmos fazer o transplante, o que aconteceria com as nossas lembranças, nossas emoções e com tudo aquilo que já aprendemos?

É uma questão muito importante, já que todos nós concordamos que este órgão tem a chave de acesso à nossa identidade.

Neurônios de reposição

Como, atualmente, não é possível transplantar o cérebro completo com sucesso, talvez possamos controlar nossas expectativas e estudar sua assombrosa capacidade de remodelar-se.

O cérebro consegue adaptar-se modificando as conexões entre os seus neurônios – formando ligações novas e eliminando outras.

Esta capacidade é chamada de plasticidade. Ela explica por que conseguimos aprender a resolver uma equação matemática, recordar o nome de um bom vinho ou eliminar as lembranças que já não servem para nós.

E também nos permite, em certos casos, recuperar-nos de lesões cerebrais.

Mas será que os neurônios se regeneram?

A maioria das pessoas responderia que, com o tempo, vamos perdendo essas células nervosas e não conseguimos repô-las.

Nosso cérebro contém células-mãe que geram novos neurônios todos os dias.

Este processo se chama neurogênese e sua descoberta revolucionou a neurociência.

Infelizmente, esta capacidade persiste apenas em regiões muito específicas do cérebro adulto. Uma delas é o hipocampo, que participa do aprendizado e da memória.

Mas também existem boas notícias. A criação de novos neurônios pode ser estimulada.

O exercício físico e os alimentos ricos em antioxidantes, por exemplo, favorecem este processo de renovação. E também sabemos que a obesidade, o envelhecimento e as doenças neurodegenerativas o retardam.

Transplante de neurônios

E é aqui que podemos retomar o velho sonho do transplante com possibilidades de sucesso.

A ideia é simples: os neurônios morrem e nós os substituímos por outros. E talvez você se surpreenda ao saber que já o fazemos há décadas.

Esta intervenção revelou-se um possível tratamento para diversas doenças neurológicas, mas vou falar sobre aquela que conheço melhor: a doença de Parkinson.

Esta doença é caracterizada pela morte dos neurônios que produzem dopamina.

Sua ausência gera um caos nos circuitos cerebrais, o que causa uma série de problemas, principalmente motores.

Para tentar reparar estes danos, foram realizados transplantes de neurônios que produzem esse importante neurotransmissor. E os resultados foram excelentes em animais de laboratórios e em uma série de pacientes, que observaram a melhora dos seus sintomas.

Porém é preciso ter milhares dessas células para repor todas as que foram perdidas em um único paciente. E, se pensarmos no número de pessoas afetadas, serão necessários milhões de neurônios.

Neste sentido, as células-mãe oferecem, sem dúvida, grandes oportunidades.

Precisaremos também conseguir com que os neurônios sobrevivam após o implante e, como se não fosse pouco, que se conectem corretamente com as células vizinhas. É impossível ficar entediado com tanta coisa por fazer.

Quando chegarmos a este ponto, a capacidade de regeneração cerebral pode não ter ainda cumprido com as expectativas.

*Jannette Rodríguez Pallares é professora titular de anatomia e embriologia humana da Universidade de Santiago de Compostela, na Espanha.

Este artigo foi publicado originalmente no site de notícias acadêmicas The Conversation e republicado sob licença Creative Commons. Leia aqui a versão original em espanhol.

FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/clj125y4k37o

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