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sexta-feira, 12 de setembro de 2025

As culturas em que 'ouvir vozes' é visto como algo bom.

 Author, William Park

 BBC Future

 

Na psiquiatria ocidental, essas alucinações auditivas são um dos principais sintomas de transtornos psicóticos. E a estigmatização em torno dessas condições de saúde mental faz com que poucas pessoas admitam em público que ouvem vozes na cabeça.

Mas, em algumas culturas, essas alucinações são totalmente aceitas e até festejadas. Elas são consideradas uma oferta de orientação ou ajuda para manter as pessoas em segurança.

As expectativas locais, moldadas pela cultura, pelo ambiente e pelas pessoas com quem crescemos, ajudam a determinar se as pessoas que sofrem alucinações serão ou não consideradas doentes, afirma a professora de Antropologia Tanya Luhrmann, da Universidade Stanford, nos Estados Unidos.

Ela é uma das autoras do livro Our Most Troubling Madness ("Nossa loucura mais problemática", em tradução livre).

O Manual Estatístico e de Diagnóstico de Transtornos Mentais (DSM-5) é o padrão de referência para o diagnóstico de transtornos mentais nos Estados Unidos. Ele relaciona ouvir vozes como uma característica importante da esquizofrenia e da psicose.

Mas, nos países ocidentais, algumas alucinações são mais aceitas do que outras. Até 80% dos americanos e europeus enlutados, por exemplo, relatam ver, ouvir ou sentir um familiar próximo que morreu.

Já as comunidades indígenas achuar, do Equador, proíbem as pessoas de lamentar a perda de familiares. Eles acreditam que as visões ou sonhos do falecido ameaçam as almas dos vivos.

Mesmo as alucinações com vozes induzidas por drogas variam, dependendo das diferenças culturais.

Na Amazônia colombiana e equatoriana, a comunidade indígena siona acredita que essas alucinações são uma experiência de realidade alternativa, enquanto os indígenas shuar, no Peru e no Equador, acreditam que o dia a dia é uma ilusão e a realidade é observada durante as alucinações.

'Me dizem para fazer o que é certo'

As reações pessoais de cada um ao ouvir vozes na cabeça também podem ser definidas pela cultura.

Uma comparação entre pacientes com psicose dos Estados Unidos, Gana e do sul da Índia concluiu que os americanos eram mais propensos a odiar sua voz interna e normalmente não sabiam identificar quem estava falando.

Já os pacientes de Chennai, na Índia, e de Acra, em Gana, associaram suas vozes internas a Deus ou seus familiares. E eles nem sempre rejeitavam o fato de ouvi-las, segundo o estudo realizado por Luhrmann.

Mais da metade das pessoas de Chennai que participaram do estudo declararam ter ouvido as vozes de familiares específicos, como seus pais, sogra ou irmãs. Estas vozes ofereciam conselhos práticos, instruções para tarefas diárias e também estavam ali para repreendê-las.

As vozes disseram aos entrevistados que fossem fazer compras, preparar comida e tomar banho.

"Elas falam como pessoas mais idosas aconselhando os mais jovens", disse um entrevistado. "Elas me ensinam o que eu não sei", disse outro.

Para as pessoas pesquisadas em Chennai, as vozes pareciam ter uma qualidade mais realista. Apenas um pequeno número de entrevistados declarou não ter reconhecido a voz que falava com eles.

Alguns dos entrevistados de Acra foram mais além e disseram que suas vozes eram influências positivas.

Um homem contou para Luhrmann que "elas simplesmente me dizem para fazer o que é certo. Se eu não tivesse essas vozes, teria morrido tempos atrás."

Mas os americanos eram mais propensos a descrever suas vozes como imaginárias.

"Não acho que haja nada ali. Acho que é simplesmente a forma como minha mente trabalha", disse a Luhrmann um participante americano.

Alguns dos entrevistados de Chennai disseram que sentem medo das suas vozes. Muitos declararam que não gostam de ser repreendidos.

Mas as vozes também podem ser divertidas, algo que ninguém mencionou nos Estados Unidos, nem em Gana.

Luhrmann afirma que as pessoas de fora do Ocidente são mais propensas a dizer que suas mentes são entrelaçadas com as demais. Os ganenses, por exemplo, acreditam que estão conectados a outras pessoas pelos seus relacionamentos.

E, embora muitos dos participantes do estudo de Acra aceitassem que este é um sintoma de transtorno psiquiátrico, ouvir aquelas vozes, para eles, era socialmente mais aceitável.

Mas Luhrmann destaca que as pessoas em Gana podem hesitar em revelar que ouviram vozes críticas ou violentas, devido aos estigmas locais em torno da feitiçaria. Essas culturas aceitam e até glorificam as pessoas que têm alucinações, em vez de atribuir patologias a elas, segundo Luhrmann. Ela cita como exemplo as pessoas de Gana, cujas vozes eram consideradas contatos de Deus.

"Em diferentes partes do mundo, espera-se que as pessoas vejam os mortos, falem com espíritos, interajam com fadas", conta Luhrmann.

Da mesma forma que os psiquiatras ocidentais do século 20 tentaram chegar a um acordo sobre como definir e diagnosticar diversas doenças mentais, antropólogas como Ruth Benedict (1887-1948) e Jane Murphy registraram como pessoas com sintomas similares são tratadas com aceitação e até distinção em culturas não ocidentais.

Murphy, por exemplo, viveu com pessoas egba iorubás, um subgrupo de falantes de iorubá do oeste da Nigéria.

Ela observou que eles ouvem vozes e tentam mostrar às pessoas de onde elas vêm. Mas ninguém conseguia ver a fonte das vozes, exceto quem as ouviu.

Murphy observou que isso parecia ser uma ocorrência razoavelmente comum entre o povo egba iorubá e não incomodava nem a pessoa que ouvia as vozes, nem as demais que não ouviam.

A maioria das culturas, segundo Luhrmann, tem palavras para pensamentos que podem passar de uma mente para outra. Em português, podemos dizer "telepatia", "feitiçaria" ou "inspiração divina".

Os seres humanos geralmente acreditam que seus pensamentos são privados, segundo Luhrmann. Mas a maioria de nós, provavelmente, já teve experiências que contradizem esta posição.

"Às vezes, um sonho poderoso parece transmitir informações externas", explica ela.

"Às vezes, se você ficar realmente furioso com alguém que não está na sala e praguejar contra aquela pessoa, a sensação é que aquilo poderá atingi-la."

Traços de personalidade

Existem duas características de personalidade que parecem descrever por que algumas pessoas aceitam melhor as vozes externas e outros fenômenos: a porosidade e a absorção.

A porosidade é a disposição de aceitar que pensamentos externos podem entrar na nossa mente.

Já a absorção nos permite deixar o nosso mundo presente e entrar no mundo da imaginação, diluindo as fronteiras entre a nossa experiência mental interna e externa.

Pessoas com muita absorção provavelmente não irão questionar de imediato se uma experiência é real, mas são mais dispostas a imaginar o que a experiência poderá ensinar a eles.

A disposição de aceitar as vozes e se envolver com elas pode explicar as diferenças culturais de recuperação de doenças mentais.

Em um estudo comparando as experiências de pacientes com esquizofrenia na Nigéria e no Reino Unido, os britânicos eram mais propensos a ouvir vozes abusivas e agressivas.

E, em outra pesquisa concentrada em pacientes com esquizofrenia paquistaneses e britânicos, estes últimos eram mais propensos a ouvir ordens para que eles se matassem.

A percepção por algumas pessoas de que as vozes que elas ouvem são extremamente negativas traz consequências clínicas. É aqui que ouvir vozes pode se tornar mais sério e inegavelmente patológico.

Em diversos estudos, cidadãos americanos eram muito mais propensos a dizer que as vozes que eles ouviam tinham intenções violentas.

Alguns entrevistados contaram a Luhrmann que suas vozes pediam que eles torturassem pessoas e bebessem seu sangue, enquanto outros descreveram vozes que os convocavam para uma batalha.

Luhrmann sugere que fatores sociais, em grande parte, podem explicar isso.

Os EUA possuem um índice muito mais alto de violência armada, em comparação com outros países ricos. E pessoas com doenças mentais também têm mais tendência a ficar em situação de rua no país e sofrer violência dirigida contra elas.

Trabalhando em uma região de Chicago com a mais densa população de pessoas com esquizofrenia do Estado americano de Illinois, fora das penitenciárias, Luhrmann ficou curiosa para saber como a cultura forma as experiências de psicose das pessoas.

Algumas pessoas com psicose podem ter vidas nômades. Elas se mudam entre instituições e locais como prisões, hospitais, a rua e abrigos, o que é conhecido como o "circuito institucional".

"Elas ouvem vozes dizendo que as pessoas as estão observando", conta Luhrmann. "E existem pessoas nos circuitos institucionais que, de fato, as perseguem, as ridicularizam, zombam delas." Vozes críticas ou violentas são o maior fator que indica se alguém irá receber um diagnóstico clínico de transtorno psicótico. E as diferenças culturais também podem alterar a recuperação da doença.

Em outro estudo, pacientes de Chennai que ouviam vozes e um grupo de Montreal, no Canadá, foram acompanhados por um período de cinco anos.

A conclusão foi que os indianos eram mais propensos a decidir suspender sua medicação depois de um ano.

Os pacientes indianos também apresentaram menos sintomas negativos e melhor capacidade de funcionamento na sociedade, independentemente da medicação.

O professor de Psiquiatria Ashok Malla, da Universidade McGill em Montreal, indica que "funcionamento na sociedade" pode ter uma definição mais ampla na Índia que no Canadá.

Na Índia, cuidar da casa ou dos pais idosos é tão ou mais importante para as mulheres que um emprego remunerado. Já no Ocidente, ele destaca que não ter emprego remunerado pode trazer mais estigmatização.

Os tratamentos foram quase idênticos em termos de medicações, gestão dos casos e terapia de comportamento cognitivo. Malla explica que os medicamentos antipsicóticos são eficazes, mas eles tratam apenas, de alguma forma, dos sintomas da doença.

"Os medicamentos antipsicóticos realmente funcionam apenas para sintomas positivos, aquilo que não deveria acontecer, como ilusões ou alucinações", explica Malla.

Os sintomas negativos são a ausência de coisas que deveriam estar ali, como a expressão das emoções e a capacidade de gerar pensamentos e se relacionar socialmente com as pessoas.

O oposto disso seria o isolamento social, a falta de experiências e sensações e assim por diante.

"Os medicamentos têm muito pouco ou nenhum impacto sobre estes", explica Malla. Os sintomas negativos, como a tristeza, apresentam baixa reação à medicação.

O papel das famílias

Malla indica que as diferenças sociais entre a Índia e o Canadá explicam, até certo ponto, a diferença de resultados entre os tratamentos.

Viver em situação de rua é menos comum entre pessoas com esquizofrenia em Chennai, por exemplo. Malla atribui este fato às famílias, que desejam manter a doença mental dentro de casa, para que eventuais estigmas associados a ter um familiar com esquizofrenia possam ser "ocultados".

Ele explica que o casamento é uma preocupação familiar importante e tudo o que puder afetar a possibilidade de um filho se casar será discutido em família.

Malla destaca que as famílias canadenses têm tanto interesse em cuidar dos seus filhos e filhas, irmãos e irmãs, quanto na Índia. Mas ele explica que a sofisticada legislação sobre contatos e confidencialidade com os pacientes pode ser um problema.

Um jovem adulto na América do Norte, se quiser, pode sair de casa e cortar contato com mais facilidade, segundo ele. Mas isso pode gerar resultados piores.

Demonstrou-se que as intervenções familiares são eficazes para melhorar a recuperação da psicose.

"Em Chennai, um paciente dificilmente chega à clínica sem um familiar", explica Malla.

"Formulamos a hipótese que isso resultaria em melhores resultados, em termos de sintomas negativos. E foi exatamente o que concluímos."

Da mesma forma que os países ocidentais e os indígenas achuar, no Equador, definem o contato com os mortos de forma diferente, aquilo que é considerado experiência "normal" sofre grande influência da nossa cultura.

Quando observamos que algumas pessoas pelo mundo admiram as pessoas que ouvem vozes, talvez isso possa se tornar mais normal do que pensamos.

FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cvgqxlj8pjpo 


segunda-feira, 23 de junho de 2025

Medo de ficar sem o celular



Nomofobia é o medo de ficar sem o celular, podendo ser identificado através de sintomas como ansiedade quando se fica muito tempo sem usar o celular ou acordar no meio da noite para verificar mensagens, por exemplo. 

O termo nomofobia tem origem na expressão inglesa "no mobile phone phobia" usado para descrever a dependência do uso do celular, não sendo reconhecido pela comunidade médica, no entanto, sabe-se que é mais comum em pré-adolescentes e adolescentes, já que usam mais o celular e as redes sociais. 

Por ser uma fobia, nem sempre é possível identificar a causa que leva as pessoa a sentir ansiedade por estar longe do celular, mas em alguns casos, esses sentimentos são justificados com o medo de não conseguir saber o que está acontecendo no mundo ou de necessitar de assistência médica e não ter como pedir ajuda. 

- Principais sintomas: 

  1. - Ansiedade quando se fica muito tempo sem usar o celular;
  2. - Necessidade de fazer várias pausas no trabalho para utilizar o celular;
  3. - Nunca desligar o celular, mesmo para dormir;
  4. - Acordar no meio da noite para verificar mensagens;
  5. - Carregar frequentemente o celular para garantir que se tem sempre bateria;
  6. - Ficar muito chateado quando se esquece o celular em casa;
  7. - Verificar o telefone frequentemente para ver se tem notificações;
  8. - Ansiedade quando está em um ambiente sem sinal de internet;
  9. - Levar o carregador de telefone para todos os lugares por medo da bateria acabar;
  10. - Receber reclamações de que está sempre olhando o celular.

Além disso, outros sintomas físicos que parecem estar associados aos sinais nomofobia são os de dependência, como aumento do batimento cardíaco, sensação de transpiração excessiva, agitação e respiração rápida.

Esses sintomas são muito parecidos com os sintomas de transtornos de ansiedade, por isso, é recomendado consultar o psicólogo ou psiquiatra para que seja feito o diagnóstico e ter orientação adequada. 

Como confirmar o diagnóstico

O diagnóstico da nomofobia é feito pelo psiquiatra ou psicólogo, através da avaliação dos sintomas, ou relato dos sintomas pelos pais ou cuidadores e histórico de saúde. A nomofobia é causada pelo uso excessivo do celular e medo de ficar desconectado, provocando uma dependência.

Alguns fatores parecem contribuir para o desenvolvimento da nomofobia, como:

  • Baixa autoestima;
  • Insegurança;
  • Transtornos de ansiedade;
  • Eventos traumáticos;
  • Necessidade de aceitação por outras pessoas.

A nomofobia afeta com mais frequência pré-adolescentes e adolescentes, mas também pode surgir em adultos. 

Nomofobia é uma doença ou um vício?

A nomofobia é considerada uma doença digital, sendo caracterizada pela dependência ou vício do uso do celular e sensação de alívio e/ou conforto ao usar o celular.

Isso porque o uso do celular está relacionado ao sistema de recompensa, em que ocorre liberação de dopamina pelo cérebro, provocando sensação de prazer e bem estar.

Essa sensação faz a pessoa se "viciar" e depender cada vez mais emocionalmente do uso do celular.

Como evitar a dependência

Para tentar combater a nomofobia existem algumas orientações que podem ser seguidas todos os dias:

  • Ter vários momentos durante o dia em que não se está com o celular;
  • Dar preferência para conversas frente a frente;
  • Diminuir progressivamente o uso do celular;
  • Não utilizar o celular nos primeiros 30 minutos após acordar e nos últimos 30 minutos antes de dormir;
  • Não usar o celular durante as refeições ou quando estiver conversando pessoalmente com outras pessoas;
  • Colocar o celular para carregar numa superfície longe da cama;
  • Desligar o celular durante a noite.

Além disso, é recomendado silenciar as notificações e definir horários e tempo de uso do celular. 

Quando já existe algum grau de dependência, pode ser necessário consultar um psicólogo para iniciar terapia, que pode incluir vários tipos de técnicas para tentar lidar com a ansiedade gerada pela falta do celular, como ioga, meditação guiada ou visualização positiva.

FONTE: Nomofobia: o que é, 10 sintomas (e como evitar) - Tua Saúde

sábado, 5 de abril de 2025

Usar celular antes de dormir piora qualidade do sono.

       Author, Liv McMahon

  • Role, Repórter de tecnologia

Pessoas que passam mais tempo olhando para telas na cama têm maior probabilidade de relatar insônia e perda de sono, aponta um estudo.

A pesquisa se baseia em uma pesquisa norueguesa com mais de 45 mil estudantes e indica que cada hora adicional de uso de telas foi associada a um aumento de 63% no risco de insônia e a uma redução de 24 minutos no tempo de sono.

No entanto, os pesquisadores destacam que o estudo estabelece apenas uma correlação entre o uso de telas e a pior qualidade do sono, sem comprovar uma relação de causa e efeito.

Especialistas sugerem que largar o celular antes de dormir, praticar atividades relaxantes e manter uma rotina podem ajudar a melhorar o sono.

Os pesquisadores analisaram dados representativos de uma pesquisa nacional realizada em 2022 com estudantes de 18 a 28 anos, buscando entender a relação entre o tempo de exposição.

Eles também investigaram se o impacto no sono variava entre o uso de redes sociais e outras atividades em telas.

Segundo a Dra. Gunnhild Johnsen Hjetland, do Instituto Norueguês de Saúde Pública e principal autora do estudo, publicado em um periódico da Frontiers, o tipo de atividade na tela parece ter menos impacto do que o tempo total de exposição.

"Não encontramos diferenças significativas entre redes sociais e outras atividades em telas, o que sugere que o tempo de uso, por si só, é o principal fator na piora do sono", afirmou.

A pesquisa norueguesa sobre saúde e bem-estar de 2022 perguntou aos participantes se usavam mídias digitais depois de irem para a cama.

As opções incluíam assistir a filmes ou TV, verificar redes sociais, navegar na internet e jogar videogame.

Entre os que relataram usar telas na cama antes de dormir, 69% afirmaram que acessavam redes sociais, além de outras atividades em telas.

Os participantes também informaram quantas noites por semana usavam essas mídias, por quanto tempo e com que frequência tinham dificuldades para adormecer ou permanecer dormindo, acordavam cedo ou se sentiam cansados.

O estudo classificou como insônia os casos em que esses problemas ocorriam pelo menos três noites ou dias por semana, durante três meses ou mais.

Embora tenha identificado uma ligação entre o uso de telas na cama e relatos de distúrbios do sono ou insônia, os pesquisadores enfatizam que isso não significa uma relação de causa e efeito.

"Este estudo não pode determinar causalidade — por exemplo, se o uso de telas causa insônia ou se estudantes com insônia usam telas mais frequentemente", explicou a Dra. Hjetland.

Eles também alertam que, por se basear em dados autorrelatados, a pesquisa pode conter vieses e não deve ser considerada representativa globalmente.

Joshua Piper, especialista em sono da ResMed UK, afirmou que o estudo traz "evidências crescentes e valiosas" de que o uso de dispositivos eletrônicos prejudica o sono.

Embora algumas pessoas tentem minimizar o impacto ajustando o brilho da tela ou ativando o modo noturno, Piper ressaltou que estudos anteriores indicam que o ato de rolar a tela e interagir com o dispositivo é o principal fator que leva a distúrbios do sono.

Dicas para dormir melhor

A insônia afeta até uma em cada três pessoas no Reino Unido.

O distúrbio do sono faz parte de uma série de problemas que muitas pessoas relatam ao tentar dormir, com o uso do celular à noite e o hábito de 'rolar o feed' infinitamente as redes sociais sendo frequentemente apontados como culpados.

Embora seja um hábito comum, o impacto real de navegar nas redes sociais ou consumir conteúdo online na cama sobre a saúde física e mental ainda é motivo de debate.

Ainda assim, especialistas recomendam evitar o uso de dispositivos digitais pouco antes de dormir.

Eles também destacam que criar uma rotina, indo para a cama e acordando no mesmo horário todos os dias, pode contribuir para uma melhor qualidade do sono.

As organizações de saúde mental 'Mind' e 'Rethink' sugerem substituir o uso do celular por atividades relaxantes antes de dormir, como exercícios de respiração, leitura ou um banho quente, em vez de tentar forçar o sono.

Também recomendam evitar cafeína, álcool e refeições pesadas antes de se deitar, praticar exercícios leves e tornar o ambiente do quarto mais confortável, sempre que possível.

A terapeuta do sono Kat Lederle disse à BBC que a exposição à luz natural, especialmente pela manhã, é essencial para regular o relógio biológico.

Ela também enfatiza a importância de encontrar maneiras de "desacelerar o dia", como realizar uma atividade prazerosa, mas não muito estimulante, para melhorar o sono.

Os autores do estudo reforçam a necessidade de mais pesquisas sobre o tema, incluindo o monitoramento de padrões de sono ao longo do tempo e a investigação dos impactos de notificações noturnas de dispositivos eletrônicos.

"Esforços como esses podem esclarecer melhor o impacto do uso de telas na cama sobre o sono e ajudar a formular recomendações específicas para estudantes e outras populações", concluem.

FONTE:  https://www.bbc.com/portuguese/articles/c9qwlldxx7zo


segunda-feira, 24 de fevereiro de 2025

Brasil tem a população mais ansiosa do mundo

 Por Rone Carvalho, BBC

 

 Quando não tratada corretamente, a ansiedade pode virar uma adversidade e desencadear outros transtornos mentais, como a depressão, que acomete aproximadamente 300 milhões de pessoas no mundo, segundo a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas).Aos 19 anos, a estudante Julia de Mello Precioso representa um dos 18,6 milhões de brasileiros que possuem transtorno de ansiedade.

"No começo, me sentia desmotivada, meu coração ficava extremamente acelerado, tinha falta de ar, mudanças drásticas de humor. Mas ao passar do tempo esses sintomas foram aumentando e chegou no ponto deu somente chorar e não ter vontade de socializar."

Histórias como a dela estão sendo cada vez mais comuns no mundo, principalmente, após a pandemia do coronavírus. Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que no primeiro ano da pandemia de Covid-19, a prevalência global de ansiedade e depressão aumentou em 25%.

"Uma das principais explicações para esse aumento é o estresse sem precedentes causado pelo isolamento social decorrente da pandemia, além das restrições à capacidade das pessoas de trabalhar, busca de apoio de familiares e vida social ativa. A solidão, medo de se infectar, sofrimento e morte de pessoas próximas foram fatores estressores que levaram à ansiedade e depressão", disse Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

De acordo com o último grande mapeamento global de transtornos mentais, realizado pela OMS, o Brasil possui a população com a maior prevalência de transtornos de ansiedade do mundo.

Para se ter uma ideia, aproximadamente 9,3% dos brasileiros sofrem de ansiedade patológica. Em seguida, aparece o Paraguai (7,6%), Noruega (7,4%), Nova Zelândia (7,3%) e Austrália (7%).

Índice elevado de desemprego, recorrentes mudanças no rumo da economia e falta de segurança pública são apontados por especialistas ouvidos pela BBC Brasil como principais fatores para a alta prevalência de transtornos de ansiedade na população.

"O Brasil tem uma alta taxa de violência, que faz muitas pessoas saírem de casa com o receio de serem assaltadas. Receio que gera ansiedade", apontou Rafael Boechat, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB).

Especializada em acolher pacientes com transtornos mentais, a psicóloga Adriana Botarelli conta que as próprias dificuldades econômicas contribuem para o alto número de pessoas ansiosas.

"A maior parte da população do Brasil tem pouco acesso a serviços de saúde mental, muitas horas de trabalho por dia, inseguranças quanto ao futuro e pouca qualidade de vida. Todos esses fatores trazem sentimentos de medo, preocupação e angústia."

Já Gerardo Maria de Araújo Filho, professor do departamento de ciências neurológicas, psiquiatria e psicologia médica da Faculdade de Medicina de Rio Preto (Famerp), acredita que o uso excessivo de computadores e smartphones também explica a alta prevalência de ansiedade no Brasil. 

"A rede social gera uma série de cobranças nas pessoas. Você praticamente começa a querer ser magro e esportista como o influenciador."

Um estudo realizado pela Canadian Journal of Psychiatry comprovou que, quanto maior o uso de telas, maior o nível de ansiedade. 

Um mapeamento feito pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, mostrou que 69% dos estudantes da rede estadual paulista relataram ter sintomas de ansiedade ou depressão durante as atividades remotas impostas pela pandemia.

"A ansiedade é mais comum na infância e adolescência, porque a pessoa ainda não conhece o mundo. É uma fase que o ser humano ainda está em desenvolvimento e a criança está extremamente vulnerável ao que acontece. Assim, uma briga dos pais em casa, por exemplo, pode despertar um quadro de ansiedade no filho", afirma Gerardo Maria de Araújo Filho, professor da Famerp. 

Pesquisas apontam que a ansiedade patológica está diretamente relacionada ao processo de aprendizado, ambiente que o indivíduo está inserido ou fatores genéticos do paciente.Em alguns casos, como no processo de aprendizado, ela pode ser evitada a partir da orientação de pais e educadores.

"Um exemplo são mães que não deixam o filho fazer um inúmeras coisas por medo de que ele se machuque", explicou Ênio.

Na parte ambiental, a recomendação para diminuir as chances de crianças terem ansiedade patológica é o de preparar um ambiente menos ansiogênico, ou seja, sem "gatilhos".

Em contrapartida, quando a ansiedade é oriunda de fatores genéticos não há o que fazer para evitar, mas apenas procurar orientação médica.

"Sempre que os sintomas começam a atrapalhar a vida da pessoa, é a hora de buscar um psiquiatra para uma avaliação do quadro. Ansiedade e tristeza são características normais do ser humano, mas a partir do momento em que nos impedem de sair de casa, trabalhar, levar uma vida social ativa, nos relacionar com outras pessoas, devemos procurar auxílio", afirmou Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP).

Psicofobia atrapalha

Um dos grandes desafios no combate as altas taxas de ansiedade é o forte estereótipo existente sobre os transtornos mentais. No Brasil, o preconceito em relação a pessoas que sofrem com distúrbios psiquiátrico é conhecido como psicofobia.

Jorge* lembra bem de quando teve sintomas do transtorno de ansiedade na adolescência e encontrou resistência dentro de casa para procurar ajuda especializada.

"De início, minha mãe me levou em um centro espírita. Meio que relutou em me levar no médico, mas como os sintomas persistiram marcamos uma consulta com um psiquiatra. Foi quando descobri que estava com transtorno de ansiedade."

A psicóloga Adriana Botarelli acredita que desmitificar a saúde mental e popularizar a ideia de procurar ajuda especializada é o caminho para o Brasil conseguir superar a alta incidência de ansiedade.

"Muitas pessoas ainda consideram tabu falar sobre transtornos mentais e acabam não cuidando de transtornos, seja por medo de serem chamados de 'loucos' por fazer tratamento psicológico e psiquiátrico, ou ainda por medo de medicação, acreditando que ficarão viciados ou sedados."

Já Antônio Geraldo da Silva, presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), afirma que o ideal é que desde cedo crianças e adolescentes possam falar abertamente sobre saúde mental nas escolas e em casa, para que cresçam sem o estigma recorrente entre pessoas idosas.

"Precisamos de políticas públicas que estimulem os cuidados e a quebra desse estigma. Somente desta forma o portador de doença mental poderá viver de forma independente e autônoma, tendo oportunidades de trabalho, perseguindo suas metas e usufruindo de oportunidades com dignidade e plena inserção social", falou Silva.Para quem convive com a ansiedade, atualmente, de forma harmônica, o segredo é não negar os seus sentimentos.

"Hoje, voltei a praticar exercícios físicos, consigo controlar mais meus pensamentos e identificar quando estou ansiosa. A ajuda de um profissional e força de vontade são cruciais", afirmou Julia.

Já Gerardo afirma que mais importante do que frequentar a terapia é o paciente reconhecer como usar a ansiedade ao seu favor.

"A grande questão não é ter ou não a ansiedade, mas a intensidade dela. Eu sempre falo que de 0 a 10, uma ansiedade 3 a 3,5 é uma ansiedade 'do bem'. Que é aquela dose de ansiedade que precisamos para realizar nossas atividades. Quando passa disso já é um sinal de alerta."

Tipos de transtornos ansiosos

Transtorno de ansiedade generalizada: tem como principal característica a preocupação excessiva e generalizada sem motivos óbvios em situações do dia a dia. Ou seja, o paciente fica sempre antecipando que algo de ruim vai acontecer, permanecendo em um estado de constante preocupação.

Transtorno de pânico: tem como principal característica uma sensação de medo intensa e repentina seguida por sintomas físicos (aceleração dos batimentos cardíacos e da respiração, suor frio, falta de ar, tontura, tremores, entre outros). Esses episódios podem acontecer a partir de qualquer momento, durando até 30 minutos.

Transtorno de ansiedade social: quem tem transtorno de ansiedade social, ou fobia social, tem intensa dificuldade em interagir com outras pessoas. Isso pode se referir desde a uma conversa com um grupo ou até mesmo a apresentação de um trabalho para a turma em ambiente de ensino. Dessa forma, o gatilho para o surgimento dos sintomas típicos da ansiedade costuma transitar na área da socialização. Dessa forma, a fobia social contribui pra que o paciente busque se isolar cada vez mais, evitando as suas fontes de angústia.

Agorafobia: é o transtorno de ansiedade relacionado a estar em situações ou locais sem uma maneira fácil de escapar. Em geral, trata-se de casos sem um perigo iminente óbvio, mas, mesmo assim, a pessoa se sente angustiada em busca de uma saída. Um dos casos mais comuns de agorafobia costuma ser o de não suportar ficar em locais lotados ou muito fechados, como dentro de um ônibus ou avião. Quem sofre com esse transtorno também costuma não se sentir bem em elevadores e demais espaços pequenos.

Transtorno de estresse pós-traumático (TEPT): tem como principal característica as lembranças recorrentes e intrusivas de um acontecimento que foi altamente angustiante para o paciente. Esse episódio traumático pode ser desde um acidente até a morte de um ente querido. O que diferencia o TEPT de um quadro de choque ou tristeza convencional é a prevalência dos seus sintomas, que vão de dificuldades para dormir até hipervigilância. 

Transtorno de estresse agudo: a principal diferença do transtorno de estresse agudo para os demais tipos de ansiedade é que ele geralmente ocorre a partir da vivência ou testemunho de um evento traumático específico. Assim, o paciente fica revivendo aquele acontecimento e se angustiando com ele de maneira constante. Por ser um quadro agudo, ele não costuma durar muito tempo. Em até um mês, os sintomas geralmente se amenizam. No entanto, ainda assim é válido obter o diagnóstico de um especialista para avaliar o caso e contar com o tratamento adequado.

Mutismo seletivo: se caracteriza principalmente pela incapacidade de se comunicar verbalmente em situações sociais. O caso é diferente da fobia social, ou transtorno de ansiedade social, porque geralmente costuma cessar antes da adolescência ou vida adulta.

Transtorno de ansiedade de separação: aquela sensação de ter saudades de casa pode se manifestar de maneira muito mais grave na forma do transtorno de ansiedade de separação. Nesse caso, o paciente passa por sensações de angústia e desespero ao se separar de um ambiente que considera familiar e agradável.

Transtorno de ansiedade induzido por substância: o uso de substâncias específicas também pode ocasionar quadros de transtorno de ansiedade. Isso vale desde o caso de medicamentos convencionais até drogas perigosas, como é o caso de cocaína, heroína, maconha, entre outras.

FONTE: https://g1.globo.com/saude/noticia/2023/02/27/por-que-o-brasil-tem-a-populacao-mais-ansiosa-do-mundo.ghtml

quarta-feira, 29 de janeiro de 2025

o consumo do álcool piora a qualidade do sono.

  •   Emma Sweeney e Fran Pilkington-Cheney

Se você consumir álcool antes de ir para a cama, ele pode gerar inicialmente um efeito sedativo, fazendo você adormecer mais rapidamente.

Mas, embora possa parecer que a bebida antes de dormir acelera o adormecimento, pesquisas recentes indicam que este efeito sedativo somente ocorre, na verdade, após o consumo de doses mais altas de álcool (3 a 6 taças padrão de vinho, dependendo da pessoa) até três horas antes de ir dormir.

Talvez ainda pareça benéfico, mas não se recomenda usar o álcool para adormecer, não só devido aos seus efeitos prejudiciais à saúde, mas também porque a substância prejudica o sono durante a noite.

O álcool perturba principalmente o sono REM (movimento rápido dos olhos, na sigla em inglês). Ele atrasa o primeiro episódio de sono REM e reduz o total subsequente desta fase do sono ao longo da noite.

A bebida também pode fazer você acordar com mais frequência ou causar sono mais leve de madrugada. Isso é significativo, pois o sono REM — também conhecido como "sono dos sonhos" — é considerado importante para a memória e para regular as emoções.

Estas perturbações do sono REM são observadas mesmo com o consumo de baixas doses de álcool (cerca de duas bebidas padrão) até três horas antes de dormir.

Perturbações do sono de qualquer tipo podem fazer você se sentir mais cansado no dia seguinte. E os distúrbios do sono REM também podem gerar dificuldades na consolidação da memória e prejudicar as funções cognitivas e a regulagem das emoções.

Por que o álcool afeta o sono

Em primeiro lugar, o álcool aumenta a ação de um mensageiro químico no cérebro chamado GABA. Ele tem efeito sedativo que, segundo se acredita, contribui para a sensação de sono verificada entre muitas pessoas que consomem álcool.

O álcool também pode aumentar os níveis de adenosina, outro mensageiro químico, que é importante para a sonolência. Mas o aumento dessas substâncias quando bebemos tem vida curta.

Depois que o corpo metaboliza o álcool, costuma haver um "efeito rebote", que faz o corpo tentar compensar as mudanças das funções fisiológicas e do sono induzidas pela bebida. É por isso que algumas pessoas apresentam sono leve e interrompido ao longo da noite, depois de beber.

Beber álcool antes de dormir pode gerar sono leve ou interrompido durante a madrugada.

O álcool também influencia o ritmo circadiano – o relógio de 24 horas do corpo que reage às indicações da luz ambiental para sincronizar nosso ciclo de sono e vigília.

Uma das formas de ação do ritmo circadiano é a liberação de hormônios específicos em certas horas do dia.

O nosso corpo libera melatonina quando escurece, por exemplo, para nos fazer sentir cansaço e dormir por toda a noite.

Mas o álcool afeta a produção de melatonina e altera nossa temperatura corporal.

Além disso, o álcool relaxa os músculos das vias aéreas, o que pode exacerbar o ronco, possivelmente prejudicando também o sono do seu parceiro.

Por fim, o efeito diurético do consumo de álcool antes de dormir pode causar aumento das visitas ao banheiro durante a noite, prejudicando ainda mais o sono noturno.

Como conseguir uma melhor noite de sono

A boa notícia para as pessoas que gostam de beber antes de dormir ou passar a noite fora é que muitos dos efeitos negativos do álcool sobre o sono têm vida relativamente curta. Eles podem ser revertidos evitando o álcool ou reduzindo seu consumo.

Pode levar mais tempo para que o sono e o ritmo circadiano retornem ao normal entre as pessoas que bebem com mais frequência e em maior quantidade, mas deixar de beber pode ajudar.

A melhoria do sono irá deixar você se sentindo mais renovado, beneficiando também sua saúde e bem-estar em geral.

* Emma Sweeney é professora de ciências do esporte da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.

Fran Pilkington-Cheney é professora de psicologia e sono da Universidade Nottingham Trent, no Reino Unido.

FONTE: https://www.bbc.com/portuguese/articles/cy4m8k4408po